quarta-feira, 20 de maio de 2009

O RELATÓRIO DA OCDE

  1. O recentemente publicado relatório anual da Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Económica (OCDE), denominado “African Economic Outlook”, apresenta uma perspectiva bastante pessimista para o desempenho da generalidade das economias africanas. Ao contrário dos mais de 5% de crescimento que a África registou em 2008, para o ano em curso, o relatório da OCDE aponta para apenas cerca de metade desse valor, 2,8%, assacando o principal da responsabilidade, sobretudo, à queda dos preços das nossas matérias-primas, bem como à diminuição da procura por parte das economias desenvolvidas.

 

  1.  Quanto a Angola, o relatório da OCDE é mesmo demolidor, pois diz que a nossa economia será das mais afectadas pela actual crise mundial, prognosticando uma contracção de 23%, em termos nominais, se comparado com o PIB atingido em 2008. Quer dizer que tal contracção engolirá totalmente os 15,8% de crescimento conseguido no ano de 2008, retirando também 7,2 pontos percentuais ao valor do ano de 2007. Como a OCDE justifica, então, o anunciado descalabro: i) Pela redução dos preços internacionais do petróleo; ii) Pela diminuição da nossa quota de produção petrolífera, fruto dos compromissos assumidos no quadro da OPEP. Ainda assim, o relatório admite um mitigado crescimento na nossa economia não-petrolífera, porém, insuficiente para alavancar o PIB do ano em curso.

 

  1. Por altura da divulgação de relatórios internacionais, sejam eles de carácter económico, político ou social, geralmente soam certas sirenes, perfilando-se de seguida em verdadeira “prontidão combativa” os mais indefectíveis arautos do regime. Para esses “apologetas”, um relatório que não teça encómios à sua dama, é a encarnação do inimigo, por isso, desembaiam as espadas, passando a verberar contra a credibilidade e a seriedade das organizações internacionais. Chegam a acusá-las de estarem ao serviço de interesses inconfessos... Por enquanto, nota-se alguma contenção, embora já se vá pondo em causa a grandeza da dita contracção, o que não é o mais importante no debate que se vai travando.

 

  1. É verdade que, nos últimos cinco anos, o nosso PIB cresceu, em média, 18% ao ano, fazendo da nossa economia uma das mais dinâmicas do mundo, um vigor que se deveu ao concurso repartido dos sectores mineral e não-mineral, este último muito impulsionado pelas receitas fiscais geradas pelo primeiro.

 

  1. A recente redução das receitas petrolíferas limitou drasticamente o financiamento interno da economia, ao ponto de o Governo se ver já obrigado a reconhecer o impacto da crise mundial. Em consequência, prometeu o reequacionamento e a re-calendarização do seu plano de investimentos públicos, um decisão que produzirá impactos sobre o sector não-petrolífero, muito dependente do investimento público, mas, igualmente, do consumo público.

 

  1. A previsão feita pelos peritos da OCDE contraria, e de que maneira, as repetidas afirmações feitas por alguns dos responsáveis máximos da nossa economia, designadamente o actual Ministro da Economia, Manuel Nunes Júnior, para quem, no presente ano, teremos uma taxa de crescimento do PIB não inferior a 3%, esta que é a taxa média de crescimento da nossa população. O Ministro Manuel Nunes Júnior repetiu a sua fé quando dissertava, em Luanda, numa Conferência com o tema “Crise no mundo e em Angola, o que é, onde está, quanto custa e como resolver”. É verdade que o Ministro da Economia admitiu um abrandamento no ritmo de crescimento da economia, mas descartou a possibilidade de haver recessão.

 

Nota: (Tecnicamente, há recessão quando a economia de um país tem um crescimento negativo durante dois trimestres seguidos. Esta é uma terminologia técnica que pode, porém, esconder alguma inverdade, pois um país pode ter a sua economia a não crescer nos dois primeiros trimestres e nos seguintes crescer até mais vigorosamente nos anteriores. Do ponto de vista global, ela cresceu. Será, portanto, incorrecto, considerar que, tecnicamente, a economia esteve em recessão durante o ano).

 

  1. A previsão da OCDE foi apenas a última, já que, desde meados do ano passado, se vêm escutando outras opiniões não muito animadoras quanto ao desempenho da nossa economia para os próximos tempos. Recordo que ainda corria o mês de Junho de 2008, quando, no relatório anual sobre o “Desenvolvimento Global”, apresentado na Cidade do Cabo, o Banco Mundial apontava para uma desaceleração do ritmo de crescimento da economia, dizendo, por exemplo, que ela não iria crescer os 25,4% inicialmente apontados para o ano de 2008. Veio, depois, a constatar-se um crescimento na ordem dos 15,8%. Para o ano de 2009, o Banco Mundial previa ainda um crescimento de 10,2%, que é o dobro da percentagem prevista pela OCDE, 5,1%.

 

  1. A sustentabilidade de um crescimento próximo dos 20% ao ano foi então posto em causa por Hans Timmer, um alto funcionário do Banco Mundial. Hans Timmer declarou mesmo que, no longo prazo, Angola possuía um potencial de crescimento entre os 6% e os 7%, devido, sobretudo, ao desempenho dos outros sectores económicos que estão a ser impulsionados pelas receitas petrolíferas. Para ele, o crescimento do sector petrolífero tinha, pois, claras e óbvias limitações.

 

  1. No início de Março deste ano, em relatório, o Banco Português de Investimento (BPI) contrariou as previsões bastantes optimistas das autoridades económicas angolanas que haviam inserido no Orçamento aprovado pela Assembleia Nacional uma taxa de crescimento do PIB de 11,8%. Pela primeira vez, o BPI falou numa retracção da nossa economia, na ordem dos 3%, fruto do que denominou de “o arrefecimento global”, mesmo que haja “pouca expressão do mercado financeiro, reduzida exposição financeira ao exterior e reduzidas necessidades de financiamento”.

 

  1. Porém, em Janeiro, Ricardo Gazel, economista-chefe do Banco Mundial em Angola, dissera já que o ano de 2009 seria “extremamente difícil”, por causa da forte dependência da nossa economia face às receitas petrolíferas.

 

  1.  Em reacção, o Professor Alves da Rocha discordou dizendo que, aquando da elaboração do Orçamento para 2009, já se havia tido em devida conta uma redução da participação do petróleo na formação do PIB, de 55% para 35%. Declarou, por isso, que as previsões do economista-chefe do Banco Mundial em Angola eram “previsões dramáticas que até podem afastar o investimento estrangeiro”. Admitiu ainda que Angola tem margem de manobra para um comportamento razoável perante a crise. Antes, porém, de recomendar ao Governo uma maior atenção, disse: “Não se está perante um crescimento negativo, mas, sim, perante um crescimento de baixa intensidade”. Em substância, a fé do Professor Alves da Rocha coincide com a do Ministro Manuel Nunes Júnior, também com a do Ministro das Finanças, Severim de Morais, e de outras autoridades da área política e económica, além de alguns analistas. Na altura do pronunciamento público de Ricardo Gazel, eu secundei a sua posição. Admiti mesmo a possibilidade de um crescimento negativo, e expliquei porquê.

 

  1. Muito sinceramente, por tudo aquilo que hoje se vê – alguma desorientação na definição das políticas face à crise – eu gostaria que o meu amigo e colega Alves da Rocha, assim como o Ministro da Economia e o Ministro das Finanças tivessem razão. Mas creio que não terão, pois são passados já cinco meses no ano de 2009, e a crise mundial aprofunda-se a cada dia que passa!

2 comentários:

  1. Assiste-se um certo desnorte do Governo na definição de políticas e mesmo nas comunicações que faz sobre os êxitos da economia angolana. O que diz não passa de pura propaganda. É verem como Luamda está abandonada, como as ruas de Luanda foram tomadas de assalto por marginais, a qualidade das obras, a mediocridade que impera na administração pública... A nossa crise não é só económca. É também uma crise de valores, uma crise de identidade, uma crise de responsabilidade ...
    Fala-se de indicadores económicos, mas como é que eles são construídos se não há dados demográficos que atesten a dinâmica da população? Que importa falar de indicadores como percapitas, taxas de escolaridade, distribuição de rendimentos, população activa, esperança de vida etc., quando o último censo populacional foi efectuado em 1970, ou seja, há
    38 anos? Angola já vive há muito em profunda crise!!!
    FMM

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  2. No ponto 2 estás a confundir PIB real e nominal. A queda de 23% em 2009 é nominal e o crescimento de 15,8% em 2008 é Real (preços constantes). A queda real é de 7,2% segundo a OCDE; o crescimento nominal em 2008 foi de 39% segundo o BPI.
    Em geral é unânime que a economia Angolana não petrolífera (que é a única que pode ser da responsabilidade governamental) tem funcionado bem: o BPI inclui o"dinamismo do sector não petrolífero" no capítulo "factores de conforto"; a OCDE atribui-lhe um dos maiores crescimentos do mundo "liderado pela agricultura, construção e serviços".

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