quarta-feira, 9 de junho de 2010

A QUALIDADE DE VIDA

1. Por norma quando, no estrangeiro, é publicado um relatório com uma classificação negativa para o nosso país, surgem, de imediato, nos nossos órgãos de informação pública editoriais a desvalorizar os seus resultados. Há quem chegue mesmo ao ponto de tecer considerações sobre “as reais intenções” dos pesquisadores, a quem acusam de agir de má-fé, talvez por despeito, talvez por um escondido espírito de vingança…

2. Saiu agora um novo relatório internacional, desta vez da responsabilidade da Mercer, uma empresa que é líder global em serviços de consultoria, outsourcing e investimentos. Está instalada em cerca de 40 países e emprega acima de 18.000 trabalhadores. Nada se pode, pois, dizer que produziu um trabalho feito por curiosos, ou por mal-intencionados. Eles são profissionais competentes e experientes.

3. O objectivo do estudo é o de fornecer informações aos governos e às empresas multinacionais envolvidos na transferência de colaboradores para projectos internacionais, garantido, assim, um processo de remuneração mais justo. Para tal, é fundamental inquirir sobre um conjunto de indicadores, distribuídos por várias áreas que vão desde a política, à economia, ambiente, qualidade da educação, segurança pessoal e saúde, transporte e outros serviços públicos.

4. É evidente que as cidades com pior qualidade de vida verão agravados os custos desses expatriados, com naturais reflexos negativos sobre a factura global dos projectos. Não há, pois, aqui qualquer laivo de má-fé, provocação ou vontade persecutória. É um trabalho de pesquisa que visa ajudar os governos e as empresas a tomarem decisões justas e mais equilibradas.

5. Mais uma vez, Angola ficou “mal na fotografia”, como se costuma dizer. De entre as 221 cidades seleccionadas de todo o mundo, reservou-se para Luanda o lugar 198. Luanda foi considerada uma das piores cidades para se viver, de acordo com os 39 critérios de avaliação. Esse ranking internacional tem como referência a cidade de Nova York, a quem se atribui o índice com o valor 100.

6. A capital da Áustria, Viena, figurou pela segunda vez consecutiva no lugar cimeiro, e cidades europeias foram as que, globalmente, tiveram melhor cotação.

7. Canadá, Austrália e Nova Zelândia colocaram 9 cidades entre as 25 cidades melhor classificadas. Honolulu, a cidade onde nasceu o actual Presidente norte-americano, Barack Obama, de entre todas as cidades norte-americanas é a que “mais bonita saiu na fotografia”, ocupando o 31º lugar. A última classificada de todas as 221 é Port-au-Prince, a capital do Haiti. Cidades do Médio Oriente e de África situam-se na parte inferior da tabela, como era expectável. Por norma, essas são cidades poluídas, altamente congestionadas, desprovidas de infra-estruturas para acomodar devidamente as pessoas.

8. Como vemos, a qualidade de vida das cidades é uma medida de bem-estar bastante abrangente. Ela considera situações como o estado do saneamento básico, a água que se bebe, o lixo, a fluidez ou o congestionamento do trânsito, os índices de criminalidade, o nível de liberdade individual, o estado do ambiente, etc.

9. Temos, pois, que nos queixar apenas de nós próprios, pelo estado em que se encontra a nossa cidade, uma cidade que há alguns anos os poetas cantaram como sendo linda e de bem-querer. Hoje, Luanda está a perder a graça, estão a destruir-lhe a história. A cada dia que passa, vão-lhe matando a beleza e fazendo perder a sua originalidade.

10. É evidente que a qualidade de vida das cidades engloba dimensões que permitem avaliar o seu custo de vida. Mas não se deve confundir esses dois conceitos.

11. No dia 26 de Fevereiro do corrente ano, durante a reunião do Comité Central do MPLA, o Presidente Eduardo dos Santos fez alusão ao facto de, em Angola, o custo de vida estar a subir constantemente. Orientou mesmo o seu staff para descortinar as razões de tal subida.

12. Que eu saiba, o estudo ainda não foi feito, ou mantém-se inconclusivo. Todavia, todos nós saibamos, mais ou menos, quais são as verdadeiras razões que se escondem por detrás da subida galopante dos nossos preços: é a avidez do lucro fácil, é a falta de concorrência, é o conluio, é o proteccionismo nos negócios que envolvem a nomenklatura e seus aliados externos, é a morosidade nos processos burocráticos, são os elevados custos dos créditos, é a corrupção sob todas as formas, etc.

13. Ainda no mesmo mês de Fevereiro, uma empresa de pesquisa inglesa designou a cidade de Luanda como “uma cidade caríssima”, quer para os nacionais, quer para os estrangeiros. Nesta cidade – disse a empresa pesquisadora – os bens de primeira necessidade, como alimentação, habitação e educação são demasiado caros. Exibem mesmo preços comparáveis aos das cidades mais caras da Europa.

14. Como se pode ver, não há como confundir os dois conceitos, embora a qualidade de vida inclua dimensões já contempladas na análise do custo de vida. Somente por falta de cuidado ou por défice de rigor se podem colocar as duas expressões num mesmo patamar.

15. A expressão “custo de vida” relaciona-se com o valor do conjunto de bens e serviços necessários para a manutenção de uma pessoa numa determinada localidade. São os casos do custo da acomodação, alimentação, vestuário, transporte, entretenimento, bens domésticos duradouros, vestuário, etc. A qualidade de vida vai muito mais longe e tem também natureza qualitativa.

16. A qualidade de vida também tem pontos de contacto com um outro conceito, igualmente interessante: o nível de vida. O nível de vida expressa o grau de conforto. Ele também se traduz em padrões de natureza económica e social, tais como habitação, saúde, o carácter fixo ou não do emprego, o lazer, etc. Porém, não é tão completo como a qualidade de vida.

17. Na realidade, qualidade de vida é o que nós temos muito pouco, pois morremos cedo e vivemos uma vida demasiado complexa. Até mesmo a maioria dos nossos endinheirados, por vezes, não têm qualidade de vida. Eles compram como os ricos, mas morrem como os pobres – Morrem das mesmas doenças que os pobres. Como se fosse por contágio… Ou, então, pela sua ancestralidade…

1 comentário:

  1. Calcinhas de Luanda9 de junho de 2010 às 02:51

    Já foi tempo em que Luanda era considerada a "Paris de África".
    Digo isto sem saudosismos mal intencionados mas apenas com uma imensa pena, pois embora naquela época o respeito pelos direitos humanos era algo muito discutível, já que baseado em preconceitos rácicos, o que resultou depois é ainda mais confrangedor.

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