quarta-feira, 15 de julho de 2009

O ÚLTIMO SUSPIRO DO G8

1. A reunião do G8 – o grupo dos 7 países mais industrializados do mundo, mais a Rússia – causou uma enorme expectativa, pois que se esperavam resultados positivos sobre determinados problemas que afligem a actualidade internacional. Ela foi antecedida, em Moscovo, de um encontro bilateral entre o presidente norte-americano, Barack Obama, e o seu homólogo russo, Dmitri Medvedev, no qual acordaram eliminar cerca de 1 milhar de ogivas do actual arsenal nuclear. Os dois estadistas remeteram, porém, para discussões futuras, a questão da instalação, ou não, de um escudo anti-míssil norte-americano na Polónia e na República Checa. Os norte-americanos alegam a necessidade de prevenir um eventual ataque vindo do Irão ou da Coreia do Norte.

2. A reunião do G8 valeu por tudo, mas muito em especial porque Angola esteve presente, como convidada, na pessoa do presidente Eduardo dos Santos. A figura dos convidados é uma prática de há alguns anos a esta parte, e muitos dos convidados são-no já com certa regularidade.

3. Essa cúpula de países realiza-se desde 1975, quando o antigo presidente francês, Valéry Giscard d’Estaing, decidiu reunir em Rambouillet, perto de Paris, os chefes de Estado e de governo da Alemanha, EUA, Japão, Itália e Reino Unido. Ele queria, pois, proporcionar uma discussão franca, aberta e sem protocolos, das principais questões mundiais. O Canadá juntou-se ao grupo em 1976. No ano de 1998, foi a vez da Rússia adquirir o estatuto de membro de pleno direito, muito embora já frequentasse o conclave com a qualidade de observador, desde o início da década de 1990. Com esta entrada nasceu, pois, o G8, um grupo cada vez mais posto em causa, por uma denunciada falta de legitimidade para tomar decisões sobre determinadas questões de interesse internacional.

4. Ainda há dias, Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, afirmou taxativamente, no Instituto de Estudos Políticos de Paris, por ocasião da comemoração dos dez anos do Mercosul, que o G8 não representa mais nada, e que o seu enterro poderia ocorrer lentamente. Tal como outras individualidades internacionais já o tenham feito, Celso Amorim apontou as economias da China, Brasil e Índia como tendo presentemente um impacto sobre a economia mundial maior do que certos Estados integrantes do G8. Por isso, defendeu que faz mais sentido um G20 do que o clube restrito do G8.

5. Recordo que, ao apercebe-se da profundidade da actual crise económica e financeira mundial, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, reuniu em Londres um amplo leque de países para, em conjunto, congregarem esforços capazes de a debelar. Compareceram os supostamente mais potentes do mundo, mas também as denominadas economias emergentes, e outros actores de importância regional. Não se tratou, pois, de um encontro das 20 economias mais desenvolvidas do mundo – como erradamente se poderá pensar. Era, sim, uma “poole” de Estados capazes de discutir com propriedade temas de amplo espectro, como o relançamento do crescimento económico, o comércio mundial no quadro da OMC (Organização Mundial de Comércio), a reconfiguração das instituições financeiras multilaterais – Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional –, a luta contra a pobreza e o apoio aos países mais débeis, a emigração ilegal, a matriz energética, as alterações climáticas e o risco que representam para a sobrevivência do nosso planeta, etc.

6. O G20 integra países como o Brasil, Índia, China, África do Sul, México; Coreia do Sul, Argentina, Austrália, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, União Europeia; EUA, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França e a Rússia. São, portanto, 19 Estados mais uma entidade supra-estatal, a União Europeia. Os cinco primeiros Estados constituem o hoje denominado G5. Alguns destes 5 países são já actores globais e têm participado como convidados nas reuniões do G8, reivindicando mesmo, um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

7. Tinha razão Celso Amorim quando disse que o G8 tinha os seus dias contados, pois, nesta reunião agora terminada tomou-se a decisão do seu alargamento a mais 6 Estados, os do G5 mais o Egipto.

8. A iniciativa do convite ao presidente da República de Angola, Eduardo dos Santos, para estar presente no encontro do G8, em L’Aquila, partiu do primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi. Elaborar a lista dos convidados é uma prerrogativa do país que preside o grupo e que é a sede da reunião. A ele também compete a definição da agenda de trabalhos.

9. A reunião de L’Aquila, a 35ª da história, tem a particularidade de contar com um número recorde de Estados africanos. Julgo que por razões perfeitamente compreensíveis: i) há toda a urgência em estimular o desenvolvimento destes países; ii) tem que se buscar uma fórmula adequada para frenar a crescente emigração ilegal de africanos para a Europa; iii) urge lutar contra a pobreza e as grandes endemias, em especial o HIV, Malária e Tuberculose; iv) uma maior coordenação de esforços para a resolução dos vários conflitos internos nos nossos países, alguns deles com sérias implicações regionais; v) o peso crescente dos Estados africanos no fornecimento mundial de petróleo.

10. O conclave permitiu chegar-se a consenso em matérias como: i) redução das emissões de dióxido de carbono em 80% até ao ano 2050, para os países do G8; ii) redução da temperatura média planetária em dois graus centígrados – o que terá profundas implicações na negociação do acordo que irá substituir o Protocolo de Quioto, que expira em 2012; iii) reforço da ajuda aos países mais pobres, para o combate à fome e garantir a segurança alimentar; iv) esforço conjunto para garantir o acesso à água e à higiene nos países africanos; v) combate ao narcotráfico e à pirataria em África; vi) desenvolvimento dos sistemas de saúde no nosso continente; etc.

11. Não se chegou, porém, a acordo em matérias como: i) definição de uma estratégia global para a saída da crise económica, dadas as posições discordantes entre o modelo americano (adepto da continuação da injecção de fundos públicos para reanimar a economia), e o modelo defendido pela chanceler alemã, Angela Merckel, mais propensa para a defesa de um maior rigor orçamental; ii) posição sobre o Irão, dadas as reticências da Rússia; iii) participação das economias emergentes na redução das emissões de dióxido de carbono; etc.

12. Mesmo em fim de ciclo, é caso para se dizer que valeu a pena a cúpula de L’Aquila, pois fez nascer o G14, a partir de
2011.

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