quinta-feira, 15 de julho de 2010

A ÁFRICA QUE NOS ORGULHA

1. No inédito Mundial de Futebol 2010, organizado pela África do Sul, consagrou-se um campeão que nunca o fora: a Espanha.

2. O Mundial de Futebol da África do Sul despertou, pelo menos, as seguintes interrogações:

i) O país possuiria, ou não, capacidade técnica para edificar as infra-estruturas desportivas requeridas?
j) Teria também condições para, em tempo, edificar as infra-estruturas de acolhimento para os turistas que, por norma, confluem para as cidades onde se realizam os jogos?
k) Será que as persistentes notícias sobre os elevados índices de criminalidade em muitas cidades sul-africanas, não iriam afugentar muitos dos para lá pretenderiam deslocar-se?
l) Sendo que o futebol não é o desporto favorito em algumas das comunidades sul-africanas, o Mundial seria capaz de mobilizar todas essas comunidades?
m) Teriam as autoridades sul-africanas condições técnicas e organizativas para dissipar eventuais tentativas de sabotagem por parte de grupos terroristas?

Vale, pois, a pena tentar dar resposta a essas questões.

3. Segundo sei, foram em número de 10 os estádios preparados para acolher a Copa do Mundo 2010:

a) Construído em 1928, o Ellis Park de Joanesburgo foi demolido e depois reconstruído em 1982. Sofreu algumas intervenções para se ajustar às novas exigências, ficando, pois, com capacidade para albergar 61 mil pessoas.

b) O Free State de Bloemfontein foi intervencionado com o objectivo de receber cerca de 45 mil espectadores. Tanto ele, quanto o Ellis Park possuem um vasto histórico de realização de jogos de rugby.

c) O Royal Bafokeng Stadium de Rustenberg, próximo de Sun City (de onde se podem observar as montanhas de Magaliesburg), depois de requalificado, ficou em condições para acolher cerca de 42 mil espectadores.

d) O Loftus Versfeld de Pretória – a capital administrativa da África do Sul, onde se situa o seu Executivo – foi igualmente requalificado, podendo agora albergar até 45 mil pessoas.

e) O Green Point, da cidade do Cabo – a capital legislativa do país – assim como os restantes estádios que referirei a seguir, foram todos eles construídos de raiz. A sua capacidade é para 70 mil pessoas.

f) O Durban Stadium, como o nome indica, construído em Durban, tem a mesma capacidade de acolhimento que o Green Point. Pelo que vi nas imagens televisivas, ele será, talvez, o mais espectacular dos estádios que acolheram o Mundial. Muito em especial, pelos dois arcos suspensos que o encimam, numa altitude de 100 metros.

g) O Soccer City – também ele situado na capital económica da África do Sul, mas, desta vez, no Soweto – foi o maior estádio do Mundial, acolhendo até 95 mil espectadores, uma grandeza que se justifica pela sua localização. É que no Soweto vive 40% da população de Joanesburgo. Pensa-se que o Soccer City é já dos mais imponentes estádios do Mundo.

h) Ainda se construíram mais dois estádios, o Mbombela Stadium, na Província de Mpumalanga, para 46 mil pessoas, e o Peter Mokaba Stadium, no Limpopo, com uma capacidade idêntica à do Mbombela.

i) No Cabo Oriental, em Port Elizabeth, edificou-se o Nelson Mandela Bay Stadium, com capacidade para 48 mil pessoas.

4. Para viabilizar o Mundial de 2010, os sul-africanos lançaram-se na dura empreitada da construção de novas estradas, melhoraram os aeroportos, introduziram mais modalidades de transportes públicos, surgiram novos hotéis. As comunicações sofreram profundas transformações com a introdução das mais modernas tecnologias. Tudo feito para que ninguém sentisse saudades dos outros mundiais…

5. Apesar de ter sido considerado o Mundial mais caro de todos os tempos, mesmo assim, diz-se que o Mundial da África do Sul se transformou no mais rentável, não só com a venda dos bilhetes, mas, igualmente, com os direitos de transmissão televisiva. Por exemplo, a FIFA investiu cerca de 1.100 milhões de USD, contudo, só em patrocínios e nas receitas das televisões, terá arrecadado o dobro desse valor.

6. O governo sul-africano empatou no evento aproximadamente 5.000 milhões de USD. Poderá recuperar o valor investido, mesmo que os custos de manutenção dos estádios venham a ser demasiado elevados e não recuperáveis apenas pela via do futebol. Há, pois, que readaptá-los para outras actividades, nalguns casos para outras práticas desportivas, mesmo até em eventos sociais.

7. Estimativas recentes apontam para a redução dos índices de criminalidade durante a Copa. Antes do evento, e em média, as estatísticas registavam 50 assassinatos diários, 18 mil assaltos a residências e 15 mil roubos de carros por ano. Para garantir a segurança das pessoas, as autoridades colocaram na rua, nos estádios, nos parques, nos hotéis e em outros locais turísticos, cerca de 41 mil polícias. Ampliaram também a parafernália da segurança pública com mais helicópteros, canhões de água e outros equipamentos. Criaram mais 56 Tribunais Especiais em todo o país.

8. O resultado do forte investimento em meios policiais e na justiça foi imediato, como se pode ver com alguns exemplos:

i) Por exemplo, ainda não tinha começado a competição, e logo 3 jornalistas estrangeiros foram vítimas de um assalto. No dia seguinte, os assaltantes estavam presos. Foram julgados e condenados a penas de 15 anos de prisão.
j) Na cidade do Cabo, uma mulher roubou a bolsa de uma turista – foi, de imediato, presa e condenada no dia seguinte.
k) Narraram-se mais outros casos, como o do assalto a 4 jornalistas chineses. Os autores do assalto foram presos e também condenados num processo célere.

Não se pode, pois, dizer, que tenha havido negligência por parte das autoridades. E os resultados estão visíveis.

9. Para determinadas comunidades na África do Sul, o futebol não é o desporto de eleição. O rugby, por exemplo, é a modalidade desportiva mais popular na comunidade branca, muito em especial, entre os africâners, para quem os Springboks, a selecção de Rugby, é que conta. Outros adoram o cricket, ou mesmo o basebol. Porém, neste Mundial 2010, a nação sul-africana esteve unida em torno dos Bafana Bafana, a selecção de futebol. Isso viu-se pela forma massiva como afluíram aos campos.

10. Logo que saiu de cena a selecção dos Bafana Bafana, com uma honrosa vitória sobre a selecção francesa, os sul-africanos cerraram fileiras à volta de outra selecção africana, a do Ghana. Foram seguidos por toda a África.

11. Quando o Ghana terminou a sua participação, cada sul-africano passou a aplaudir outras selecções, em função das suas simpatias pessoais, ou da sua origem mais ou menos remota. Por exemplo, os africâners – que descendem de holandeses, de franceses huguenotes, alemães – passaram a apoiar, por exemplo, as equipas da Holanda e da Alemanha.

12. Tal como sucedeu no passado com o rugby – modalidade em que a África do Sul se tornou campeã mundial, depois da libertação de Nelson Mandela – desta vez coube ao futebol a histórica missão de fazer os sul-africanos sentirem-se irmanados numa mesma causa. Assim, a África do Sul mostrou ao mundo que é possível conviver na diferença, na multiracialidade, na multiculturalidade, apesar das enormes assimetrias que ainda prevalecem.

13. Não obstante o assassinado do activista extremista branco, Eugene Terreblanche, a Nação do Arco-Íris mostrou que ela é possível e que é viável. A Nação do Arco-Íris mostrou que não precisa de verter mais sangue inocente, de criar fissuras que depois evoluem para crateras, e se transformam em abismos.

14. A África do Sul teve capacidade organizativa para montar um esquema capaz de afastar o espectro do terrorismo. Venceu o medo do terrorismo. Com isso, venceu a África. Venceu, pelo menos, a boa parte da África, a África do Futuro.

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