terça-feira, 29 de dezembro de 2009

NÃO SOMOS NADA ESPECIAIS

1. Decorreu mais um ano do calendário, e este é o período dos balanços. Far-se-ão balanços para todos os gostos, e a todos os níveis. É o típico remexer no fundo do baú – um exercício que não é nada fácil, e que vem muitas vezes carregado de algum subjectivismo.

2. Para início de conversa, é preciso dizer que, em 2008, o nosso país era já a 7ª economia africana, a 2ª da SADC (Comunidade dos Países da África Austral), a 1ª da CEEAC (Comunidade Económica dos Estados da África Central). Em termos africanos, somos, pois, já um país a ter em conta. Tomando como referência apenas a nossa inserção nessas duas sub-regiões, fica mais fácil reconhecer o nosso peso específico.

3. Mas, não podemos perder de vista o seguinte: a nossa relevância económica no continente africano, e nas duas sub-regiões, não se traduziu ainda num grande fluxo de comércio no seu interior, já porque temos relações comerciais privilegiadas com países de outros continentes, o americano, o europeu, o asiático, com excepção para algumas trocas comerciais que realizamos com a África do Sul. Tudo o resto é paisagem. Infelizmente, esse é o modelo da maioria dos países africanos: não trocam quase nada entre si.

4. Como somos muito dependentes da produção mineral, fomos mais uma das vítimas da crise económica que se instalou no mundo, crise essa que se acentuou em meados do ano de 2008. As nossas autoridades tardaram em reconhecer a nossa vulnerabilidade, e talvez isso tenha atrasado a tomada de medidas para reduzir os seus danos.

5. Ainda em 2009, e durante algum tempo, ouviram-se entre nós discursos demasiado optimistas, muitas vezes, roçando mesmo a sobranceria e a arrogância, que é o fruto da cultura que se instalou entre nós. Quiseram fazer-nos crer que éramos “especiais”, que os males que atacam os outros nos deixavam imunes, passavam ao nosso lado… Depois, sobreveio o susto. Começámos a tomar consciência da necessidade de diversificarmos a nossa economia. Mas, creio que ainda estamos no campo das intenções.

6. Activar (ou reactivar) determinados sectores económicos é uma tarefa quase hercúlea. Na maioria dos casos, exige a mobilização de volumosos investimentos. Para que eles se realizem, há que ter disponíveis recursos de todo o tipo: materiais, financeiros e humanos. Não basta ter vontade. Alguns desses quesitos escapam ao nosso controlo, são mais de âmbito internacional.

7. Para o ano que agora acaba, fizeram-se múltiplas previsões. Algumas instituições internacionais disseram que Angola conheceria uma profunda recessão económica, com o nosso PIB a experimentar taxas de crescimento negativas. Também houve quem tivesse apontado para um crescimento nulo. Mas, o nosso governo resistiu como pôde a esse pessimismo que vinha de fora. Assim, da boca do Ministro da Economia, ouviram-se previsões positivas, se bem que muito distantes dos valores atingidos nos últimos 6 anos. A previsão mais optimista que se lhe ouviu foi a de que cresceríamos a uma taxa nunca inferior à do nosso crescimento demográfico.

8. Uma instituição científica nacional foi ainda mais arrojada, avançando com uma perspectiva de crescimento na ordem dos 6%. Por fim, e já na recta final do ano, veio de novo à liça o Ministro da Economia, mas com discurso oficial mais moderado. Para o Ministro Manuel Nunes Júnior, em 2009, teremos um crescimento de somente 1,3%, percentagem que fica claramente abaixo do crescimento demográfico. Quer então dizer que, em termos per capita, piorámos.

9. O remate final foi dado pelo Presidente da República, aquando do 6º Congresso do MPLA. Nesse conclave, o PR afirmou que mais de 60% dos angolanos vivem abaixo do limiar da pobreza, uma pobreza que, seguramente, se acentuou com o mau desempenho económico do ano que está a findar. O Presidente da República falou também, entre outras questões, das degradantes condições sanitárias, dos elevados níveis de analfabetismo, da baixa escolaridade geral da nossa população. Se mantivermos este perfil, não iremos lá, não chegaremos ao desenvolvimento. Pelo menos, nos próximos tempos.

10. Os relatórios internacionais, e também alguns estudos realizados internamente, vêm demonstrando a enorme distância que existe entre a riqueza dos mais ricos e a pobreza dos mais pobres. Este “gap”, denominado na linguagem económica de “Índice de Gini”, não deixa dúvidas: somos um país que cresce cada vez mais de um modo assimétrico, um país onde a riqueza e o rendimento estão a ser muito mal distribuídos entre a população.

11. Eu penso que essa má distribuição decorre da lógica com que funciona o governo, e que se inspira na ideia do partido político que o suporta. Isto é, a prioridade é fazer ricos e não para combater a pobreza, uma prática económica que tem respaldo no duvidoso desígnio político de assim se garantir melhor a defesa do interesse nacional.

12. Ainda tenho dúvidas sobre a validade absoluta da premissa de que os ricos são o garante da soberania nacional. Para mim, continua válida a asserção de que o capital não tem pátria, de que ele se instala ali onde ele é mais lucrativo. Torna-se, assim, fácil compreender o porquê de tão volumosos investimentos de americanos, por exemplo, na China ou no Japão, ou o fluxo de capitais russos para a Europa. Isso também ajuda-nos a melhor perceber o que está por detrás das crescentes parcerias entre os nossos neo-capitalistas e o capital estrangeiro, a todos os níveis.

13. O interesse nacional está, sim, mais protegido quando temos um maior nível de satisfação geral; quando há maior equilíbrio entre as regiões; quando possuímos uma classe média de base larga; quando a elite pensante é dinâmica e crescentemente autónoma; quando o país possui estruturas governativas sólidas e democraticamente organizadas. É todo esse conjunto de circunstâncias que gera elites económicas patrióticas. Elas criam-se nessa prática e nessa cultura.

14. Não posso deixar de assinalar o facto de, finalmente, o nosso governo ter chegado a um entendimento com o Fundo Monetário Internacional. Um entendimento que estabeleceu a cedência de um empréstimo de usd 1.4 mil milhões, com vista a equilibrar a nossa fragilizada Balança de Pagamentos.

15. Logo de seguida, e talvez movidos por um falso pudor, alguns governantes saíram à rua para dizer que o nosso governo não tinha feito concessões ao FMI. Veio depois a constatar-se que pelo menos algumas das exigências do FMI tinham sido contempladas. A prová-lo está o acordo para a colocação em Angola de dois funcionários superiores dessa proveniência, um junto do Ministério das Finanças, outro no BNA. Isso inspira a seguinte questão: Então, dá ainda para dizer que somos “especiais”? Aconselho, pois, que se dê um basta à cultura da sobranceria e da arrogância!

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