terça-feira, 24 de novembro de 2009

POSTAL DA COREIA DO SUL (III)

1. Cá estou eu, de novo, tal como prometi, enviando-vos o último “Postal da Coreia do Sul”. Com este “Postal”, quero, afinal, compreender melhor como foi possível, em tão pouco tempo, o “salto em frente” dado pela República da Coreia. Primeiro que tudo, devo dizer-vos que este país é pobre em matérias-primas, além de que é também demasiado montanhoso.

2. Teria apenas, pela frente, duas hipóteses: ou assentar o seu desenvolvimento na exploração de um qualquer factor natural que potenciasse, por exemplo, o turismo; ou, então, optar pela criação de tecnologia, de conhecimento, da indústria do saber fazer... É aqui, pois, que reside o mérito. Os coreanos seguiram um caminho idêntico ao do Japão, ainda a 2ª economia do mundo, esse vasto arquipélago constituído por uma multidão de ilhas, muitas delas desabitadas.

3. Viajei para a cidade imperial de Gyeongju, utilizando o “TGV” local – o TGV é a sigla usada para designar “O Comboio de Alta Velocidade” e que vem do francês “ Le Train à Grande Vitesse”. Aqui chamam-lhe “KTX”, com origem na designação “Korea Train Express”. Tal como o seu equivalente europeu, este comboio chega a ultrapassar a velocidade de 300 km/hora. Na sua construção, contou com a colaboração inicial de empresas francesas, como, por exemplo, a Alstom.

4. Entrei, pois, no “TGV” coreano em Seul, e saí na cidade de Daegu. Este meio de transporte, rápido, seguro e muito cómodo ainda não chegou à cidade de Gyeongju, que era, afinal, o meu destino. Ele só atingirá Gyeongju no ano de 2010, quando estiver terminado o seu segundo troço. O “TGV” é um “luxo” que já existe na Coreia há cerca de 5 anos. Ele permite reduzir para metade o tempo do percurso entre Seul e Daegu. Reparem que a variável tempo é fundamental na equação do desenvolvimento. Daí que se diga, justamente: “Tempo é dinheiro”. Para os ingleses: “Time is money”.

5. A questão da construção, ou não, do “TGV” é matéria do debate político português... E esses políticos perdem demasiado tempo a discutir uma matéria que nem deveria ser objecto de discussão... Na pior da hipóteses, seria admissível apenas questionar sobre os “timings”, nunca sobre a sua utilidade... É evidente que se os portugueses não construírem o seu “TGV”, a fronteira económica e social ocidental da Europa colocar-se-á no ponto em que Portugal roça a Espanha…Como toda a Europa praticamente já aderiu ao “TGV”, eu penso, pois, que os portugueses ainda discutem o sexo dos anjos… Mas, vamos prosseguir.

6. No percurso para Daegu, a minha cicerone e intérprete mostrou-me a cidade onde vive a sua mãe. A cidade chama-se Daejeon, e intérprete disse-me: “A cidade tem como actividade principal a investigação de alta tecnologia. É uma espécie de NASA”. Vou ajudar-vos a entender a mensagem: A NASA é a Agência Espacial Norte-Americana, aquela que lança os satélites para o espaço.

7. Cheguei, então, a Daegu. Trata-se de uma cidade metropolitana com uma grande concentração académica. É a capital da província de Gyeongsang Norte - apesar de não fazer parte dessa província. Esse é um dado original: a capital da província não faz parte da província. Quarta maior cidade do país, possui à volta de 2,5 milhões de habitantes. Albergou parte dos jogos da Copa do Mundo de 2002.

8. Daegu possui uma das universidades públicas mais importantes do país, com cerca de 32.000 estudantes, dos quais 1.267 são estrangeiros. São estudantes vindos de muitas partes da Ásia, mas, em especial, da China e do Japão. Ela acolhe também estudantes provenientes da Europa e de outras paragens.

9. A cidade de Daegu orgulha-se de ter uma das escolas tecnológicas mais avançadas do país e do mundo e um campus universitário que se confunde com uma cidade. No conjunto dos 4 campus dessa universidade, espalhados por outros locais, existem 180 edifícios, muitos deles de enormes dimensões – em Luanda, seriam, por exemplo, considerados torres... Os edifícios estão profusamente cercados por muito verde, por jardins, relva, quadras de jogos, etc. É uma cidade dentro da grande cidade.

10. Afinal, foi a educação que criou as condições para o desenvolvimento da Coreia. Foi também a razão de ser da minha visita a este país moderno, mas velho com mais de 5.000 anos de história. Ele reconstruiu-se em pouco mais de 30 anos. Por isso, é justamente considerado como um dos “Tigres Asiáticos”. Digo-vos: os coreanos apostaram na educação, mantendo a cortesia – e, de modo algum, se consideram especiais… É bom que saibamos isso!

11. A Coreia do Sul é hoje o país com o melhor ensino de base do mundo. Os investimentos que fez na educação são o principal responsável pelo seu crescimento económico.

12. A chamada “Guerra da Coreia” havia deixado atrás de si um milhão de mortos e uma miséria generalizada. 1 em cada 3 sul-coreanos era analfabeto. Hoje, algumas décadas depois, 8 em cada 10 sul-coreanos chegam à Universidade. De tal modo que as Secretárias têm que possuir uma Licenciatura em Secretariado, e aos Professores Primários exige-se um Mestrado em Pedagogia.

13. A Coreia do Sul possui cerca de 4 milhões de estudantes a frequentar o ensino superior, e perto de 200 mil a realizar Mestrados e Doutoramentos. Muitos desses Mestrandos e Doutorandos estão em Universidades americanas, britânicas e japonesas.

14. A opção pela educação é clara e inequívoca. O ensino de base é todo gratuito. O ensino superior não é - mas o Estado subsidia os melhores estudantes, dá bolsas a quem tem bom aproveitamento. Premeia-se o mérito – não se põe todos em pé de igualdade. A lógica sul-coreana foi: universalizar o ensino, permitir a igualdade de oportunidades, apostar na qualidade.

15. As autoridades acham que a melhor forma de participar na globalização é promover uma educação de qualidade, para tornar os seus cidadãos competitivos à nível mundial. Para isso, decidiram introduzir o ensino do inglês desde o nível primário. Assim, o inglês transformar-se-á também uma língua nacional e os coreanos poderão facilmente ingressar em qualquer das melhores escolas do mundo.

16. Pensemos seriamente nisso. Não tenhamos receio de colocar esta questão em discussão. Senão, o nosso lugar no ranking mundial será o pelotão retardatário, ou mesmo a cauda. E o desenvolvimento passará por nós de risco ao lado..., assobiando para o ar...

17. Para além das imensas e enormes torres, Seul possui muitos museus temáticos e palácios para visitar. Aqui, respira-se história e cultura. É uma pena já vos ter cansado com três “Postais”, senão, um dia destes ainda falaríamos da história e da cultura. Sobretudo, da cultura que é um factor de desenvolvimento.

18. Eles possuem uma multidão de cientistas, na sua maioria ligados às áreas tecnológicas, que vão desde a computação à genética. A Matemática é a base do desenvolvimento tecnológico. Nós, em Angola, temos que criar a cultura da Matemática. É isso que tornou a Coreia ou o Japão players de alta competitividade mundial. Boa educação, muitos recursos investidos na investigação, quer na investigação pura, quer na aplicada. Resultado: Hoje, a Coreia possui cerca de 3 mil produtos patenteados mundialmente. É um agente da globalização e não uma “vítima” da globalização... Não se queixa, orgulha-se.

19. Não é possível entrar no mundo desenvolvido sem ter tecnologia própria. Inicialmente, o país pode começar por comprar tecnologia, mas, depois, ele tem de passar à fase da elaboração de tecnologia própria. Não fazer isso, é laborar num tremendo erro. É criar múltiplos equívocos.

20. A reforma na educação, permitiu que, durante os últimos 30 anos, a economia do país tivesse crescido a uma média de 9% ao ano. Há 30 anos atrás, o PIB per capita da Coreia do Sul era de 80 usd; hoje está nos 20.000 usd. Não é petróleo, nem qualquer outro recurso natural, é labor, é trabalho, dentro de uma estratégia correcta.

21. Há mesmo quem tenha feito a seguinte comparação interessante: Há 40 anos atrás, a Coreia do tinha o mesmo PIB per capita que o Brasil. Hoje, o seu PIB per capita é o dobro do Brasil. Com apenas 40 milhões de habitantes, a Coreia do Sul exporta o dobro das exportações do Brasil, e exporta, sobretudo, produtos de alta densidade tecnológica.

22. Vale a pena estudar este país, analisar o seu processo de desenvolvimento. Vale a pena tê-lo como referência. Ele é hoje uma montra do mundo.

23. Tenho razão quando, por vezes, digo que o século XXI será asiático, pelo menos no que diz respeito à Ásia do Nordeste. Se quisermos que, pelo menos uma parte deste século XXI também seja africano, há que lançar desde já as sementes. As sementes são os homens, são os jovens, é a qualidade da educação. Esse é, sim, um investimento virtuoso!

1 comentário:

  1. Como sempre acabo por me perder nos seu textos que embora pouco poéticos são esclarecedores para uma leiga em termos políticos e económicos. Tive a pesquisar e realmente a Coreia do Sul demonstra acima de tudo ser um país de soluções criativas quebrando as barreiras dos impossíveis. O que mais me atraíu e talvez por ser arquitecta paisagista foi o facto de a Coreia do Sul apresentar um Plano Verde Ecológico como medida primordial no combate à crise mundial. E perante este paradoxo me rendi à capacidade irreverente dos sul-coreanos que fugindo à corrente economicista reinventam um novo modelo de desenvolvimento onde o Verde deixa de ser um gasto para ser a CURA PARA A CRISE. Perante tal façanha só posso esperar que em Angola se apresente o Plano de Valorização Agro-Paisagística como futuro sustentável para o nosso país; mas acima de tudo que não seja mais um plano mas O PLANO VIP da nomenklatura!

    Por outro lado, e só como parêntesis, acho realmente que o futuro está intrinsicamente ligado aos mais-velhos e ao tratamento que dão aos jovens que 'ganham' tempo a ouvir e a lê-los.

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