quarta-feira, 31 de março de 2010

DEPOIS DO ILUSIONISMO POLÍTICO

  1. Na última semana, aconteceram dois factos negativos que me fizeram sentir uma enorme preocupação quanto ao nosso rumo político. Por um lado, a atitude do Governador da Província da Huíla ao mandar demolir milhares de residências no Lubango, lançando para o relento (ou quase para o relento) outras tantas famílias. Por outro lado, a proibição pelo Governador da Província de Benguela de uma manifestação de protesto contra as demolições que também foram efectuadas nessa Província. Do meu ponto de vista, qualquer um desses governantes infringiu a Lei.

  1. É evidente que se viola a Lei quando se manda demolir residências, se previamente não se criaram as condições de realojamento dos cidadãos molestados. Tal atitude contraria, inclusive, o dispositivo constitucional que garante habitação a todos os cidadãos. Infringe-se também a Lei quando se impede cidadãos de se manifestarem pública e pacificamente, e desde que não haja indícios de que esses cidadãos estejam a preparar desacatos e actos de violência.

  1. Alegadamente, as demolições mandadas executar pelos dois governadores pretenderam viabilizar projectos económicos e sociais de importância para as citadas Províncias, como, por exemplo, o funcionamento do Caminho-de-Ferro de Moçâmedes.

  1. O desalojamento forçado de cidadãos é hoje, também, uma prática internacionalmente condenada. É mesmo tido como um atentado aos mais elementares direitos humanos. Além disso, o que tem estado a acontecer repetidamente em Luanda, e se vai também reproduzindo em outras Províncias, corre em sentido contrário à vontade que o MPLA manifestou, durante a campanha eleitoral de 2008. Na altura, ainda nos lembramos, a propaganda do MPLA era de que estaria a criar condições para dar habitação condigna a todos os cidadãos, em especial, àqueles que dela mais necessitam.

  1. Como estamos hoje a ver, a velocidade com que se demolem casas e se desalojam os mais pobres é infinitamente maior do que a velocidade da construção de novas habitações e, consequentemente, da acomodação dos desalojados. Daí estarmos agora com a sensação de que terá havido, afinal, algum equívoco por parte daqueles que elaboraram o manifesto eleitoral do MPLA, um manifesto que tanto entusiasmo causou entre o eleitorado, e que, em grande medida, terá determinado o seu score eleitoral. Tenho fundadas suspeitas de que, afinal, esses escribas terão apenas querido dizer que iriam, no curto período de 4 anos, demolir, sim, 1 milhão de casas, e construir somente algumas centenas, ou, na melhor das hipóteses, poucos milhares de novas habitações.

  1. As minhas suspeitas têm muito fundamento pois, quando se desagregou a promessa de construção do tal 1 milhão de casas, viu-se que o número era simplesmente ilusório, dado que o governo decidiu assumir publicamente a responsabilidade por somente alguns milhares, remetendo cerca de 85% do total para a iniciativa privada, quer para a construção pessoal e familiar, quer para a empresarial. Tudo não passou, afinal, de um mero exercício de ilusionismo político.

  1. Passemos agora à proibição da Marcha e Manifestação em Benguela. O direito à manifestação é um dos símbolos de qualquer democracia, pois emana do direito à liberdade de expressão. O uso da liberdade de expressão está consagrado no nosso Texto Constitucional, no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais. A repressão do direito de expressão é uma prática típica dos Estados autoritários.

  1. A liberdade de manifestação consiste, pois, na possibilidade de os cidadãos se agruparem na via pública, a fim de exprimirem a sua opinião, os seus sentimentos, o seu protesto, quer pela simples presença, quer pela sua voz. Numa manifestação, nada obsta a que se utilizem gestos, símbolos, emblemas, cânticos, gritos, ou outros meios de expressão, por vezes, o próprio silêncio.

  1. A democracia caracteriza-se pela existência de inúmeras vozes e várias opiniões, e o desenvolvimento da democracia depende da existência de uma sociedade civil livre e bem informada. É precisamente o manancial de informação que a sociedade civil possui que lhe permitirá participar plenamente na vida pública, criticando – se for o caso – as acções dos governantes e as suas políticas. Fazendo uso pleno do direito à livre expressão, os cidadãos conseguem controlar os actos dos governantes e o próprio exercício do poder.

  1. A Lei do Direito de Reunião e de Manifestação dispõe que a intenção de realizar uma manifestação deve ser previamente comunicada ao Governo Provincial, sob pena de ela vir a ser considerada ilegal. Não respeitado tal preceito, comete-se o crime de desobediência qualificada. Que eu saiba, os organizadores da proclamada Marcha de Protesto de Benguela cumpriram todos os requisitos legais. Deviam, pois, ser autorizados a manifestar-se, tal como tem sucedido quando se promovem manifestações de apoio ou regozijo a actos da governação.

  1. Infelizmente, a maioria dos nossos governantes não se adaptou bem aos novos tempos. Eles continuam a agir como se estivessem num regime de partido único, onde todos têm que se manifestar de acordo com as medidas tomadas pelas autoridades.

  1. Estamos, por isso, a pagar bem caro a factura por termos dirigentes com mentalidade do passado, a fazerem um exercício não adequado à sua cultura político e ao seu perfil. Estamos também a pagar bem caro a factura do voto de 2008, que foi interpretado como um cheque em branco, dando liberdade de se asfixiar a própria democracia.

  1. Mas esta dramática aprendizagem irá preparar-nos melhor para outros momentos, para outros chamamentos ao voto e à escolha. Nessa altura, já estaremos melhor preparados para distinguir o que é verdadeiro e o que é falso, sobretudo, para detectar aquilo que não passa de puro ilusionismo político.

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