segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A VISITA DE HILLARY CLINTON

1. A visita ao nosso país da Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, mesmo que por breves instantes, é um sinal da importância do relacionamento de Angola com os Estados Unidos da América. Neste périplo africano, Hillary Clinton escala 7 países, nomeadamente: Quénia, África do Sul, Angola, República Democrática do Congo, Nigéria, Libéria e Cabo Verde. Procuro aqui e agora discorrer sobre as razões que poderão estar por detrás dessa decisão.

2. Que motivos terá, pois, Hillary Clinton, para ter iniciado a sua viagem logo pelo Quénia:

i) Trata-se do país hóspede do oitavo Fórum de Cooperação Comercial e Económica EUA – África, o AGOA, um mecanismo definido pelos Estados Unidos para a entrada no seu território de produtos de exportação de países africanos, elegíveis em função de determinados critérios;

ii) Porque o Quénia, outrora um dos mais estáveis países de África, tem uma enorme importância estratégica na África Oriental e Central, pois confina com a Etiópia, Uganda, Tanzânia, Sudão e Somália.

iii) Há que ter em conta o facto de o Quénia, outrora um papel-guia na região, acolheu, por exemplo, inúmeras iniciativas diplomáticas visando dar solução a conflitos internos em países vizinhos, como o Sudão, Somália ou mesmo o Uganda; ou, por vezes, para dirimir disputas fronteiriças;

iv) É ainda nas suas proximidades que se assiste hoje a constantes incursões de piratas do mar somalis, apoquentando o tráfico marítimo, e criando embaraços ao comércio internacional;

v) Creio também que, pelo menos no domínio simbólico, dado que o Quénia é, nem mais nem menos, o país africano de origem da família paterna do actual inquilino da Casa Branca, Barack Obama.

3. A escolha da Africa do Sul poderá ter a seguinte justificação:

i) Trata-se da maior e mais diversificada economia do nosso continente, detendo no seu subsolo inúmeros produtos minerais, como ouro, diamantes, urânio, carvão, ferro, cromo, etc.

ii) Possui o maior parque industrial do nosso continente, além, claro, de ter tecnologia própria em diversos domínios;

iii) Tem uma costa marítima que é ponto de passagem obrigatória para os navios que transportam o petróleo proveniente do Médio Oriente, bem como de outras embarcações transportando mercadorias orientais para os mercados do Ocidente;

iv) Pela sua pluralidade rácica e étnica, merece uma redobrada atenção.

v) Porque a garantia de continuação da sua estabilidade política dependerá muito da possibilidade de manter um sustentado desenvolvimento económico;

vi) Por fim, porque é uma dos poucos países africanos que consegue manter certos padrões de qualidade democrática, requisito muito grato aos olhos do Ocidente.

4. A República Democrática do Congo, outro país onde a Secretária de Estado norte-americana realizará também uma paragem, poderá ter as seguintes razões:

i) Tal como a África do Sul, a República Democrática do Congo é bastante rico em minerais, como cobalto, cobre, etc. Diz-se mesmo que este país detém a maior riqueza mineral do nosso continente;

ii) A RDC tem um imenso território e confina com 8 países, quer da África Central, Ocidental, ou Austral. A sua estabilização produzirá impactos positivos sobre os seus inúmeros vizinhos.

iii) Uma eventual continuação do clima de instabilidade que a RDC hoje conhece adiará, seguramente, a paz efectiva nessas sub-regiões, retardando, por consequência, o seu desenvolvimento económico e social.

iv) Penso que os Estados Unidos quererão também dar um sinal a Kinshasa de que contam com o seu imenso potencial para equilibrar o peso crescente de Angola na sub-região central do nosso continente.

5. A visita a Angola tem fácil explicação:

i) Angola vive um bom momento de estabilidade política e militar, o que nos torna um espaço apetecível para realizar negócios;

ii) Temos um enorme potencial mineral, que se traduz já, por exemplo, na nossa condição de 1º produtor subsahariano de petróleo, daí que sejamos um bom parceiro dos Estados Unidos da América;

iii) O nosso país é politicamente muito influente, quer na África Austral, quer na África Central;

iv) Na perspectiva norte-americana, e de um ponto de vista sociológico, Angola é um país de baixo risco, dado que ainda possui uma reduzida comunidade islâmica.

6. A Libéria é a República nem mais nem menos que a república negra mais antiga de África. Ela resultou do regresso de antigos descendentes de escravos que foram transladados para a América – daí o forte laço histórico que a liga aos Estados Unidos. Os norte-americanos também deverão querer dar um sinal de apoio ao processo democrático em curso naquele país, hoje dirigido pela Doutora Ellen Johnson-Sirleaf, formada em escolas norte-americanas, onde leccionou.

7. Eis de seguida as razões que poderão estar por detrás da escolha da Nigéria como ponto de passagem neste périplo da Secretária de Estado norte-americana:

i) É um dos maiores produtores africanos de petróleo;

ii) País africano mais populoso, poderá ter um mercado económico promissor, caso consiga promover o seu crescimento económico, tenha uma melhor distribuição do rendimento e, sobretudo, consiga ampliar o consumo;

iii) Politicamente, a Nigéria é talvez o país mais influente na África Ocidental;

iv) Com uma percentagem muito elevada de população islamizada, os Estados Unidos terão interesse em manter a Nigéria na sua esfera de influência, para servir de equilíbrio nas relações com o mundo islâmico.

8. Cabo Verde tem merecido fortes aplausos da comunidade internacional, pelo modo como desenvolveu o seu processo democrático, também pelo modelo económico que aplicou, com claros reflexos positivos no standard de vida do seu povo. Julgo que a viagem de Hillary Clinton à Cabo Verde terá motivações mais políticas do que propriamente económicas. Os Estados Unidos quererão manifestar-lhe apoio e estímulo.

9. Como acabámos de ver, cada um dos 7 países tem as suas particularidades. Todavia, há sempre que ter em conta o facto de a África no seu conjunto estar a ter um peso crescente nas preocupações dos Estados Unidos da América, quer pelos recursos naturais que possui – muito particularmente o petróleo que alimenta parte da economia norte-americana – quer pelo crescente peso específico da China neste continente.

i) Em 2005, o nosso continente forneceu cerca de 18% do petróleo que os Estados Unidos importaram, tendo, inclusive, ultrapassado os fornecimentos provenientes do Médio Oriente;

ii) As importações de petróleo norte-americanas provenientes da África Subsariana têm aumentado, ao contrário das que provêm do Golfo Pérsico, área demasiado instável;

iii) Segundo se prevê, na próxima década, com o aumento das exportações africanas de petróleo para os EUA, este país dependerá em cerca de 25% do petróleo proveniente de África;

iv) O presente dinamismo da China na arena internacional, e muito particularmente em África, merece o cuidado norte-americano. Os chineses estão muito activos, por exemplo, no Sudão, onde exploram petróleo na região do Darfur, já construíram também um oleoduto para o Mar Vermelho e uma refinaria nos arredores de Cartum.

v) A China é hoje um parceiro estratégico do nosso país, no quadro da reconstrução. Tem canalizado para cá volumosos recursos, sob a forma de empréstimos, mas também imensa tecnologia. Está a crescer a participação chinesa na exploração petrolífera e na edificação de infra-estruturas.

vi) A China também investe na exploração do cobre da Zâmbia, assim como do cobalto e cobre da República Democrática do Congo, explora madeira na Libéria e no Gabão, e é um dos actuais suportes económicos e políticos do Zimbabwe, entre outras acções.

vii) Logo, os Estados Unidos não estão distraídos; antes pelo contrário.

10. Posto isto, só nos restará saber aproveitar estes manifestos interesses. Mas, sobretudo, saibamos, em especial, retirar vantagens das múltiplas contradições que emergem desses interesses cruzados.

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