quinta-feira, 29 de julho de 2010

POR QUE VOTEI CONTRA

1. Por imperativo de consciência, eu votei contra a vontade da Guiné-Equatorial se tornar membro de pleno direito da CPLP. Mas, vamos por partes. Na realidade, o cidadão Justino Pinto de Andrade não tem direito de voto. Em matéria da admissão de um novo membro da CPLP, quem vota são os Estados, através dos seus mandatários, geralmente Chefes de Estado ou de Governo. E a aceitação é feita por unanimidade, na Conferência de Chefes de Estado e de Governo. Como eu não sou Chefe de Estado, nem de Governo, votei na rua, votei com o povo, votei enquanto cidadão. Dei a minha opinião.

2. O meu voto é um voto rebelde – é a minha tomada de posição, independentemente do meu estatuto pessoal. Ele é a expressão do meu protesto contra a violação de um dos princípios básicos da organização, pois essa organização de Estados, a CPLP, sustenta-se, pelo menos teoricamente, em alguns princípios orientadores, um dos quais assenta no “Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social”. Foi o perigo de violação desse princípio que orientou o meu sentido de voto, esta minha manifestação pública.

3. É evidente que a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP suscitou ainda outra questão: o facto de ela não ser um país luso-falante. Porém, à última hora, o seu Presidente, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, arranjou um estratagema com o qual conseguiu contornar tal exigência dos Estatutos da organização.

4. Poucos dias antes do início da Cimeira de Luanda, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo decidiu fazer da Língua Portuguesa a terceira língua oficial do seu país, logo depois do Espanhol e do Francês. Assim, levantado o obstáculo da língua, o nº 1 do artigo 6º dos Estatutos da CPLP caiu por terra. Ele diz expressamente: “Para além dos Membros fundadores, qualquer Estado, desde que use o Português como língua oficial, poderá tornar-se membro da CPLP, mediante a adesão sem reservas aos presentes Estatutos.” É claro, a Guiné-Equatorial não usa o português, mas promete vir a usá-lo, além das outras duas línguas.

5. Na realidade, foram os portugueses os primeiros navegadores europeus a chegar, em 1471, ao território que hoje constitui a Guiné-Equatorial – procuravam eles a rota marítima para a Índia. Então, acharam a ilha de Bioko, a que depois chamaram Ilha Formosa, e também Fernando Pó. A ilha de Bioko, e as ilhas de Ano Bom e Corisco foram transformadas pelos portugueses em praças de tráfico de escravos, bem no coração do Golfo da Guiné.

6. Em 1641, os holandeses, tal como aconteceu com outros territórios sob domínio português, também se apoderaram da ilha de Bioko. Fizeram isso com Luanda, depois da queda em Portugal do domínio dos reis Filipes de Espanha. Em 1648, e à semelhança de Luanda, a Ilha de Bioko, assim como as restantes ilhas do Arquipélago voltaram a ser colocadas sob domínio português, condição em que permaneceram até ao ano de 1778, altura em que Portugal as cedeu à Espanha. Para além da parte insular, a Guiné-Equatorial possui ainda uma parte continental chamada Riu Muni, situada entre o Gabão e os Camarões.

7. Quer com isto dizer que, do ponto de vista histórico, houve, sim, um contacto da Guiné-Equatorial com a língua e a cultura portuguesas. Poderão, pois, ter restado ainda ténues reminiscências desse contacto, que justifiquem alguma nostalgia da língua e da cultura desaparecidas. Mas, depois, impôs-se o espanhol. A presença da língua francesa como língua oficial deve-se, sobretudo, às ligações fronteiriças que a Guiné-Equatorial tem com o Gabão e os Camarões – países francófonos – e a uma presença remota dos franceses nos seus territórios, também por ocasião do tráfico negreiro.

8. Portanto, o que foi determinante para o meu voto de protesto, para o meu voto rebelde, para o meu voto na rua contra a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP, não é propriamente a questão da língua. É, sim, a evidente vontade daquele regime ditatorial branquear-se, depois que se enriqueceu com as volumosas receitas do petróleo. O velho ditador pretende agora aparecer travestido com uma roupagem democrática, sem ter, contudo, alterado a sua essência. E como os interesses é que contam, a entrada na Comunidade de um país rico em petróleo – mais um – até dá jeito: aumenta a impressão de se que trata de um projecto sério e viável.

9. O presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo está no poder desde 1979, quando derrubou, por golpe de Estado, o anterior presidente, o seu tio Francisco Macias Nguema. Na altura, prometeu pôr fim aos crimes praticados pelo tio, durante os 10 anos que governou o país. O tio assassinara milhares de populares e opositores. Calcula-se em dez por cento da população o número dos desaparecidos durante o regime de Macias Nguema.

10. Teodoro Obiang Nguema julgou o tio e executou-o. De seguida, impôs ao seu povo uma das ditaduras mais ferozes do nosso continente. Todo o mundo lhe apontou o dedo, e ninguém o recebia nos seus países. Era tido como um pária internacional. Nenhum Chefe de Estado queria ser fotografado ao lado de tão repugnante figura.

11. Há dias, li que Lula da Silva, de visita à Guiné-Equatorial, além da assinatura de vários acordos, esteve à fala com Obiang Nguema sobre democracia. Como não estive presente, não posso dizer como foi tal diálogo. Mas posso imaginar “a cara de pau” de um ditador a falar de democracia… É preciso ter muita lata!…

12. Com os proventos da exploração do petróleo, Teodoro Obiang Nguema, a sua família e o grupo restrito de seus seguidores tornaram-se verdadeiros nababos. A revista Forbes cataloga-o como o 8º governante mais rico do mundo, mesmo que dirija com punho de ferro um dos povos mais pobres do mundo. Para prosseguir o saque, aproveita-se de todas as circunstâncias para reprimir a oposição e limpar do caminho quem o apoquenta.

13. Com o dinheiro do petróleo, Teodoro Obiang Nguema pretende criar nova imagem, para exibi-la a nível internacional. Por isso, tentou fazer passar à UNESCO a ideia da instituição de um “Prémio Internacional para a Pesquisa Científica sobre a Vida” que, claro, levaria o seu nome. Vaidosamente, ele financiaria o projecto. In extremis, e fruto do alerta internacional dado por organizações cívicas, tal proposta foi rejeitada, pois a UNESCO não pode ver o seu nome associado ao de um dos ditadores mais desprestigiados de África e do Mundo. Mas, a Guiné-Equatorial exerce uma enorme sedução sobre vários países e, sobretudo, no sector empresarial.

14. A capacidade de sedução desse “Kuwait africano” ficou agora bem visível nas hesitações de alguns dos líderes dos países da CPLP, mais interessados em materializar a primeira parte da alínea b) do artigo 3º dos seus Estatutos, que se refere expressamente à cooperação no domínio económico. Foi isso o que motivou verdadeiramente tais líderes, assim como os interesses empresariais que os suportam. Para eles, tudo o resto é ornamento: são flores, são sorrisos, são abraços de circunstâncias. Esses líderes atiraram para o caixote do lixo os valores e os princípios orientadores dos Estatutos da CPLP, que estão ali apenas para fazer charme, para lhes dar um formato bonito e moderno – como mandam “as boas regras”. Para eles, Democracia, Estado de Direito e Direitos Humanos são expedientes de ocasião. Não são cultura, não são prática, não são desígnio. Ponto final. Estamos entendidos.

15. Tem, pois, razão este meu voto feito na rua, o meu voto de protesto, um voto que eu materializei ao ser uma das 13 personalidades lusófonas que subscreveu a “Carta Aberta” que foi enviada aos Chefes de Estado da CPLP. Além de mim, Justino Pinto de Andrade, assinaram também essa “Carta Aberta”, por exemplo: o escritor moçambicano Mia Couto, o Bispo timorense de Baucau, Dom Basílio do Nascimento, a Elisa Andrade e o músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Hollanda, a académica e ensaísta são-tomense Inocência Mata, o cantor da Guiné-Bissau Manecas da Costa, o Bispo Dom Januário Torjal Ferreira, Frei Carlos Alberto Libânio Christo (o “Frei Beto”), e o escritor Eduardo Lourenço, todos os 3 de Portugal. Ao todo, 13 personalidades que ainda têm os valores éticos e morais como referência. Nós damos o devido valor aos princípios democráticos, mesmo que assumamos que os interesses dos Estados não são matéria desprezível.

16. A rejeição temporária de entrada da Guiné-Equatorial na CPLP diz-se ter sido inspirada por Portugal, país que terá proposto uma metodologia para a aceitação de novos membros efectivos similar à que vigora na União Europeia. Nessa empreitada, Portugal foi secundado por Angola.

17. Foi bom a aplicação dessa medida de contenção, uma medida que obriga os candidatos a membro efectivo a resolverem, previamente, uma série de questões, sobretudo no domínio do Regime Democrático, no respeito pelo Estado de Direito e a garantia de fidelidade à defesa dos Direitos Humanos.

18. Essas questões ainda são muito questionáveis em países como Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, por exemplo. Mas estes são Estados membros, até mesmo Estados fundadores da organização. Eles gozam, portanto, de um estatuto privilegiado, ao estarem já dentro da CPLP. Não são candidatos a membro.

19. Penso que a problemática da entrada da Guiné-Equatorial poderá servir para se repensar a verdadeira vocação da CPLP. Que tipo de Comunidade a organização persegue: Será um qualquer modelo de integração? Não acredito que o seja. Será a CPLP apenas um palco de concertação política e diplomática, para facilitar a tomada de determinadas posições comuns na arena internacional? Será uma via para a promoção da língua portuguesa e de culturas afins? Será um mecanismo de protecção dos interesses de cidadãos de uns países dentro dos outros países membros? Será um expediente para a facilitação da promoção de negócios?

20. De uma coisa tenho eu desde já a certeza: A CPLP não visa a criação de uma Comunidade de Estados, com circulação livre de bens, capitais, pessoas, com instituições políticas supra-nacionais decorrentes da partilha de soberania – pois estão em construção outros espaços de integração muito mais adequados a este objectivo. A CPLP é uma coisa que poucos ainda saberão o que poderá a vir a ser.

21. Espero, porém, que a CPLP não funcione como um mero desígnio ajustado à medida dos novos anseios da velha potência colonial. Ou então, que ela sirva tão-somente para a realização das ambições da potência hegemónica emergente que é o Brasil – um país apostado em surgir na arena internacional como o chefe-de-fila de um conjunto de países individualmente sem grande expressão, e que, para se afirmarem, necessitam de agir de uma forma concertada. Para mim, depois do “caso Guiné-Equatorial”, a discussão será mais aberta.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

UM AVISO À NAVEGAÇÃO

1. O dia 18 de Julho passará para a história como o “Dia Internacional de Nelson Mandela”, por decisão da Organização das Nações Unidas. Foi nesse dia que, em 1918, nasceu na aldeia de Mvezo, na África do Sul, essa grande figura que marcou, de um modo seguro e firme, o séc. XX. Com tal glorificação, as Nações Unidas quiseram destacar o contributo que Mandela deu para a paz e a liberdade.

2. Graça Machel, esposa de Mandela, deu uma entrevista à BBC de Londres onde manifestou que seria desejável que, neste dia, todos pudéssemos mostrar ter dentro de nós um pouco de Mandela, os valores que ele representa. Isto é, ser generosos, carinhosos para com os outros, capazes de fazer o bem.

3. Agora que me sentei para escrever a minha habitual crónica semanal, lembrei-me que Nelson Mandela, para além de outras causas sociais e humanitárias, fez da luta contra o HIV/SIDA um dos seus emblemas. Esta é uma das dimensões da acção da Fundação que criou e que leva o seu nome.

4. A luta contra o HIV/SIDA está a ser travada em todos os campos e envolve personalidades distintas, umas altamente mediáticas, outras, menos, e também cidadãos anónimos em todo o mundo. Em Angola, eu vou seguindo com muita atenção o combate que tem destacado a figura de António Coelho, responsável da ANASO. A ANASO é a rede das organizações angolanas que lutam contra a SIDA.

5. O mais recente pronunciamento público de António Coelho foi a propósito da saída de mais um relatório internacional dando conta da redução dos índices de prevalência da SIDA em determinados grupos etários. Em 15 dos 25 países mais afectados, a taxa de prevalência caiu 25%, entre os jovens dos 14 aos 25 anos de idade. Infelizmente, Angola não acompanhou tal evolução.

6. Países da sub-região austral do nosso continente, como a Namíbia, Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, Tanzânia, tidos como dos mais duramente afectados que o nosso, registaram avanços. Mas também houve avanços na Etiópia, Costa do Marfim, Ruanda, Lesoto, Suazilândia, Burundi, ou até no Haiti e nas Bahamas.

7. Para que se somem tantos e tão precisos êxitos, tem havido um activismo muito forte por parte de dirigentes desses países. Eles envolvem-se mesmo em acções públicas de sensibilização, para se evitar a propagação do vírus.

8. Em Abril deste ano, o secretário executivo da ANASO já havia manifestado o seu desencanto porque, segundo ele, o governo angolano não estaria a prestar a devida atenção à luta contra o HIV/SIDA. Reconheceu ainda que os esforços já feitos não são suficientes, quer para a prevenção, quer para o tratamento dos infectados. Por vezes, há carência de anti-retrovirais. Foram declarações feitas na abertura do Seminário Nacional sobre cuidados domiciliários a pessoas vivendo com HIV e SIDA.

9. O combate ao HIV/SIDA é o sexto dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definidos pelas Nações Unidas, juntamente com o combate à malária, tuberculose e outras doenças. As Nações Unidas terão disposto que, até 2015, se deveria deter a propagação da doença e inverter a tendência de expansão.

10. Não obstante os esforços que são reconhecidos em alguns países, ainda assim, é consensual a ideia de que a África não irá atingir esse Objectivo do Desenvolvimento do Milénio.

11. Segundo estimativas recentes, em África existem 30 milhões de indivíduos infectados. Para o nosso país, calcula-se que sejam em número próximo dos 500 mil, com metade a viver em Luanda, onde se suspeita estar concentrada um terço da população total de Angola. Uma grande parte dos restantes infectados estará localizada em regiões fronteiriças, muito em especial, junto da fronteira com a Namíbia e também com a RDC.

12. Em alguns países da África Austral as taxas de prevalência estão acima dos 20%. As melhorias mais sensíveis são assinaladas em países da África do Norte, da África Ocidental e também da África Central.

13. Os relatórios que se referem especificamente a esta doença dão realce aos avanços alcançados, por exemplo, no Ghana, no Ruanda, no Quénia, ou no Uganda, países antes tidos como dos mais graves. Chegou mesmo a temer-se a ocorrência de uma catástrofe humanitária.

14. Os esforços internos, conjugados com a ajuda internacional, permitiram travar o alastramento da doença e começa-se agora a assistir ao seu recuo. Hoje, na África Austral, os casos mais preocupantes estão ainda localizados na África do Sul, no Lesoto e na Suazilândia, países onde, em geral, as mulheres são as mais afectadas. Diz-se que, na África Austral, 70% das crianças órfãs são-no devido à SIDA.

15. A luta contra o HIV/SIDA é travada pelo menos em dois campos: na prevenção e no tratamento. Mas, o acesso aos anti-retrovirais difere de país para país. É mais fácil, por exemplo, aceder aos medicamentos na Namíbia ou no Botsuana, do que na Nigéria, no Lesoto ou em Moçambique.

16. A recente chamada de atenção do líder da ANASO faz-nos entender melhor uma outra realidade que tem sido constatada e até mesmo referida pelos serviços médicos do nosso país: o aumento assustador dos casos de tuberculose e de outras doenças oportunistas, maleitas que vêm, por vezes, associadas. Negligenciado o combate contra o HIV/SIDA, multiplica-se o número de doentes de tuberculose.

17. Nesta altura em que o mundo homenageia Nelson Mandela pelo seu combate pela paz e pela liberdade, eu recordo-o, em especial, como um combatente destemido contra aquele que é já tido por muitos como o mal do século. A ANASO e o seu secretário executivo estão nessa linha, merecendo, pois, o meu destaque nesta crónica.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A ÁFRICA QUE NOS ORGULHA

1. No inédito Mundial de Futebol 2010, organizado pela África do Sul, consagrou-se um campeão que nunca o fora: a Espanha.

2. O Mundial de Futebol da África do Sul despertou, pelo menos, as seguintes interrogações:

i) O país possuiria, ou não, capacidade técnica para edificar as infra-estruturas desportivas requeridas?
j) Teria também condições para, em tempo, edificar as infra-estruturas de acolhimento para os turistas que, por norma, confluem para as cidades onde se realizam os jogos?
k) Será que as persistentes notícias sobre os elevados índices de criminalidade em muitas cidades sul-africanas, não iriam afugentar muitos dos para lá pretenderiam deslocar-se?
l) Sendo que o futebol não é o desporto favorito em algumas das comunidades sul-africanas, o Mundial seria capaz de mobilizar todas essas comunidades?
m) Teriam as autoridades sul-africanas condições técnicas e organizativas para dissipar eventuais tentativas de sabotagem por parte de grupos terroristas?

Vale, pois, a pena tentar dar resposta a essas questões.

3. Segundo sei, foram em número de 10 os estádios preparados para acolher a Copa do Mundo 2010:

a) Construído em 1928, o Ellis Park de Joanesburgo foi demolido e depois reconstruído em 1982. Sofreu algumas intervenções para se ajustar às novas exigências, ficando, pois, com capacidade para albergar 61 mil pessoas.

b) O Free State de Bloemfontein foi intervencionado com o objectivo de receber cerca de 45 mil espectadores. Tanto ele, quanto o Ellis Park possuem um vasto histórico de realização de jogos de rugby.

c) O Royal Bafokeng Stadium de Rustenberg, próximo de Sun City (de onde se podem observar as montanhas de Magaliesburg), depois de requalificado, ficou em condições para acolher cerca de 42 mil espectadores.

d) O Loftus Versfeld de Pretória – a capital administrativa da África do Sul, onde se situa o seu Executivo – foi igualmente requalificado, podendo agora albergar até 45 mil pessoas.

e) O Green Point, da cidade do Cabo – a capital legislativa do país – assim como os restantes estádios que referirei a seguir, foram todos eles construídos de raiz. A sua capacidade é para 70 mil pessoas.

f) O Durban Stadium, como o nome indica, construído em Durban, tem a mesma capacidade de acolhimento que o Green Point. Pelo que vi nas imagens televisivas, ele será, talvez, o mais espectacular dos estádios que acolheram o Mundial. Muito em especial, pelos dois arcos suspensos que o encimam, numa altitude de 100 metros.

g) O Soccer City – também ele situado na capital económica da África do Sul, mas, desta vez, no Soweto – foi o maior estádio do Mundial, acolhendo até 95 mil espectadores, uma grandeza que se justifica pela sua localização. É que no Soweto vive 40% da população de Joanesburgo. Pensa-se que o Soccer City é já dos mais imponentes estádios do Mundo.

h) Ainda se construíram mais dois estádios, o Mbombela Stadium, na Província de Mpumalanga, para 46 mil pessoas, e o Peter Mokaba Stadium, no Limpopo, com uma capacidade idêntica à do Mbombela.

i) No Cabo Oriental, em Port Elizabeth, edificou-se o Nelson Mandela Bay Stadium, com capacidade para 48 mil pessoas.

4. Para viabilizar o Mundial de 2010, os sul-africanos lançaram-se na dura empreitada da construção de novas estradas, melhoraram os aeroportos, introduziram mais modalidades de transportes públicos, surgiram novos hotéis. As comunicações sofreram profundas transformações com a introdução das mais modernas tecnologias. Tudo feito para que ninguém sentisse saudades dos outros mundiais…

5. Apesar de ter sido considerado o Mundial mais caro de todos os tempos, mesmo assim, diz-se que o Mundial da África do Sul se transformou no mais rentável, não só com a venda dos bilhetes, mas, igualmente, com os direitos de transmissão televisiva. Por exemplo, a FIFA investiu cerca de 1.100 milhões de USD, contudo, só em patrocínios e nas receitas das televisões, terá arrecadado o dobro desse valor.

6. O governo sul-africano empatou no evento aproximadamente 5.000 milhões de USD. Poderá recuperar o valor investido, mesmo que os custos de manutenção dos estádios venham a ser demasiado elevados e não recuperáveis apenas pela via do futebol. Há, pois, que readaptá-los para outras actividades, nalguns casos para outras práticas desportivas, mesmo até em eventos sociais.

7. Estimativas recentes apontam para a redução dos índices de criminalidade durante a Copa. Antes do evento, e em média, as estatísticas registavam 50 assassinatos diários, 18 mil assaltos a residências e 15 mil roubos de carros por ano. Para garantir a segurança das pessoas, as autoridades colocaram na rua, nos estádios, nos parques, nos hotéis e em outros locais turísticos, cerca de 41 mil polícias. Ampliaram também a parafernália da segurança pública com mais helicópteros, canhões de água e outros equipamentos. Criaram mais 56 Tribunais Especiais em todo o país.

8. O resultado do forte investimento em meios policiais e na justiça foi imediato, como se pode ver com alguns exemplos:

i) Por exemplo, ainda não tinha começado a competição, e logo 3 jornalistas estrangeiros foram vítimas de um assalto. No dia seguinte, os assaltantes estavam presos. Foram julgados e condenados a penas de 15 anos de prisão.
j) Na cidade do Cabo, uma mulher roubou a bolsa de uma turista – foi, de imediato, presa e condenada no dia seguinte.
k) Narraram-se mais outros casos, como o do assalto a 4 jornalistas chineses. Os autores do assalto foram presos e também condenados num processo célere.

Não se pode, pois, dizer, que tenha havido negligência por parte das autoridades. E os resultados estão visíveis.

9. Para determinadas comunidades na África do Sul, o futebol não é o desporto de eleição. O rugby, por exemplo, é a modalidade desportiva mais popular na comunidade branca, muito em especial, entre os africâners, para quem os Springboks, a selecção de Rugby, é que conta. Outros adoram o cricket, ou mesmo o basebol. Porém, neste Mundial 2010, a nação sul-africana esteve unida em torno dos Bafana Bafana, a selecção de futebol. Isso viu-se pela forma massiva como afluíram aos campos.

10. Logo que saiu de cena a selecção dos Bafana Bafana, com uma honrosa vitória sobre a selecção francesa, os sul-africanos cerraram fileiras à volta de outra selecção africana, a do Ghana. Foram seguidos por toda a África.

11. Quando o Ghana terminou a sua participação, cada sul-africano passou a aplaudir outras selecções, em função das suas simpatias pessoais, ou da sua origem mais ou menos remota. Por exemplo, os africâners – que descendem de holandeses, de franceses huguenotes, alemães – passaram a apoiar, por exemplo, as equipas da Holanda e da Alemanha.

12. Tal como sucedeu no passado com o rugby – modalidade em que a África do Sul se tornou campeã mundial, depois da libertação de Nelson Mandela – desta vez coube ao futebol a histórica missão de fazer os sul-africanos sentirem-se irmanados numa mesma causa. Assim, a África do Sul mostrou ao mundo que é possível conviver na diferença, na multiracialidade, na multiculturalidade, apesar das enormes assimetrias que ainda prevalecem.

13. Não obstante o assassinado do activista extremista branco, Eugene Terreblanche, a Nação do Arco-Íris mostrou que ela é possível e que é viável. A Nação do Arco-Íris mostrou que não precisa de verter mais sangue inocente, de criar fissuras que depois evoluem para crateras, e se transformam em abismos.

14. A África do Sul teve capacidade organizativa para montar um esquema capaz de afastar o espectro do terrorismo. Venceu o medo do terrorismo. Com isso, venceu a África. Venceu, pelo menos, a boa parte da África, a África do Futuro.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O DESPORTO COMO ARMA DE COMBATE POLÍTICO

1. Nunca alimentei a ilusão de ver todas, ou quase todas as selecções africanas chegarem à segunda fase do Mundial da África do Sul. Seria utópico criar uma tal expectativa, já porque se trata de selecções colocadas em posições mais ou menos medianas no ranking internacional da FIFA. Todavia, sou de opinião que, pelo menos em termos médios, os resultados desportivos de um qualquer país podem, no mínimo, ser o reflexo de duas situações: ou de alguma aptidão natural de um povo para determinada modalidade desportiva, ou do nível e da qualidade de organização do país.

2. Um dos exemplos mais claros de aptidão natural de um povo para a prática de uma modalidade desportiva pode ser achado no atletismo, onde os atletas originários do Quénia e da Etiópia se afirmam como os melhores nas corridas de longa distância. Porém, a espaços, eles são perturbados por atletas de Marrocos, e pouco mais. Vê-se ali, pois, um especial realce na compleição física do atleta, nas suas características morfológicas.

3. O mesmo se pode dizer das corridas de curta distância, onde de há muito a esta parte se evidenciam as performances dos atletas negros americanos, ultimamente muito envolvidos em disputa pela liderança mundial com atletas negros originários da Jamaica, quer em masculinos, quer em femininos.

4. O raciocínio que acabo de fazer torna-se extensivo ao salto em altura e ao salto com vara, em que quase sempre prevalecem atletas brancos. Também não é possível colocar em dúvida a relativa hegemonia dos atletas negros norte-americanos na prática do basquetebol, se tivermos como referência a qualidade e a competitividade da NBA. Ou então, o caso de atletas brancos e eslavos no halterofilismo.

5. Na minha perspectiva, a história dos povos tem também influência na prática de certas modalidades desportivas, o que é bem visível no rugby e no cricket, desportos amplamente praticados pelos povos que estiveram sob domínio britânico. Por sua vez, o futebol americano e o basebol são quase um privilégio dos povos americanos, mesmo até de não anglófonos.

6. Inventado pelos britânicos, podemos, contudo, dizer que o futebol tem uma expressão mais universal. Ele deixou de ser património de alguém, e já é indubitável o despontar de novos dominadores, sem que se possa falar, porém, de uma nova hegemonia.

7. Para mim, o nível de desenvolvimento e, sobretudo, de organização dos países, tem uma enorme influência nos resultados desportivos. Será que alguém duvida do crescente protagonismo da China em determinadas modalidades desportivas, algumas delas consideradas de elite? Para tirarmos as dúvidas, vejamos, por exemplo, quantas medalhas internacionais são já, hoje, obtidas por desportistas chineses, quer homens, quer mulheres. Quem também hegemoniza a natação de alta competição? São quase todos eles atletas provenientes de países desenvolvidos. Excepcionalmente, porém, vêem-se, também, atletas provenientes de Estados emergentes. Por norma, os países subdesenvolvidos não inscrevem atletas nesta modalidade. E na patinagem artística? E na ginástica? E no ténis de mesa? E no golfe?

8. Enfim, poderíamos continuar o raciocínio por mais algum tempo. Mas, o que nos interessava era apenas mostrar que os resultados desportivos não podem ser vistos como um fruto do acaso. E muito menos são o produto de uma qualquer inspiração momentânea.

9. Do acaso, ou de inspiração do momento, é talvez o que pensará o novo Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan. Por isso, ele resolveu suspender a Federação de Futebol do seu país, depois do fraco desempenho da selecção nigeriana no Mundial da África do Sul. Goodluck Jonathan proibiu também, por dois anos, a sua selecção de participar em qualquer competição internacional. Mais ou menos paralelamente, no Parlamento francês discutiu-se o comportamento da selecção francesa durante o Mundial e, como consequência, o seu resultado.

10. Ambas as atitudes podem ser vistas como intromissões do poder político no futebol. Todavia, elas não assumem a mesma gravidade.

11. No caso francês, saltou para a comunicação social o estado de tensão instalado no seio da selecção francesa, de que resultou a retirada do jogador Nicolas Anelka, depois de se ter insubordinado contra o treinador, Raimond Domenech. O “caso Anelka” funcionou como um rastilho: solidários com o colega, os jogadores franceses recusaram treinar, tendo perdido o jogo decisivo contra a África do Sul.

12. A França entrou em comoção nacional, e o poder político não conseguiu guardar a devida distância. Os políticos pediram explicações e prometeram tomar medidas correctivas. Houve mesmo quem tivesse acusado os jogadores franceses de falta de patriotismo: que não se terão empenhado devidamente, disseram uns; que não sentiram a camisola, disseram outros.

13. Ouvindo isso, recordei-me da exaltação do “espírito patriótico manifestado pelos jogadores franceses”, sem excepção, quando ganharam o Mundial de 1998. Nessa altura, sectores da sociedade francesa gritaram até: “Thuram a Presidente!”

14. Lilian Thuram é o jogador francês que mais jogos fez pela selecção. Originário do Guadalupe, possessão francesa, Lilian Thuram reagiu ao comportamento da selecção francesa na África do Sul, dizendo, por exemplo, que o actual capitão da equipe, Patrice Evra, não deveria voltar a envergar a camisola do país.

15. Lilian Thuram falou como analista desportivo, e não como político. Porque ele não é político. Sendo Patrice Evra de origem senegalesa, e tão negro quanto Thuram, ninguém pode, pois, retirar daí ilações de carácter rácico. É que, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, nem sempre a raça determina o pensamento e o comportamento das pessoas… Há outras razões que se sobrepõem a factores de agregação primária, mesmo que esses sejam indiscutíveis.

16. O Presidente nigeriano não pediu explicações a ninguém. Ele tomou a medida arbitrária de suspender um órgão que, em princípio, não é nomeado por si. Ordenou a paragem, por dois anos, de participação da selecção em competições internacionais. E mandou as forças policiais invadirem as instalações da Federação Nigeriana de Futebol. Felizmente, e por pressão da FIFA, já voltou atrás. Mas, de qualquer modo, ele já deixou marcadas as suas impressões digitais.

17. O que é relevante, afinal, é que o Presidente nigeriano não terá então percebido que o estado do futebol nigeriano reflecte o estado da própria Nigéria: um país rico em petróleo – e nada mais. Quase tudo o resto é desordem, traficância, corrupção. A sua imagem externa é deplorável. Por isso, não é um país para se aconselhar qualquer amigo a passar férias. Muito menos onde alguém possa andar descansado numa rua, sem temer ser roubado, sem temer ser trucidado por um motorista desvairado. Como, aliás, nós aqui em Luanda, mesmo que numa dimensão ainda mais reduzida.

18. A FIFA advertiu os dois países, França e Nigéria, dizendo que não toleraria ingerências do poder político no futebol. E fê-lo bem, prontamente, sem hesitações nem tibiezas. Quem contestar a posição da FIFA, está noutro planeta…

19. Com a exclusão do Brasil da prova mundial, nos quartos-de-final, frente à Holanda, poderá, eventualmente, estar em gestação um novo conflito. Será que certos políticos brasileiros tentarão também meter a colher onde não são chamados? Espero que não façam. Afinal, para o bem do futebol...