quinta-feira, 27 de agosto de 2009

África à Margem da Globalização

Tal como a geopolítica, a globalização tornou-se o novo sistema mundial; nenhum poder a controla e só pode ser impedida se tudo o resto for impedido (Parag Khanna (2009)”.

No início do processo de globalização o império Americano, com o colapso da União Soviética, procurou afirmar-se como o único centro de poder dominante a nível mundial, mas a dispersão do poder nuclear por várias nações submeteu o seu poder militar ao poder económico e a globalização perdeu o “rumo” da americanização do mundo. A “guerra global contra o terrorismo” mostra bem que o interesse americano não é o interesse de muitas nações e povos.

A União Europeia prossegue a sua afirmação expandindo, com base no consenso, o seu império com a entrada de novos países membros. Possui legislação supranacional, é o maior mercado do mundo, tem poder económico e é tecnologicamente avançada.

A China, país mais populoso do mundo, estende a sua influência subjugando os países vizinhos através da expansão demográfica e da integração económica, ao mesmo tempo que procura uma parceria económica com a América e se mostra hesitante numa parceria estratégica no domínio militar com a Rússia.

Num quadro geopolítico versus globalização a União Europeia, a China e a América disputam o poder de império entre si, dispondo, para tal, do seu poder económico, político e militar aos países das respectivas zonas de influência e atraindo nações tidas como centros de poder regional, ou apoiando as que sejam consideradas inimigas do império concorrente.

América, UE e China, são os três impérios cujos interesses tecem a emaranhada rede da globalização, sem que nenhum deles a controle. À América falta-lhe o poder económico, à UE a união política e poder militar, e à China a democracia.

A enigmática Rússia, separada da EU pela NATO, resiste aos avanços da expansão da EU a oriente e da América, subjugando os países vizinhos, se necessário com o recurso à força, e alimentando as suas aspirações imperiais através dos instrumentos de globalização de que dispõe: recursos energéticos e a rede de gasodutos.

Não há um centro único de poder a nível mundial. O poder mundial é multipolar. É exercido de forma desproporcionada pelos três impérios (América, EU e China), pelos países do primeiro mundo – países da OCDE – e pelos países do segundo mundo – países emergentes com o Brasil Rússia, Índia e China como núcleo duro – sem que nenhum país em particular ou grupo de países tenha o controlo sobre a globalização.

É o poder dos três impérios o que lhes confere vantagens na globalização, da qual os países do segundo mundo beneficiam parcialmente.

É com base na construção de relações mais sólidas entre os países que se procura exercer a governação global. Eles reúnem-se em grupos de interesses, onde o denominador comum é a economia ou objectivos políticos, procurando desse modo fortalecer-se cada vez mais:

– O G3, formado pelos três impérios, procura partilhar entre si o controlo da globalização;

– O G5, que inclui a China, Brasil, Índia, México, África do Sul, visa a defesa dos seus interesses na globalização e representa os restantes países em desenvolvimento evitando a sua exclusão.

– O G6, formado pelos Estados Unidos da América, Japão, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, países desenvolvidos economicamente e de maior importância a nível mundial, procurou controlar a globalização.

– O G8 inclui o G6+Canadá e Rússia, procura legitimar e dar maior representatividade a América e a EU como impérios, em defesa dos seus interesses na globalização em geral e particularmente no Comércio Mundial;

– O G13, constituído pelo G8+G5, tem como objectivo o fortalecimento do G8 na luta contra as alterações climáticas, através da cooperação com os principais países emergentes.

– O G14 integra: os EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Canadá e Rússia (G8); o Brasil, México, Índia, África do Sul e Egipto (G5); e a China.

– O G20 tem como objectivo “discutir e desenvolver políticas de promoção do crescimento sustentado da economia global”. É formado por 19 países, representados pelos respectivos ministros das finanças e governadores dos bancos centrais, mais a UE. Fazem parte dos G20, os seguintes países: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Turquia, Reno Unido, EUA.

O G14 é a consagração da China como o terceiro império. O G8 não morreu, tal como o G6 e o G15, ao fazerem parte de outros grupos de nações. Eles continuam a existir nos corredores do jogo do poder mundial pelo controlo da globalização.

A África do Sul e o Egipto são apenas instrumentos da geopolítica africana dos três impérios, pelo controle do mundo. Estes países não têm demonstrado capacidade económica nem vontade política para congregar os países das respectivas áreas de influência, criando espaços económicos e uniões políticas comuns, de forma a promover o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, a África do Sul está a perder a sua capacidade tecnológica e não consegue impor-se como a locomotiva económica dos países da sua região. O Egipto nem figura no G20.

Os países do terceiro mundo, sendo alguns deles (a)narco-estados –Afeganistão, Colômbia, Bolívia, Guiné-Bissau, Guiné Conakry, Serra Leoa, Somália, Venezuela, Zimbabwe, etc. – não têm lugar na geografia do poder a nível mundial.

Os países do terceiro mundo não participam da globalização, não por dela se omitirem nem por serem marginalizados, mas tão-somente porque nada têm a oferecer, tendo mesmo muitos deles dificuldades em alimentarem-se sem a ajuda dos países mais industrializados do mundo. Na última cimeira do G8 em L'Aquila, Itália, foram destinados 20 mil milhões de dólares americanos em ajuda alimentar para a África.

Em L’Aquila, Obama deixou claro que os países africanos terão de fazer mais pelo próprio futuro ao referir que quando seu pai emigrou para os Estados Unidos, a economia do Quénia era idêntica à da Coreia do Sul, mas o país chegou ao que é hoje: empobrecido e politicamente instável.

Obama disse também, cito: "Tem-se falado do legado do colonialismo e de outras políticas das nações mais ricas, mas, sem querer diminuir a História, notei que o Governo da Coreia do Sul, trabalhando com o sector privado e com a sociedade civil, foi capaz de criar um conjunto de instituições que proporcionaram transparência, responsabilização e eficiência, permitindo um extraordinário progresso económico. E não há razões para que as nações africanas não possam fazer o mesmo".

Os dirigentes de Angola, Nigéria, Argélia e Senegal, talvez tenham sido convidados a participar na cimeira de L’Aquila apenas para receberem o recado.

A Itália embora tenha convidado Angola a assistir a cimeira não participou da ajuda alimentar concedida a África, deixando claro que alguns dos países do terceiro mundo representam apenas um espaço mercantilista, graças a dotação dos seus recursos energéticos e minerais.

Benefícios da globalização, nomeadamente nos países africanos, nicles! África continua a ser “um corpo inerte onde cada um vem debicar o seu bocado”.

José Dias Amaral (Economista)

Entrevista para o semanário Expansão

Os países em desenvolvimento não sentiram directamente a crise em virtude de terem um sistema financeiro rudimentar mas viram as ajudas e as exportações serem reduzidas bruscamente. Acredita que esta crise será mais um obstáculo ao desenvolvimento económico ou uma oportunidade para países como Angola que faz depender do barril de crude mais de 95% das suas exportações?

De facto os sistemas financeiros dos países em desenvolvimento não sofreram directamente com a crise do “subprime”, uma vez estarem pouco expostos ao sistema financeiro internacional! No entanto, Angola sofreu um impacto indirecto que gerou a fuga de capitais, volatilidade na taxa de câmbio, restrições do crédito externo à economia, etc., contribuindo para que o Estado deixasse de honrar os seus compromissos e serviços prestados à economia privada, o que se reflectiu na economia real. Parece-me não haver dúvidas de que a actual crise criou condicionalismos à economia angolana, cujos reflexos se fazem sentir no agravamento das condições de existência (por tão precárias) das populações, mas, também, criou uma nova era de oportunidades: por exemplo, a nível político-institucional, o facto da crise permitir que hoje se fale da forma desastrosa como foram utilizados os dinheiros públicos, pode constituir uma oportunidade a dar à oposição política e à sociedade civil (permitindo a sua criação e desenvolvimento) para elaborar críticas positivas e desempenhar uma acção fiscalizadora sobre a acção do Estado.

Quais são os grandes desafios que Angola enfrenta actualmente que considera fulcrais para o País apresentar taxas de crescimento sustentáveis nos próximos 5 a 10 anos?

Um dos grandes desafios que Angola tem que enfrentar é o da humanização da sua economia. A economia é uma ciência social e Angola terá que definir políticas que permitam de facto um “trade-off” entre o capital natural e o capital humano.

Significa que o crescimento económico deve ser realizado com vista a promover também o desenvolvimento económico?

O crescimento só é bem-vindo se traduzir uma componente do desenvolvimento. Que importa o crescimento económico de um país, quando nele, em pleno século XXI ainda se morre de raiva, cólera, paludismo e até mesmo de fome?

Uma taxa de crescimento sustentável significa não só um PIB per capita não decrescente, como também um PNB per capita não decrescente, pois, este indicador, tem em conta a componente dos rendimentos da balança de pagamentos.

Angola tem apresentado taxas de crescimento positivas com base no PIB. Porém, tais taxas embora se situem ao nível dos dois dígitos, não alimentam o meu ego, como também não o faz o anúncio do crescimento do PIB em 6% para o ano de 2009.

O caminho da diversificação anunciado com pompa e circunstância pelo Governo é o caminho certo?

Não há dúvida que a economia angolana sofre de problemas estruturais graves. É importante que se proceda a diversificação da sua economia. Mas é igualmente importante que o Governo dê uma oportunidade real às populações para que possam participar dessa diversificação inserindo-as no sistema produtivo, principalmente no que tange à agricultura. É preciso dar uma resposta urgente as comunidades rurais (é inadmissível que se viva hoje pior no meio rural do que se vivia na Angola colonizada). É urgente o desenvolvimento de uma classe média empreendedora a longo prazo, para garantia de um desenvolvimento sustentável.

Desde 2002 que a inflação tem vindo a cair a pique. Porém, tem revelado alguma resistência na barreira dos 13%. Acredita que nos próximos anos teremos uma inflação abaixo desse valor?

Um dos instrumentos principais de combate a inflação tem sido a aplicação de reservas externas para garantir a estabilidade cambial. Embora seja um instrumento importante, ele é insuficiente sem o aumento da produção interna para substituir as importações (inflação importada) e da produtividade, sem a resolução dos constrangimentos logísticos que permitam a exportação, da falta de energia, dos custos de transportação, etc.

Sou muito céptico quanto aos valores das taxas de inflação tornadas públicas. Não acredito nelas nem um pouquinho! Elas não traduzem a realidade do comportamento dos preços no consumidor a nível nacional, quer por observar apenas as alterações dos preços dos produtos na cidade de Luanda, quer por não serem representativos das preferências dos consumidores ao optarem por consumo de produtos complementares, como forma de contornarem os preços. Quer um palpite? A taxa de inflação actual poderá situar-se, provavelmente, entre os 25% a 30%, se forem tidos em conta os custos de sobre facturação, constrangimentos logísticos, depreciação do kwanza face ao dólar, etc.

Há uma grande discussão em redor das políticas que o Banco Nacional de Angola tem seguido para estabilizar a moeda nacional. A 16 de Abril, o BNA decidiu aumentar a taxa de reservas obrigatórias em kwanzas de 20% para 30%, com o pretexto de travar a especulação cambial e para limitar a quantidade de dólares vendida aos bancos. Qual é a sua opinião acerca destas medidas?

O aumento das taxas das reservas legais obrigatórias sobre os depósitos em kwanzas de 20% para 30% não foi para travar a especulação cambial (o que não faz sentido) mas sim para travar a procura de dólares através da restrição do crédito em kwanzas.

Esta medida ao visar uma menor compra de dólares pelos agentes económicos, diminui o crédito a economia, o que implica um aumento da taxa de juro; assistindo-se, de igual modo, a uma restrição das importações, o que pode, por sua vez, implicar o aumento dos preços (gerando inflação), se não houver o acompanhamento da produção interna.

Por outro lado, gera o mercado informal de divisas e eventualmente a possibilidade de introdução de moeda falsa no mercado. Como se pode depreender, tentar impedir a procura de dólares poderá causar efeitos adversos que conduzam a uma retracção da economia.

Contudo, é mais fácil julgar do que encontrar soluções que satisfaçam as necessidades da economia no longo prazo. Penso que deixar deslizar o kwanza, ao tornar a taxa de câmbio flexível, não foi uma má medida de política, considerando-a mesmo boa ao invés de o desvalorizar, o que poderia provocar desvalorizações sucessivas do kwanza e com isso minar por completo a confiança dos investidores.

É preciso pensar seriamente numa reforma estrutural, político-institucional (judicial) e económica que insufla maior confiança aos investidores!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

OUTRA PUNHALADA NOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS

1. O Cáucaso russo está novamente manchado com sangue inocente, após o assassínio do casal de activistas da ONG “Salvemos a Geração”, que se dedicava à ajuda médica e psicológica a crianças vítimas da guerra na Chechénia. O crime aconteceu a 8 deste mês de Agosto e a notícia correu o mundo, trazendo-me imediatamente à memória outro crime, o de que foi vítima, no mês passado, a activista russa de direitos humanos, Natália Estemirova. Na ocasião, pude manifestar a minha tristeza e incontida indignação, recordando ainda Anna Politovskaia, jornalista e activista, assassinada a 7 de Outubro de 2006, em Moscovo. Quer uma, quer a outra, pertenceram à associação de defesa dos direitos humanos, “Memorial”.

2. Hoje, cá estou eu de novo, neste espaço de opinião, a dizer que os defensores dos direitos humanos deveriam merecer muito mais respeito e consideração, pois eles apenas procuram dar um sentido mais humano à vida dos cidadãos mais desprotegidos. Os defensores dos direitos humanos colocam-se ao lado daqueles que menos apoio recebem da sociedade, fazendo valer alguns direitos sem os quais a vida poderia, por vezes, tornar-se num verdadeiro calvário.

3. Os defensores dos direitos humanos são homens e mulheres abnegados. Eles privam-se voluntariamente de algum do seu bem-estar e de certas comodidades para se dedicaram aos outros, aos mais carentes, aos mais fragilizados. Nós que também vivemos uma longa e muito dolorosa guerra, temos memória do quanto foram úteis estes homens e mulheres, por vezes os únicos a conseguirem chegar junto dos que sofrem, dos desamparados, vítimas das várias fúrias dos homens e mulheres ensandecidos.

4. Agora coube a vez a Zarema Sadulaieva e seu marido Umar Dzhabrailov. Os seus nomes acabam de engrossar a já muito longa lista de vítimas da intolerância social e política que devora as entranhas do Cáucaso russo e, mais concretamente, da Chechénia. Colocou-se, pois, ponto final a duas preciosas vidas que só queriam o bem para as crianças. Estou convencido que estes crimes ficarão impunes, pois parece que os criminosos possuem cobertura institucional, ou então, estão resguardados nas costas de gente muito próxima dos poderes.

5. Suspeita-se que por detrás desta verdadeira onda de assassinatos estará a mão invisível do próprio Presidente da Chechénia, Ramzan Kadyrov, uma suspeita com algum fundamento. Vejamos o que disse Ramzan Kadyrov, no Sábado dia 9, numa rádio, ao referir-se ao assassinado de Zarema Sadulaieva: “Tratava-se de uma mulher sem honra, sem mérito, sem consciência. Por que haveria eu de mandar matar uma mulher de que ninguém precisa?”.

6. Esta frase arrepia até os mais couraçados. Sobretudo, porque ela foi pronunciada por quem tem as mais elevadas responsabilidades de Estado. Ela expressa uma incontida intolerância e um profundo desrespeito pelos cidadãos. Com tal calibre, Kadyrov só pode sobreviver politicamente numa máscara de democracia, lá onde o chefe é a própria lei e a sua vontade não encontra limites. Numa verdadeira democracia, Kadyrov seria compulsivamente desapossado do poder, caso não se demitisse voluntariamente.

7. No início do mês de Julho, o Ministro português da Economia, Manuel Pinho, demitiu-se do cargo, poucas horas após ter protagonizado uma cena caricata dentro do Parlamento, ao executar um gesto deselegante para a um deputado da oposição. Poucos instantes depois, apresentou o seu pedido de demissão, que foi prontamente aceite pelo Primeiro-Ministro José Sócrates. O Primeiro-Ministro português veio ainda a público repudiar o acto praticado pelo seu Ministro, como sendo incompatível com a cultura democrática que exige respeito pelo outro. Da forma como agiram, os dois mostraram respeito pelas instituições democráticas, muito em especial, pelo Parlamento, a expressão maior dessas instituições.

8. Na Chechénia, o Presidente da República deu-se ao luxo de destratar publicamente uma mulher acabada de ser assassinada, juntamente com o seu marido – quando se dedicavam a apoiar crianças desvalidas. E nada lhe aconteceu. Prossegue de risco ao lado…

9. Eu temo que estejamos também a trilhar os caminhos que nos podem conduzir à insensibilidade total, desrespeitando a vida e o sofrimento dos mais pobres. Vê-se pelo modo como eles são desalojados, desapossados e humilhados, em nome de uma modernização que, não poucas vezes, disfarça nos seus meandros, ambições e os interesses egoístas de uns poucos privilegiados. Juntamente com os seus sócios empoderados, os nossos privilegiados já dão mostras de estar profundamente incomodados com os nossos defensores dos direitos humanos – como se estes fossem meros agentes perturbadores da ordem pública.

10. Estamos a travar uma batalha desigual. Eles são o Golias… E estão reforçados pelos poderes instituídos. É quase uma espécie de pré-história moderna, ou a Idade Média trazida para os nossos tempos!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A PALANCA DO PEDRO VAZ PINTO

1. Foi muito estimulante saber que, finalmente, terminou a incerteza quanto à sobrevivência, ou não, da Palanca Negra Gigante, o antílope de que temos o privilégio de ser os únicos detentores a nível mundial. Ela só existe no Parque Nacional de Cangandala, Província de Malange, e na Reserva Integral do Luando, Província do Bié.

2. A prova de que aquele majestoso antílope não desapareceu definitivamente é agora a anunciada captura de três exemplares. Com o envio desses exemplares para um santuário no Parque de Cangandala, colocados em condições de se reproduzirem, renasceu a esperança de um dia qualquer pudermos ainda ver manadas desses animais a passearem-se nesses Parques, desfrutando de paz e de condições de vida que lhes são adequadas. Na operação de recuperação, participaram especialistas em vida selvagem provenientes do Botswana e da África do Sul.

3. A iniciativa da busca e preservação da Palanca Negra Gigante deveu-se ao Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, de que é justo destacar o envolvimento do Engenheiro Pedro Vaz Pinto, coordenador do Projecto, desde o seu início no ano 2003.

4. Para nós, angolanos, a Palanca Negra Gigante funciona como um verdadeiro símbolo. Pela sua singularidade, ela é uma imagem de marca, um orgulho, um factor de identidade nacional. A Palanca Negra Gigante não terá propriamente a dignidade oficial dos símbolos nacionais constitucionalmente consagrados, como a bandeira ou o hino nacional, mas ela ganhou um espaço tão grande nos nossos afectos, que identifica a nossa selecção nacional de futebol, e tem também a sua imagem exibida no exterior da nossa companhia aérea nacional, a TAAG.

5. Desde os tempos pré-históricos, os animais foram sempre muito importantes para os homens, vendo-se o modo como eles são retratados nas obras de arte. Por vezes, determinados animais constituíram mesmo, para alguns povos, objectos de adoração religiosa. Não é, pois, por acaso que muitos dos achados arqueológicos encontrados em diversas partes do mundo ostentam figuras humanas com cabeças de animais. Foi no Egipto Antigo, foi na China, na Índia, em outras paragens. Os seus deuses tinham corpo humano encimados com cabeças de animais que simbolizavam a força e o poder. Eram venerados nessas grandes civilizações que deixaram marcas indeléveis.

6. Os tempos já são outros, mas não tenho dúvida alguma de que a nossa afeição pela Palanca Negra Gigante é tão manifesta que a notícia da sua reaparição causou-me a comoção própria de um sentimento de reencontro com algo que nos identifica.

7. Compete agora às entidades oficiais desencadear as acções que garantam àqueles que estão envolvidos na tarefa de restauro da espécie as melhores condições para puderem levar a cabo o repovoamento e preservação de um bem que nos é comum, em nome defesa da biodiversidade e da singularidade do nosso país.

8. Enche-me de orgulho o facto de o Projecto de Conservação da Palanca Negra Gigante ter sido desencadeado por uma estrutura da Universidade Católica de Angola, uma instituição a que estou ligado desde o seu início. Julgo que nesta altura em que comemoramos os 10 primeiros anos da nossa existência enquanto instituição de ensino e investigação, sermos agraciados com o seu ressurgimento, captura e protecção é, talvez, o melhor prémio para todos quantos se envolveram na causa da UCAN. Ficou, pois, provado que o papel das Universidades não se deve circunscrever apenas à sua função docente. A interacção com a sociedade é também uma das suas missões.

9. Eu penso que o êxito da missão a que se dedicou o Engenheiro Pedro Vaz Pinto deveria merecer um reconhecimento público e, quiçá, institucional. Talvez mesmo a outorga de um galardão que o distinga como um dos angolanos que foi capaz de perceber o valor inestimável dessa dimensão do património nacional, consubstanciado numa espécie animal de que somos os únicos detentores.

Quando é por demais evidente um manifesto desrespeito pelo nosso património arquitectónico, quando se derrubam edificações que simbolizaram épocas e que eram retratos vivos de pedaços da nossa história colectiva, recuperar para a vida a Palanca Negra Gigante é um serviço grandioso que se presta ao nosso país. Está, pois, de parabéns a Universidade Católica de Angola através do seu Centro de Estudos e Investigação Científica. Estão também de parabéns todas as entidades nacionais e estrangeiros que tornaram este sonho possível. Está especialmente de parabéns o Engenheiro Pedro Vaz Pinto – ele, afinal, o rosto visível desta enorme epopeia.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A VISITA DE HILLARY CLINTON

1. A visita ao nosso país da Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, mesmo que por breves instantes, é um sinal da importância do relacionamento de Angola com os Estados Unidos da América. Neste périplo africano, Hillary Clinton escala 7 países, nomeadamente: Quénia, África do Sul, Angola, República Democrática do Congo, Nigéria, Libéria e Cabo Verde. Procuro aqui e agora discorrer sobre as razões que poderão estar por detrás dessa decisão.

2. Que motivos terá, pois, Hillary Clinton, para ter iniciado a sua viagem logo pelo Quénia:

i) Trata-se do país hóspede do oitavo Fórum de Cooperação Comercial e Económica EUA – África, o AGOA, um mecanismo definido pelos Estados Unidos para a entrada no seu território de produtos de exportação de países africanos, elegíveis em função de determinados critérios;

ii) Porque o Quénia, outrora um dos mais estáveis países de África, tem uma enorme importância estratégica na África Oriental e Central, pois confina com a Etiópia, Uganda, Tanzânia, Sudão e Somália.

iii) Há que ter em conta o facto de o Quénia, outrora um papel-guia na região, acolheu, por exemplo, inúmeras iniciativas diplomáticas visando dar solução a conflitos internos em países vizinhos, como o Sudão, Somália ou mesmo o Uganda; ou, por vezes, para dirimir disputas fronteiriças;

iv) É ainda nas suas proximidades que se assiste hoje a constantes incursões de piratas do mar somalis, apoquentando o tráfico marítimo, e criando embaraços ao comércio internacional;

v) Creio também que, pelo menos no domínio simbólico, dado que o Quénia é, nem mais nem menos, o país africano de origem da família paterna do actual inquilino da Casa Branca, Barack Obama.

3. A escolha da Africa do Sul poderá ter a seguinte justificação:

i) Trata-se da maior e mais diversificada economia do nosso continente, detendo no seu subsolo inúmeros produtos minerais, como ouro, diamantes, urânio, carvão, ferro, cromo, etc.

ii) Possui o maior parque industrial do nosso continente, além, claro, de ter tecnologia própria em diversos domínios;

iii) Tem uma costa marítima que é ponto de passagem obrigatória para os navios que transportam o petróleo proveniente do Médio Oriente, bem como de outras embarcações transportando mercadorias orientais para os mercados do Ocidente;

iv) Pela sua pluralidade rácica e étnica, merece uma redobrada atenção.

v) Porque a garantia de continuação da sua estabilidade política dependerá muito da possibilidade de manter um sustentado desenvolvimento económico;

vi) Por fim, porque é uma dos poucos países africanos que consegue manter certos padrões de qualidade democrática, requisito muito grato aos olhos do Ocidente.

4. A República Democrática do Congo, outro país onde a Secretária de Estado norte-americana realizará também uma paragem, poderá ter as seguintes razões:

i) Tal como a África do Sul, a República Democrática do Congo é bastante rico em minerais, como cobalto, cobre, etc. Diz-se mesmo que este país detém a maior riqueza mineral do nosso continente;

ii) A RDC tem um imenso território e confina com 8 países, quer da África Central, Ocidental, ou Austral. A sua estabilização produzirá impactos positivos sobre os seus inúmeros vizinhos.

iii) Uma eventual continuação do clima de instabilidade que a RDC hoje conhece adiará, seguramente, a paz efectiva nessas sub-regiões, retardando, por consequência, o seu desenvolvimento económico e social.

iv) Penso que os Estados Unidos quererão também dar um sinal a Kinshasa de que contam com o seu imenso potencial para equilibrar o peso crescente de Angola na sub-região central do nosso continente.

5. A visita a Angola tem fácil explicação:

i) Angola vive um bom momento de estabilidade política e militar, o que nos torna um espaço apetecível para realizar negócios;

ii) Temos um enorme potencial mineral, que se traduz já, por exemplo, na nossa condição de 1º produtor subsahariano de petróleo, daí que sejamos um bom parceiro dos Estados Unidos da América;

iii) O nosso país é politicamente muito influente, quer na África Austral, quer na África Central;

iv) Na perspectiva norte-americana, e de um ponto de vista sociológico, Angola é um país de baixo risco, dado que ainda possui uma reduzida comunidade islâmica.

6. A Libéria é a República nem mais nem menos que a república negra mais antiga de África. Ela resultou do regresso de antigos descendentes de escravos que foram transladados para a América – daí o forte laço histórico que a liga aos Estados Unidos. Os norte-americanos também deverão querer dar um sinal de apoio ao processo democrático em curso naquele país, hoje dirigido pela Doutora Ellen Johnson-Sirleaf, formada em escolas norte-americanas, onde leccionou.

7. Eis de seguida as razões que poderão estar por detrás da escolha da Nigéria como ponto de passagem neste périplo da Secretária de Estado norte-americana:

i) É um dos maiores produtores africanos de petróleo;

ii) País africano mais populoso, poderá ter um mercado económico promissor, caso consiga promover o seu crescimento económico, tenha uma melhor distribuição do rendimento e, sobretudo, consiga ampliar o consumo;

iii) Politicamente, a Nigéria é talvez o país mais influente na África Ocidental;

iv) Com uma percentagem muito elevada de população islamizada, os Estados Unidos terão interesse em manter a Nigéria na sua esfera de influência, para servir de equilíbrio nas relações com o mundo islâmico.

8. Cabo Verde tem merecido fortes aplausos da comunidade internacional, pelo modo como desenvolveu o seu processo democrático, também pelo modelo económico que aplicou, com claros reflexos positivos no standard de vida do seu povo. Julgo que a viagem de Hillary Clinton à Cabo Verde terá motivações mais políticas do que propriamente económicas. Os Estados Unidos quererão manifestar-lhe apoio e estímulo.

9. Como acabámos de ver, cada um dos 7 países tem as suas particularidades. Todavia, há sempre que ter em conta o facto de a África no seu conjunto estar a ter um peso crescente nas preocupações dos Estados Unidos da América, quer pelos recursos naturais que possui – muito particularmente o petróleo que alimenta parte da economia norte-americana – quer pelo crescente peso específico da China neste continente.

i) Em 2005, o nosso continente forneceu cerca de 18% do petróleo que os Estados Unidos importaram, tendo, inclusive, ultrapassado os fornecimentos provenientes do Médio Oriente;

ii) As importações de petróleo norte-americanas provenientes da África Subsariana têm aumentado, ao contrário das que provêm do Golfo Pérsico, área demasiado instável;

iii) Segundo se prevê, na próxima década, com o aumento das exportações africanas de petróleo para os EUA, este país dependerá em cerca de 25% do petróleo proveniente de África;

iv) O presente dinamismo da China na arena internacional, e muito particularmente em África, merece o cuidado norte-americano. Os chineses estão muito activos, por exemplo, no Sudão, onde exploram petróleo na região do Darfur, já construíram também um oleoduto para o Mar Vermelho e uma refinaria nos arredores de Cartum.

v) A China é hoje um parceiro estratégico do nosso país, no quadro da reconstrução. Tem canalizado para cá volumosos recursos, sob a forma de empréstimos, mas também imensa tecnologia. Está a crescer a participação chinesa na exploração petrolífera e na edificação de infra-estruturas.

vi) A China também investe na exploração do cobre da Zâmbia, assim como do cobalto e cobre da República Democrática do Congo, explora madeira na Libéria e no Gabão, e é um dos actuais suportes económicos e políticos do Zimbabwe, entre outras acções.

vii) Logo, os Estados Unidos não estão distraídos; antes pelo contrário.

10. Posto isto, só nos restará saber aproveitar estes manifestos interesses. Mas, sobretudo, saibamos, em especial, retirar vantagens das múltiplas contradições que emergem desses interesses cruzados.

OS CONTEXTOS POLÍTICOS DA ECONOMIA ANGOLANA E A CRISE*

Dizem os grandes mestres em economia que a actual crise económica é comparável à da década dos anos 30 do séc. XX. Não sei sé é possível compará-las, mas admitamos que sim. O que sei é que a economia ocorre, inevitavelmente num contexto político, caracterizado no caso das crises económicas por guerras. Guerras essas que têm como objectivo o controlo de recursos vitais necessários às economias desenvolvidas.

A Primeira Guerra Mundial, e a já denominada “Guerra Global Contra o Terrorismo”, foram prenunciadoras da Grande Depressão e da crise actual, à qual, na falta de uma designação mais apropriada, dada a sua abrangência, é conhecida por “Crise do Subprime”. Melhor seria que fosse designada por “crise de excesso de capitalismo”.

“A Grande Depressão esteve a um passo de destruir quer o capitalismo, quer a democracia, e conduziu mais ou menos directamente à guerra (Krugman, 2009)”. Após a Segunda Guerra Mundial o capitalismo foi alimentado por guerras localizadas. Guerras pelo controlo dos recursos naturais, instigadas pelos países capitalistas em nome de interesses vitais, sem as quais o crescimento sustentado do mundo industrializado não se teria verificado.

A não participação da ex - União Soviética nas guerras movidas, principalmente em África, deveu-se ao facto de a Rússia dispor de recursos naturais abundantes para prover as suas necessidades energéticas e de matérias-primas.

As recessões económicas, desde os anos 30 do século XX, foram breves, ocorrendo com maior intensidade após as crises energéticas de 1973 e 1979. No entanto foram necessários sessenta anos para salvar o capitalismo e a democracia da destruição que lhes foi provocada pela Grande Depressão de 1929, cuja vitória é simbolicamente marcada com a queda do muro de Berlim em 1989.

Angola torna-se independente no contexto da guerra-fria e em obediência à aliança estratégica que conduziu o MPLA ao poder, negando deste modo o curso do desenvolvimento económico do país, então caracterizado como pré-capitalista.

Angola enquanto país “socialista” teve historicamente uma trajectória idêntica à dos seus “países irmãos”: o desrespeito total pela propriedade privada, a substituição da ditadura colonial pelo “centralismo democrático” exercido por políticos emergentes, o sequestro da liberdade de pensamento, o despojo dos cidadãos dos seus bens pessoais (quem não se recorda das sucessivas trocas de moeda), etc. Estes traduzem bem os pressupostos para a imposição de limites ao desenvolvimento do capitalismo, se não do seu aniquilamento, os quais, no caso de Angola contribuíram para a imposição de uma “economia de guerra”.

Com o fracasso da experiência socialista, é redesenhada a geografia do mundo e a economia move-se, agora, num novo contexto político caracterizado pela existência de um sistema único: o capitalismo. É o triunfo do mercado. A Rússia é agora capitalista. Tem-se a convicção de que o capitalismo dará lugar a outro modo de produção, não se sabe qual, mas crê-se que não será o comunista.

O mercado é enaltecido pelas suas virtudes. Clama-se, cada vez mais, por mais mercado e por menos intervenção do estado na economia. O mercado da economia real tornou-se insuficiente para satisfação da avidez capitalista. Criam-se mercados virtuais – mercado de futuros – cujas necessidades de liquidez são cada vez mais crescentes.

Com o abandono da experiência socialista, assiste-se à auto-regulação dos mercados. Angola tem agora que adaptar a sua economia ao novo contexto político. Para sair do caos económico em que o País se encontra mergulhado é necessário o seu reconhecimento do País pelos EUA, a criação de uma burguesia nacional e o fim da guerra fratricida.

Angola, tal como a maioria das ex-repúblicas socialistas, procede à adaptação do seu sistema político e económico ao modelo capitalista, granjeando, dessa forma, o reconhecimento dos EUA. Os “comunistas” transformam-se em capitalistas, com pretensões a ascender à burguesia, ao herdarem os bens confiscados pelo regime deposto, mas falta-lhes o substrato cultural da classe: agora têm capital mas não sabem geri-lo. É no contexto político da “Guerra Global Contra o Terrorismo” que Angola beneficia do apoio dos EUA e põe fim à guerra civil.

Para consolidar a paz e a estabilidade social Angola necessita urgentemente de apoio financeiro para a sua reconstrução. Apoio esse que lhe chega da China, o que faz despertar o interesse do Ocidente no desenvolvimento económico de Angola para além da exploração petrolífera e diamantífera. Angola é agora o novo eldorado, a pepita que todos buscam. O povo, esse assiste, atónito, à passagem do comunismo para o “capitalismo selvagem”, a par da versatilidade ideológica dos novos-ricos.

A maioria das empresas angolanas, herdeiras das infra-estruturas produtivas herdadas do colonialismo, endinheiradas através do erário público mas desprovidas de know how actuam no mercado como intermediárias de interesses de empresas estrangeiras.

Em nome do desenvolvimento económico, sob a égide do capitalismo, encontram-se justificações para a prática da corrupção, a falta de transparência nas contas do Estado e a falta de reconhecimento dos direitos de propriedade (que em meu entender deveriam estar consagrados na constituição). A moral e a ética não fazem parte da cultura da “burguesia angolana emergente”, o que “legitima” a coarctação da democracia em defesa do status quo da elite reinante!

Tal como a Primeira Guerra Mundial precedeu à Grande Depressão, a “Guerra Global Contra o Terrorismo” precedeu à crise actual. Esta mostra-se, igualmente, inimiga do capitalismo e cuja terapia económica se socorre paradoxalmente dos ensinamentos de Marx, dos quais, na realidade, Angola nunca se libertou.

Não há vários capitalismos mas sim várias fases do seu desenvolvimento. Angola, após dezassete anos de “socialismo”, conhece a fase mais liberal do sistema capitalista – o capitalismo selvagem. Sem que do sistema capitalista se tenha alguma experiência estabelecem-se relações económicas com base no nepotismo e compadrio suportadas por uma economia rendeira e representada por uma elite nacional possidente, mas dominadas por multinacionais que vêem Angola como um país “com uma dotação de recursos obscena”.

A “crise do subprime”, mesmo que faça recordar Marx, não justifica a intervenção do Estado em substituição do seu papel regulador da economia, nem o uso de medidas económicas administrativas discricionárias. A crise não pode servir igualmente de motivo à coarctação da democracia nem ao sequestro de mercados por grupos económicos ligados ao poder. Sem a prática plena da democracia, a livre concorrência de mercado e a existência de uma política equitativa de rendimentos, não haverá capitalismo e consequentemente desenvolvimento económico.

No combate às crises económicas os países deverão ter em conta que as economias ocorrem em contextos políticos a nível mundial, regional e nacional. Não deverão ainda esquecer que à Primeira Guerra Mundial sucedeu a Grande Depressão e por sua vez, a esta, a Segunda Guerra Mundial. À “Guerra Global Contra o Terrorismo” sucedeu a “Crise do Subprime” e a esta o que se seguirá?

Luanda 15/06/09

*JOSÉ DIAS AMARAL (Economista)