quinta-feira, 29 de abril de 2010

UMA MÁSCARA…

1. Há dias, fiz-me à estrada, em direcção ao Sumbe e Benguela, por solicitação da Associação Chá de Caxinde. O objectivo foi o de proferir duas palestras, uma em cada localidade, tendo como público-alvo a comunidade académica das duas províncias, numa iniciativa denominada “Chá nas Universidades”.

2. Senti-me muito honrado pelo convite vindo de uma das mais dinâmicas e prestigiadas associações que o nosso país possui. Não posso também deixar de agradecer à Universidade Rei Katyavala pela colaboração que estabeleceu com aquela associação cultural e recreativa, criando as condições para o êxito do empreendimento.

3. Mais uma vez, a Associação Chá de Caxinde saiu do seu espaço de nascimento, demandando outras paragens do nosso país. Isso empresta-lhe uma dimensão mais abrangente, indo para além da nossa capital.

4. O tema escolhido para as minhas duas palestras adequa-se perfeitamente ao perfil da Associação Chá de Caxinde: “A Sociedade Civil em Processos de Transição Democrática”. Digo isto porque as associações de carácter recreativo e cultural podem jogar um papel de destaque na luta pela pluralidade de ideias e pela liberdade de expressão, dois dos condimentos essenciais para as transições democráticas. Daí que eu tenha aceite, sem hesitações, o convite que me foi formulado pelo Jacques dos Santos, ele que foi o inspirador, que é o principal animador, e é também o rosto mais visível dessa associação que já se tornou num dos principais emblemas do movimento associativo angolano.

5. Em Benguela e no Sumbe falei sobre as transições democráticas, começando por descrever algumas das questões ligadas à “transitologia”, uma área relativamente recente ao nível da Ciência Política.

6. Para falar de “transitologia” é preciso esmiuçar alguns conceitos teóricos ligados ao fenómeno democrático, procurando observar as questões que geralmente lhe vêm atrelados. A “transitologia” preocupa-se, muito em especial, com o estudo dos movimentos sociais e do eleitorado ali onde desmoronaram regimes ditatoriais, ou regimes autoritários. O seu principal “laboratório de estudo” tem sido alguns países da América Latina, como o Brasil, Argentina, Chile, mas, igualmente, as antigas Repúblicas Populares do Leste, incluindo a Rússia.

7. Eu penso que também já é altura de nos debruçarmos sobre esse fenómeno político e sociológico nos nossos próprios países, para lhe definirmos os contornos e para vislumbrarmos as suas debilidades.

8. Não tenho dúvidas de que ainda estamos a pagar uma velha factura. Não tenho dúvidas de que ainda somos tributários do regime de partido único sob o qual vivemos durante mais de uma década e meia. Estando, embora, no quadro de um sistema político multipartidário, seria precipitado e mesmo incorrecto dizer que somos já uma democracia. O nosso é ainda um processo de transição que poderá, ou não, desembocar numa democracia.

9. Há alguns anos atrás, eu escrevi que Angola era um caso de transição sem mudança, muito embora tenhamos, formalmente, adoptado um sistema político multipartidário. Fiz igualmente alusão a países que tiveram êxito nessa transição, ou seja, a países que são hoje democracias, mesmo que em processo evolutivo. Disse, ainda, que o bom êxito da transição dependerá da dinâmica interna das forcas políticas e sociais, mas, igualmente, da sua envolvente externa.


10. Não obstante o discurso teórico dos nossos parceiros internacionais, o facto de sermos um país rico em petróleo e em outros recursos, faz com que as forças internas relapsas à mudança democrática resistam aos aparentes condicionalismos externos. Por isso, é bem visível o modo como não se aplicam entre nós os princípios da boa-governação, transparência e respeito pelos direitos humanos.

11. Presentemente, temos uma oposição político-partidária muito fraca. Todavia, mesmo que se reconheça existirem enormes debilidades por parte da nossa sociedade civil, são, porém, as suas acções que mais têm prendido a atenção da sociedade e da comunidade internacional.

12. Como podemos, então, compreender o processo de transição angolano? Façamo-lo em termos comparativos com o que sucedeu nos países da Europa do Leste.

13. O que sucedeu, pois, nalguns desses países após a queda do Muro de Berlim, em 1989:

i) Não só ocorreram profundas transformações políticas, mas, também, transformações no campo económico.

ii) Abriu-se o espaço de intervenção a novos actores, e os antigos Partidos Comunistas ou se metamorfosearam em Partidos Socialistas, ou em Partidos Social-Democratas. Mas o que é importante reter aqui, é que eles deixaram de ser partidos únicos e até deixaram mesmo de ser partidos hegemónicos.

iii) Do ponto de vista económico, consolidaram-se as regras do mercado. Penso que a proximidade à Europa democrática contribuiu muito para essa evolução. De tal modo que alguns de entre eles são hoje parte integrante da União Europeia. Houve, assim, uma transição com mudança.

14. Com a Rússia, deu-se uma transição para o multipartidarismo, mas sem mudança. Senão, vejamos:

i) Teoricamente, abriu-se o espaço político ao sistema multipartidário. Contudo, a antiga oligarquia comunista, ou os seus representantes, procuraram repartir entre si o poder económico, enriquecendo à custa da apropriação ilícita do património público.

ii) O facto de a Rússia possuir enormes quantidades de recursos naturais permite-lhe assumir alguma autonomia económica e política no contexto internacional. A Rússia não está sujeita aos condicionalismos que geralmente as agências de financiamento internacional impõem aos países com menos recursos. O pacote constituído pela boa-governação, transparência e respeito pelos direitos humanos não faz parte do “menu” tradicionalmente servido pelos países ocidentais e pelas agências financeiras.

15. Nas minhas palestras, alguém referiu que o caso angolano está muito mais próximo do que sucedeu na Rússia, do que do modelo seguido pelos restantes países da Europa do Leste. Por isso, temos a germinar entre nós (e sem limites) oligarquias que fazem lembrar as que hoje imperam na Rússia. Eu não contestei.

16. Nós não trilhámos, também, os caminhos do Brasil, da Argentina ou do Chile. Daí a que se assista, de um modo, à permanente perseguição aos movimentos sociais que não são “correias de transmissão” do partido no poder.

17. O modelo que seguimos não nos conduzirá à criação a uma sociedade verdadeiramente democrática. Quando muito, ficaremos, sim, pela sua máscara…

terça-feira, 20 de abril de 2010

UM TRIÂNGULO VIRTUOSO DO SABER

1. A realização de um MBA tripartido entre a Universidade Católica de Angola, a Universidade Católica Portuguesa e a brasileira Pontifícia Universidade Católica de São Paulo é um momento alto na cooperação entre os três países. Sinto-me particularmente honrado por inscrever o meu nome nesta realização de carácter académico.

2. Para um melhor entendimento do que de seguida direi, proponho-me ainda explicar o significado da expressão MBA. Trata-se de um Mestrado específico em Administração de Negócios dirigido a executivos. A sua sigla provém do inglês Master in Business Adminstration. Por norma, de um MBA constam disciplinas tais como Marketing, Finanças, Contabilidade Financeira, Estratégia, Internacionalização de Negócios, etc. Não se trata, pois, de um Mestrado académico. O Mestrado clássico é geralmente tirado por quem pretende fazer carreira no ensino, tornando-se na antessala para um Curso de Doutoramento.

3. O MBA-Atlântico que agora iniciou nas instalações da UCAN tem características específicas pois que se trata de um Curso com certificação pelas três Universidades Católicas já citadas. Ele decorrerá nos três países – com os formandos a circularem por todos eles, recebendo formação ministrada por docentes das três Universidades. Esse é o seu carácter inovador, criando um elo de solidariedade entre países com uma história comum e multifacetada. Atrevo-me a afirmar que dêmos um passo para tracejar um Triângulo Virtuoso do Saber.

4. Os laços que unem Portugal, Angola e Brasil são históricos, mesmo que nem sempre tenham sido afectuosos. Com Portugal, no passado, estabeleceu-se uma relação de subordinação e permanente conflito que acabou com a separação entre as partes. Porém, a separação de Portugal e Brasil foi muito menos traumática do que a nossa, pois foram portugueses e seus descendentes que se transformaram nos protagonistas do desalinhamento entre os dois países.

5. Estamos agora a estabelecer uma relação triangular com base no saber, o que mostra a maturidade crescente dos nossos povos e, sobretudo, das nossas elites intelectuais e científicas. Aos poucos, e mais rápido do que seria pensável há alguns anos, vamos queimando etapas. Estamos a provocar uma aceleração na história.

6. Pelo menos para alguns de nós que atravessámos certas das fases de conflito entre os nossos povos, temos agora a obrigação de limpar o caminho. Compete-nos deixar para as novas gerações uma herança de harmonia e de sã cooperação. Refiro-me concretamente aos angolanos e aos portugueses, já porque brasileiros e portugueses, e angolanos e brasileiros não têm que acertar contas recentes. Se as tiveram, foi no passado, mas o tempo encarregou-se de as saldar.

7. Tive a oportunidade de proferir algumas palavras no acto de abertura do MBA-Atlântico. Comecei por lembrar o sonho que norteou os primeiros passos para a criação, de raiz, da Universidade Católica em Angola. Felizmente, esteve presente na sala um dos iniciadores do Projecto UCAN, o Bispo de Cabinda, Dom Filomeno do Nascimento Vieira Dias. Destaquei também o facto de estarmos a conseguir realizar outro dos nossos sonhos: o de, progressivamente, transformarmos a UCAN numa Universidade respeitada e de referência. Sob todos os sacrifícios, vamo-lo conseguindo. O MBA-Atlântico é mais um elemento desse nosso crescimento e engrandecimento. Trata-se de mais uma pedra colocada nos seus alicerces.

8. O Triângulo Virtuoso do Saber que agora instituímos mostra que, com o tempo, é possível ultrapassar as relações de sujeição que se estabeleceram no passado, uma relação de sujeição em que Angola foi, indubitavelmente, a grande perdedora.

9. Ficaram para a história as memórias do Comércio Triangular que ligou Angola, Portugal e Brasil. Então, traficavam-se mercadorias e pessoas; e estas iam como se fossem meras mercadorias.

10. Ajudámos, assim, a criar as condições para que o Brasil desenvolvesse a sua economia. E Portugal, a potência colonizadora de ambos, retirou a parte de leão…

11. O Brasil é também um pouco o produto de Angola. Partiram de Angola muitos dos que lhe deram substância. Portugal é, igualmente, tributário dos aportes levados por angolanos e brasileiros. Todos nós somos, afinal, um pouco o resultado dessas múltiplas transacções que a história engendrou.

12. Feito o balanço, podemos constatar que não houve apenas perdas. Contabilizam-se, também, enormes ganhos, um dos quais é, claramente, a língua comum que falamos. Cada vez mais, a língua portuguesa é o fruto de todos os nossos contributos.

13. Somos, sim, países distantes e Estados soberanos, mas temos uma história comum e uma substância que nos identifica. Devemos saber retirar o máximo proveito disso, para o benefício de todos.

14. Devemos ter coragem de substituir recalcamentos e frustrações por laços de fraternidade e cooperação. A história, com todas as suas incidências, positivas e negativas, colocou-nos numa mesma arca, onde falamos a mesma língua. É mais fácil, pois, entendermo-nos.

15. Brasil e Angola, tão distantes geograficamente, estiveram sempre muito próximos. Foi graças a essa proximidade que se desenvolveram, por exemplo, os espaços urbanos de Luanda e Benguela. Foi destas costas que partiu o grosso dos escravos angolanos levados para o Brasil.

16. As grandes plantações de cana-de-açúcar que medraram no Brasil foram-no muito à custa de mão-de-obra saída de Angola. Zumbi dos Palmares e Ganga Zumba eram descendentes de angolanos, possivelmente saídos da região dos Dembos.

17. Eram brasileiros os cerca de 1000 soldados comandados por Salvador Correia de Sá que, em 1648, reconquistaram Luanda e Benguela aos holandeses. Na realidade, eles vinham restabelecer o circuito comercial interrompido pela ocupação holandesa.

18. Os nossos laços com Portugal são por demais conhecidos e de marca recente. Ainda hoje eles geram algumas emoções de sentido contraditório. Mas os laços com o Brasil não foram apenas no domínio comercial. Estenderam-se, inclusive, ao campo político e mesmo até religioso.

19.Na minha curta intervenção na sessão solene de abertura do MBA-Atlântico, eu recordei a dependência que se estabeleceu no passado entre a Igreja de Angola e a Igreja do Brasil, fruto do predomínio brasileiro nos negócios e na política. O predomínio brasileiro era de tal ordem que provocou a revolta dos colonos portugueses e a expulsão dos governadores brasileiros.

20. Com a publicação da Carta Orgânica de 1670 restabeleceu-se a anterior ordem colonial, passando os governadores a vir de novo de Portugal. Mesmo assim, em 1677, o Bispo de Angola e Congo passou a depender directamente do Arcebispo da Baía, no Brasil.

21. O Brasil e Portugal fazem parte da nossa história. De tal modo que, quando se dá a independência do Brasil, em 1822, o Bispo filo-brasileiro proclama em Luanda uma Junta Provisória, que mereceu o apoio do clero africano que ele criara.

22. A minha geração e as gerações mais novas têm agora a responsabilidade de criar uma fila de solidariedade e de cooperação entre os nossos três povos, numa relação em que todos podemos sair a ganhar. Por isso, eu atrevo-me a dizer que o MBA-Atlântico pode, sim, constituir o primeiro elo de um Triângulo Virtuoso do Saber.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

PRECISAMOS DE RESPIRAR AR PURO

1. A Semana Santa coincidiu com a comemoração do Dia da Paz, a efeméride alusiva à assinatura formal do acordo que pôs fim à Guerra Civil Angolana. Como consequência, Luanda viu reduzida a confusão e a anarquia que a caracteriza.

2. Diminuiu a circulação automóvel no centro da cidade capital. As vias de saída de Luanda para o Norte e para o Sul encheram-se de viaturas com gente que, assim, alterava a sua rotina, buscando novas paragens e até mesmo sensações mais agradáveis do que as habituais. Eu também saí de Luanda e fui para a Província do Kwanza-Sul.

3. Infelizmente, quando me lanço na estrada, por norma, deparo-me com os resultados da condução irresponsável, ou então da sua deficiente sinalização. Ocorre, de imediato que, dentro daqueles automóveis destruídos estiveram, antes, vidas alegres, gente ansiosa que terá morrido ou, no mínimo, terá ficado estropiada. Jovens no máximo do seu vigor. Jovens na plenitude das suas expectativas.

4. Na Semana Santa, escolhi como destino uma zona ainda rural, uma vila do interior onde, mais uma vez, identifiquei algumas memórias da minha primeira infância. Dá-me sempre imenso prazer observar aquela paisagem ainda algo bucólica, com os seus imensos vales depositados por entre montanhas majestosas.

5. Nalgumas paragens onde ainda predomina o verde, e temos a agradável sensação do reencontro com a natureza. Na Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência, também havia verde e muitos espaços de lazer. O calor da Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência não sufocava tanto agora. A chuva também não matava pessoas. A chuva refrescava o ar e, depois, desaparecia. Os solos enxugavam as águas da chuva.

6. Por tudo isso, não havia esta ganância de abandonar Luanda. Tínhamos, sim, uma forte vontade de fruir Luanda, de conhecer os seus segredos. Percorríamos a cidade com prazer. Luanda, desnudando-a, absorvendo-a, possuindo-a. Luanda era a nossa namorada mais apetecida. Agora, largamo-la, logo que espreita uma boa oportunidade.

7. Cada vez mais, vamos trocando Luanda por um novo amor, por um amor recente. Também a deixamos, em busca de amores antigos, como Calulo da minha primeira infância, porque em Calulo ainda se respira alguma ruralidade. É sua paisagem, a sua biodiversidade animal e vegetal, o modo de vida, a cultura, a hospitalidade. Lá pode fazer-se algum turismo rural.

8. O turismo rural é mais uma saída feliz para quem consome o essencial da sua vida nesta grande, caótica, poluída e desgrenhada cidade de Luanda. Luanda já se tornou sufocante. Mata-nos por dentro, por vezes sem deixar marca visível. Luanda é uma espécie de “serial killer”, à espreita da próxima vítima.

9. O “serial killer” em que se transformou Luanda usa o trânsito como arma, os engarrafamentos, as ultrapassagens descontroladas. Também usa a poeira, a chuva, a poluição sonora, o lixo, as quebras permanentes de electricidade, a água que finge que corre nas torneiras quando lhe apetece, o roído dos geradores, os semáforos que avariam mais do que funcionam. Este “serial killer” socorre-se do “funil” da estrada de Catete, do caos da estrada de Cacuaco, da “cadeira eléctrica” da estrada do Rocha Pinto, da “injecção letal” da estrada da Samba. Estamos todos condenados a uma morte mais ou menos lenta. Por vezes mesmo, a uma morte rápida e violenta, porque o caos urbano estimula a criminalidade.

10. Somos, muitas vezes, surpreendidos com a visão, incrédulos, de um assalto à mão armada, nas nossas barbas, em plena luz do dia, como se os bandidos fossem a autoridade… É tudo isso que nos impele a sair de Luanda, quando espreita a primeira oportunidade. Qual a alternativa? O campo, o meio rural, o interior, o verde, a natureza ainda preservada. Felizmente, ainda temos espaços que não foram muito agredidos pelo homem.

11. O desenvolvimento do turismo rural obriga a que se cuide do património natural e cultural das regiões. Temos, por exemplo, algumas explorações agrícolas ou agro-pecuárias adequadas para desenvolver o agro-turismo e mesmo até o eco-turismo. Isso dependerá da capacidade empreendedora daqueles que possuem fazendas e queiram explorar esse ramo de actividade. Não podem é pretender transformar esses espaços em novas cidades, porque nós já estamos fartos de cidades, sobretudo, de cidades caóticas e asfixiantes. Queremos sair do caos, da bagunça, do “colete-de-forças”. Queremos escapar ao desígnio macabro do “serial killer”. Pelo menos durante alguns dias do ano, queremos respirar ar puro, oxigenar os pulmões, distender os músculos, amar a natureza.

12. Eu sei que o turismo rural já dá passos de longa caminhada em províncias como a Huíla ou o Namibe, onde se constroem, por exemplo, vários lodges. Esta é uma outra saída airosa, regeneradora da esperança.

13. Sem que nos apercebamos aqui em Luanda, a parte Sul do nosso país é crescentemente procurada por caravanas idas da Namíbia, da África do Sul, do Zimbabwe, até mesmo de Moçambique. Muitos habitantes de Luanda demandam também aquelas paragens. Temos igualmente que “descobrir” o Norte do país, assim como o Leste. Afinal, em termos de dotes da natureza, este país é privilegiado.

14. O turismo rural é relaxante e enriquecedor. Ele permite-nos somar mais conhecimentos sobre a fauna, sobre a flora e sobre o modo de vida das comunidades. Ele é também um modo de aculturação. No intercâmbio de culturas, todos os participantes podem ganhar alguma coisa. Há sempre algo para levar e algo para trazer. Ninguém é dono de tudo

15. Afinal, estamos todos os dias a morrer aceleradamente, porque Luanda deixou, há muito, de ser a nossa namorada... Ela apodera-se de nós até à exaustão e, depois, deixa-nos exangues. Deixa-nos sem vontade de respirar. Infelizmente, e digo-o com pesar: Luanda transformou-se numa máquina de tortura.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

FINALMENTE, A TAAG SAÍU DO BURACO…

1. A 4 de Julho de 2007, a nossa companhia aérea de bandeira, a TAAG, foi inserida na “lista negra” da União Europeia, juntamente com cerca de 100 outras companhias aéreas, por sugestão do seu Comité de Segurança Aérea. A decisão foi tomada por unanimidade. Foram ainda objecto da mesma medida companhias aéreas de países como a Rússia, Bulgária, Moldávia, Indonésia, Paquistão, Irão, uma “mão cheia” de antigas Repúblicas Soviéticas, e inúmeros países africanos como, por exemplo, RDC, Suazilândia, Serra Leoa, Libéria, etc. O impedimento da TAAG veio na sequência de uma denúncia das autoridades aeronáuticas francesas que constataram “sérias deficiências” nas aeronaves utilizadas pela TAAG, tendo comunicado o facto a quem de direito na União Europeia.

2. A decisão da União Europeia foi anunciada poucas horas antes de um Boeing 737 da nossa companhia aérea, partido de Luanda, ter feito uma aterragem de emergência em Mbanza Congo e depois embatido numa residência, que ficou completamente destruída. O saldo deste incidente foi de seis mortos e um número significativo de feridos. Mais ou menos, na mesma ocasião, outra aeronave angolana foi protagonista de um episódio rocambolesco, ao aterrar, por engano, num aeroporto militar da Zâmbia, quase criando um incidente diplomático entre os dois países.

3. A medida de suspensão aplicada à TAAG comoveu a nossa opinião pública, tendo também levantado uma enorme polémica, sobretudo, quando se procurou decifrar as reais causas de tão drástica decisão. Recordo-me perfeitamente de algumas das posições tomadas publicamente por certos responsáveis angolanos, ao acusarem as autoridades europeias de ciúme pelo facto de Angola estar a ampliar a sua frota aérea com a aquisição de aviões de proveniência norte-americana. Para esses responsáveis, tudo, afinal, não passava de uma cabala. Para eles, Angola cumpria, quase na íntegra, os requisitos exigidos para poder voar na Europa.

4. É evidente que tais alegações não convenceram a maioria dos nossos concidadãos, em especial os mais avisados, já porque, internamente, era mais do que clara a incapacidade da nossa companhia para cumprir eficazmente as suas obrigações. Aqueles responsáveis que, então, e em desespero de causa, apelaram à retaliação, caíram no ridículo, desacreditando-se. Recordo ainda a ingrata tarefa que coube à porta-voz da TAAG, a Dr.ª Agnela Barros, tentando negar, ou reduzir o nosso grau de responsabilidade no imbróglio.

5. Faço, porém, justiça ao modo sereno e autocrítico como técnicos há muito ligados à nossa aviação civil reagiram à proibição europeia, aconselhando à necessidade de tomarmos consciência sobre as nossas debilidades, bem como ao aproveitamento da desagradável ocasião para as superar. Fazendo-o – disseram eles – passaríamos de uma companhia aérea proscrita para a condição de uma companhia aérea respeitada e competitiva. Foram autores destes pronunciamentos apaziguadores, por exemplo, os comandantes José Luís Prata e Rui Carreira. A sua perspicácia e capacidade de autocrítica terão, seguramente, contribuído muito para a postura que veio então a ser adoptada pelas autoridades máximas do nosso país.

6. As primeiras inconformidades que vieram a público diziam respeito aos manuais das aeronaves. Depois, passou a falar-se também da qualidade técnica de algumas das nossas tripulações, assim como de certos equipamentos de bordo capazes de favorecer uma maior segurança aérea. Enfim, tudo somado mostrava que não reuníamos as condições médias de segurança para operar nas linhas aéreas europeias.

7. Os que pretenderam “tapar o sol com a peneira”, isto é, aqueles que pretenderam esconder ou minorar as nossas debilidades, chegaram ao ponto de, na altura, propor aquilo que apelidei de “a pior solução”. Para eles, deveríamos, sim, optar por voar apenas para os espaços aéreos menos exigentes, nalguns casos, para países periféricos da política e da economia mundial.

8. Vemos agora que os apologistas da “fuga em frente” estavam redondamente enganados. Os seus conselhos, a serem seguidos, remeter-nos-iam para a condição de eternos párias da aviação civil internacional, aprofundando, em consequência, a nossa condição de país subdesenvolvido. Felizmente, venceu o bom senso. Por isso, somos agora capazes de comemorar a nossa readmissão no leque das companhias aéreas respeitadas a nível mundial.

9. Para os entendidos na matéria, a segurança aérea envolve pelo menos cinco dimensões: a qualidade da aeronave, a qualidade do pessoal (pilotos, comissários de bordo, mecânicos, mas, igualmente, os despachantes), mas também as infra-estruturas aeroportuárias, a organização e gestão empresarial, bem como a navegação aérea, o que significa o controlo do tráfego aéreo, as cartas aeronáuticas, as comunicações, etc. Foram estas as dimensões que, afinal, foram sucessiva e exaustivamente escrutinadas pelos fiscais do Comité de Segurança Aérea da União Europeia. Esse repetido escrutínio terá, pela certa, criado muitos amargos de boca quer à Comissão de Reestruturação, quer à Comissão de Gestão da TAAG.

10. Estou em crer que os responsáveis desses dois organismos tiveram que tomar decisões desagradáveis para certos dos seus funcionários. Mas, agora, concluído o processo, vemos que valeu a pena todo o sacrifício, pois os ganhos globais nacionais são muito superiores aos eventuais custos humanos individuais (económicos e até mesmo emocionais), em que se teve que incorrer.

11. Afinal, a segurança aérea não é um mero capricho de certas pessoas. A segurança aérea é mesmo um imperativo de consciência e a base fundamental para o estabelecimento de uma relação de confiança entre nós, enquanto utentes, e a nossa companhia aérea, enquanto prestadora de um serviço que é cada vez mais requerido pelo comum dos cidadãos. O risco é inevitável em qualquer tipo de transportação, mas ele pode ser reduzido, se tivermos tomadas todas as medidas cautelares.

12. Depois de todo o drama que envolveu a nossa companhia de bandeira, a TAAG, penso que é justo levantarmos uma taça de champanhe, em saudação a todos quantos tiveram sobre os seus ombros a responsabilidade de corrigir as múltiplas inconformidades constatadas. Conseguiram, assim, também, restabelecer um pouco do nosso orgulho que ia escorrendo para o esgoto. Esses quadros foram serenos, persistentes e competentes. Merecem, pois, esta taça de champanhe.