quinta-feira, 28 de outubro de 2010

UMA PERSPECTIVA REDUTORA DA POBREZA

1. No dia 20, o Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola, Koen Vanormelingen, declarou em Luanda, em conferência de imprensa, que a pobreza em Angola, medida em receitas monetárias, baixou de 68% em 2002, para 38%, em 2009. Sendo assim, e com os avanços registados na última década, o nosso país “caminha de forma segura para o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”.

2. A responsabilidade por tais avanços recai sobre o facto de sermos um país que exerce uma forte atracção para o investimento estrangeiro, estarmos em fase de reabilitação das infra-estruturas económicas e sociais, haver já um sensível recuo nos níveis de mortalidade materna e infantil, também por estarmos a aumentar de forma significativa a taxa de escolarização primária e a expandir a nossa rede sanitária, bem como por se verificar um crescente número de quadros técnicos.

3. Porém, o Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola fez ainda referência ao facto de prevalecerem entre os angolanos grandes disparidades que podem pôr em causa, no médio e no longo prazos, o próprio desenvolvimento económico e social. Para ilustrar esse seu relativo pessimismo, referiu a existência de 7 milhões de angolanos a viverem com menos de 1.75 usd, cerca de 1 milhão de crianças fora do sistema nacional de ensino primário, e milhões de pessoas sem acesso a serviços de saneamento adequados.

4. Há dois meses a esta parte, mais precisamente em Agosto, por ocasião da apresentação do primeiro Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População, a Ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço, destacou também alguns avanços registados nesses domínios, comparativamente aos valores evidenciados, no ano de 2001, pelo Inquérito sobre Despesas e Receitas, portanto, pouco antes do término da guerra.

5. A Ministra Ana Dias Lourenço apelidou o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População de o maior inquérito jamais realizado, dado que abrangeu 18 províncias, nas dimensões urbana e rural, tendo-se socorrido de uma amostra de cerca de 12 mil agregados familiares. Na ocasião, ela realçou que o resultado do estudo permitia um melhor conhecimento da vida dos cidadãos e das suas vulnerabilidades, e balançaria o governo para a definição de políticas mais correctas para o combate à pobreza.

6. Modernamente, a problemática da pobreza é vista numa perspectiva mais abrangente do que a que tem sido apresentada pelas Nações Unidas, já porque o rendimento monetário não é suficiente para exprimir devidamente o estado de pobreza. Para as Nações Unidas é considerado “pobre” o indivíduo a quem se atribui um rendimento médio diário inferior a 1 usd.

7. Por sua vez, a Banco Mundial estratifica a pobreza em dois patamares: no primeiro patamar temos a pobreza extrema, no outro, a pobreza moderada. Serão extremamente pobres os que vivem com menos de 1 usd diário, e moderadamente pobres os indivíduos que vivem com menos de 2 usd diário.

8. Estamos, pois, perante duas visões puramente quantitativas e redutoras, a das Nações Unidas e a do Banco Mundial. Qualquer uma delas deixa de fora componentes que se reputam de fundamentais.

9. A concepção moderna da pobreza atende também a outros aspectos para além do rendimento monetário. Por exemplo, a dificuldade de acesso aos bens e a determinados serviços básicos, como água, luz, saúde, educação e habitação, dando assim uma ideia multifacetada da condição de vida dos pobres.

10. O economista do Bangladesh e Prémio Nobel da Paz 2006, Muhammad Yunus, vai ainda mais longe ao considerar pobre “quem está inseguro quanto ao futuro e sem previsão dos rendimentos que terá para sobreviver”.

11. Combater a pobreza e a fome é o primeiro desígnio definido pelas Nações Unidas no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Até 2015, os Estados comprometeram-se a reduzir para metade a população extremamente pobre, ou seja, aqueles que sobrevivem com menos de 1 usd diário. O mesmo deveria acontecer com o combate à fome. Fazendo fé nos números oficialmente apresentados, Angola estaria em condições de cumprir, em tempo, esse e outros objectivos definidos pelas Nações Unidas.

12. Ninguém põe em causa a afirmação de que têm sido feitos esforços nesse sentido. Porém, a opinião mais generalizada entre a nossa população é de que estaremos ainda muito longe das metas enunciadas, dado o estado de miséria que se torna visível mesmo à vista desarmada. Não há, pois, coincidência entre o discurso oficial e a opinião popular.

13. Um dos mais respeitados economistas da actualidade, o Professor Jeffrey Sachs, apresentou um plano integrado para a eliminação da pobreza extrema ao nível mundial até 2025. Nesse plano, ele aconselha intervenções em áreas como: habitação, alimentação, educação, cuidados primários de saúde, agricultura, água potável, transportes e comunicações.

14. Essa é, sim, uma visão mais global, que não se baseia apenas no rendimento monetário. A visão monetária descura, por exemplo, a região e o local de habitação do pobre, assim como as diferenças no custo de vida de um país para outro país. Ela apresenta, pois, uma receita única para doentes que sofrem de males específicos.

É O “DÉBRUILLEZ-VOUS!”

1. Saltou à vista de quem escutou o discurso do Presidente José Eduardo dos Santos sobre “O Estado da Nação” o facto de ele não ter dedicado uma única linha à corrupção. Para certos observadores, o descaso pode ter significado o reconhecimento de que JES já não possui “fórmulas mágicas” para uma tão grande empreitada. Para outros, José Eduardo dos Santos poderá mesmo ter já chegado à conclusão de que, fazendo a corrupção corpo com o regime seria, pois, contraditório tentar combater um fenómeno que ali se alimenta.

2. Recordo que foi o próprio Presidente José Eduardo dos Santos quem, há anos, declarou que neste país quase não haveria quem vivesse somente de rendimentos lícitos. (Se não estou em erro, JES falou, especificamente, dos salários).

3. Para a maioria da nossa população, essa afirmação não foi propriamente vista como uma crítica à corrupção mas, sim, como um muito subtil consentimento, um claro “Débruillez-vous!”, ou seja, “Desenrasquem-se!”. Então, depois, foi simples, muitos passaram a agir em conformidade. Foram pisoteando todas as regras, entrando num processo declarado de apropriação ilícita de riqueza, alguns usando a capa de empreendedores.

4. Como diz o velho ditado: “Quem não tem cão, caça com gato”. Por isso, é vê-los hoje a “arranharem” tudo quanto é património público, despudoradamente a delapidarem o erário público, num processo de acumulação do capital que deixaria boquiabertos até os que, há séculos, desencadearam aquilo que ficou consagrado como a acumulação primitiva. Mas, voltemos ao essencial.

5. Depois de, no seu discurso à Nação, discorrer sobre um vasto leque de questões, JES elegeu como preocupações estratégicas para os próximos anos, as seguintes:

a) A preservação da unidade e coesão nacional, com a consolidação da democracia e das instituições;
b) A garantia dos pressupostos básicos necessários ao desenvolvimento, através da estabilidade financeira e da transformação e diversificação da estrutura económica;
c) A melhoria da qualidade de vida e a consequente melhoria dos índices de desenvolvimento humano dos angolanos;
d) O estímulo ao sector privado, em especial ao empresariado angolano;
e) O reforço da inserção competitiva de Angola no contexto internacional.

6. Eu penso que de modo algum será factível a consolidação da democracia e a solidez das instituições se a corrupção continuar a grassar e a corromper a nossa sociedade, como tem sucedido até agora.

7. Mesmo que a corrupção seja reconhecidamente um fenómeno universal, é um facto indesmentível que ela é mais acentuada nas sociedades onde a democracia é débil, ou onde ela é apenas um desígnio teórico. As sociedades mais democráticas procuram aprimorar os instrumentos de seu combate à corrupção. Daí que, frequentemente, surjam a público notícias de acções judiciais contra infractores altamente mediáticos.

8. Nas democracias modernas, o combate à corrupção funciona como um mecanismo de defesa do regime democrático. Entre nós, fica-se com a impressão que a corrupção é essencial ao regime, dando-lhe alma e energia.

9. Ilude-se, pois, quem pensa ser possível desenvolver um país de forma harmoniosa desprotegendo-o contra a corrupção. A corrupção desestabiliza e mina a confiança nas instituições, onera os custos dos bens e dos serviços, promove uma afectação ineficiente dos recursos disponíveis. A corrupção deforma a própria estrutura económica do Estado.

10. Se institucionalizada, a corrupção gera efeitos nefastos sobre o desenvolvimento humano: desacelera o crescimento económico, acentua os níveis de pobreza, dificulta o acesso aos bens e aos serviços básicos, fragiliza a estrutura social, promove o aumento das desigualdades.

11. Embora o Presidente da República tenha elegido, no seu discurso, como questão estratégica o incentivo ao empresariado nacional, eu creio que, nas circunstâncias actuais, tal estímulo permanecerá ainda discricionário, ou seja, continuará condicionado à militância partidária. Isso chama-se corrupção política, e é uma das formas mais gravosas e nefastas de corrupção.

12. Se queremos garantir competitividade internacional, como assinalou JES, temos que estimular os melhores, apoiar os mais competentes, acarinhar os mais dedicados, glorificar os mais criativos. Só assim poderemos produzir com qualidade e oferecer bons preços. A competitividade internacional que nos interessa não é a da venda de matérias-primas, é a que resulta da venda ao exterior de bens e serviços com valor acrescentado nacional. E isso consegue-se com competência – não é com militância partidária.

13. Eduardo dos Santos não está em condições de reconhecer publicamente que organizou um puzzle tal que, mexendo-se numa peça essencial, ruirá toda a estrutura. É por isso que os que o adulam se agarram a ele como náufragos em desespero. É a sua bóia de salvação.

14. O último relatório da Transparência Internacional veio demonstrar que JES se equivocou quando, no seu discurso sobre “O Estado da Nação”, fez descaso do fenómeno corrupção. Angola mantém-se entre os dez países pior colocados no que diz respeito à percepção sobre a corrupção. Entre 178 países avaliados, Angola situou-se na posição 168, sendo apenas ultrapassado por países como a Somália, o Afeganistão ou o Myanmar.

15. Esta é uma realidade que não pode ser posta em causa, muito menos a credibilidade da agência internacional que realiza anualmente o estudo. Não vale a pena tapar o sol com a peneira: o nosso país é muito mal visto internacionalmente.

16. Não é com discursos altamente tendenciosos e enviesados que melhoraremos a nossa imagem pública. Há, pois, que ter coragem de assumir que o barco está a navegar em águas alterosas. Basta olhar para “O Estado do Mar…”

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

1. O drama vivido pelos 33 mineiros chilenos (na realidade são 32 chilenos e 1 boliviano) – retidos durante 69 dias a cerca de 700 metros de profundidade depois de um desabamento – apaixonou o mundo. Não creio que alguém tenha ficado indiferente ao seu sofrimento. Creio também que, não obstante todo o empenho demonstrado pelas autoridades do país em retirá-los do fundo do poço, pairou sempre uma mistura de ansiedade e medo, pois o resultado final poderia ser outro, que não o que, felizmente, se veio a verificar.

2. Os mineiros soterrados trabalhavam numa mina de ouro e cobre, na localidade chilena de São José, uma exploração que já data do ano de 1869 e que antes conheceu 5 outros acidentes fatais. Nesta década, terão já morrido quase 4 centenas de mineiros naquele país, e mesmo no último mês de Janeiro, pereceram ali 31 trabalhadores.

3. Grande parte dos desastres em minas tem origem na violação das normas de segurança por parte dos patrões. De acordo com as recomendações técnicas, as minas devem possuir pelo menos 2 túneis de comunicação com a superfície, para que, face à interrupção de um deles, o trânsito possa fazer-se pelo outro. A mina chilena de São José possuía um único túnel de comunicação que se viu obstruído aquando do desabamento de 5 de Agosto.

4. A falta de condições de segurança na exploração mineira é uma constante também na China, de onde constantemente surgem notícias sobre tragédias do género. Nesse país, somente em 2009, e segundo estatísticas oficiais (de pouca credibilidade), terão morrido mais de 2.700 mineiros envolvidos na exploração de carvão. A pior tragédia desse ano, inclusive, numa mina controlada pelo Estado, aconteceu no nordeste do país, com um saldo fatal de 104 mineiros mortos. Em 2005, no noroeste da China, uma explosão numa mina de carvão fez perder 214 operários. Vemos, pois, que o desenvolvimento económico da China está a ser realizado com um muito elevado custo em desconforto e em vidas humanas.

5. O último desastre do Chile tornou-se, sobretudo, espectacular porque bateu todos os recordes de sobrevivência humana, em condições mais ou menos idênticas. Além disso teve uma cobertura mediática que jamais outro conheceu. Penso que inaugurou uma nova era, permitindo ainda chamar a atenção do mundo para a vida desses homens que se sacrificam muito para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dos seus países. Diz-se que o espírito do mineiro é peculiar.

6. As duras condições de trabalho nas profundezas da terra, e os desastres que lhe são inerentes, embora com nuances e especificidades, são ainda frequentes em outros países como a África do Sul, Ucrânia, Austrália, México, Colômbia, e até mesmo nos Estados Unidos da América.

7. Mais ou menos na altura em que ficaram enclausurados os mineiros chilenos, o mundo recordava os 10 anos decorridos desde que 118 marinheiros russos de um submarino nuclear, o Kursk, se viram envolvidos numa situação dramática no fundo do mar. É que soterramento dos mineiros aconteceu no dia 5 de Agosto deste ano, e o afundamento do submarino nuclear russo no Mar de Barents, teve lugar a 12 de Agosto de 2000.

8. Os marinheiros russos cumpriam uma missão eventualmente de rotina, ou estariam engajados numa actividade específica que jamais foi esclarecida. O que se sabe até agora é que houve uma explosão a bordo, deixando temporariamente vivos 23 dos 118 marinheiros que, infelizmente, também não puderam ser recolhidos. Morreram de morte lenta, por asfixia, talvez mesmo por afogamento dentro do submarino. Os restantes 95 morreram de imediato, na sequência da explosão.

9. As previsões iniciais para a conclusão do eventual salvamento dos mineiros chilenos apontavam para uma duração de até 4 meses – pelo que deveriam ser recolhidos apenas na proximidade do próximo Natal. De imediato, foram tomadas as disposições necessárias para se ir abastecendo os sinistrados, levando-lhes alimentação e água, para além de outro conforto capaz de minorar o seu sofrimento.


10. As autoridades chilenas portaram-se à altura do acontecimento, não desprezando, inclusive, os conselhos técnicos dados por peritos da NASA, especialistas em situações de confinamento humano. Prevaleceu, pois, o bom-senso e o espírito de solidariedade.

11. Não foi isso o que se passou no caso do submarino nuclear pertencente à orgulhosa Frota Russa do Norte. Perante a tragédia, a marinha russa optou primeiro por negar o acidente, vindo mais tarde a reconhecê-lo, mas quando já teriam transcorrido os momentos cruciais para um eventual êxito da operação de socorro. Esse atraso pode ter sido fatal, e veio ainda a ser agravado pelo facto de o Presidente russo, Vladimir Putin – em gozo de férias em Sotchi – ter começado por recusar a ajuda internacional oferecida por países ocidentais, com destaque para os Estados Unidos, Reino Unido e a Noruega.

12. São comportamentos distintos que só podem ser entendidos se tivermos em conta a época em que sucederam mas, sobretudo, a cultura política dos intervenientes.

13. O afundamento do Kursk deu-se poucos anos depois do fim da Guerra-Fria e envolveu um país saído de um regime fechado, desconfiando de tudo e de todos. O soterramento dos mineiros chilenos teve lugar em época de maior distensão internacional, mas, também, num país onde a democracia já é uma realidade – logo, são mais propensos ao respeito pelos direitos humanos e a opinião pública. Penso que estamos agora melhor entendidos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

AFINAL, BRINCADEIRA TEM HORA…

1. As eleições gerais realizadas recentemente no Brasil despertaram uma natural curiosidade em Angola, muito por causa dos laços históricos que nos unem. A curiosidade dos angolanos tem sido estimulada, sobretudo, pela visibilidade que a sociedade brasileira vai tendo entre nós, devido ao impacto da televisão mas, igualmente, pelo intercâmbio cultural que se estabelece. Tudo isso fez com que algumas figuras públicas do Brasil se tenham tornado, também, figuras nossas conhecidas, seja os da política, os do desporto, da música, das diversas artes. Não posso garantir, porém, que o inverso seja verdadeiro. Ou seja, nada me garante que, no Brasil, se conheça também muitas das figuras públicas angolanas, inclusive os endinheirados que gastam parte do seu tempo de lazer passeando-se pelo Brasil, onde possuem propriedades, ou até mesmo fazem negócios.

2. Para além da disputa entre os principais políticos do momento – a dupla “Lula-Dilma”, José Serra, Marina Silva – as eleições do Brasil trouxeram ainda para as primeiras páginas nomes conhecidos fora da política, como os dos ex-futebolistas Romário e Bebeto, ou mesmo Roberto Dinamite e Marcelinho Carioca mas, igualmente, sambistas, pugilistas e até a nadadora Rebeca Guzmão.

3. Contudo, o fenómeno mais mediático da primeira volta das eleições brasileiras foi sem sombra de dúvidas a eleição para deputado federal do humorista Tiririca, com o “score” eleitoral mais elevado no Estado de São Paulo, e de todo o Brasil. Tiririca arrecadou acima de 1 milhão e trezentos mil votos, graças, em parte, à utilização do seguinte slogan de campanha: “Pior do que está não fica, vote Tiririca”.

4. O “fenómeno Tiririca” pode parecer um facto banal – mas não é. Ele começou a ganhar a vida muito novo, com 8 anos de idade, fazendo o papel de palhaço em pequenos circos na sua terra natal, Itapipoca, no Nordeste brasileiro. Depois, gravou um CD, com o apoio de pequenos negociantes da região, um CD que vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. A música do Tiririca ficou famosa em todo o Nordeste e depois estendeu-se por todos os pontos do Brasil. O palhaço Tiririca, animador de pequenos circos, tornou-se, assim, músico, compositor e cantor. Gravou ainda outros CD´s.

5. Tiririca, de seu nome próprio Francisco Everardo Oliveira Silva, passou para a televisão (na TV Record), aumentando a sua fama por causa da maior visibilidade e exposição. Destacou-se, sobretudo, pela participação que teve na Escolinha do Barulho, e a que ainda tem no Show do Tom, com o grande humorista brasileiro Tom Cavalcante. Foi acompanhando o programa Show do Tom que eu percebi o enorme talento de Tiririca, porém, sem me ter passado pela cabeça que algum dia ele iria causar a polémica que se seguiu à sua investida na política.

6. Todos sabemos que a imagem dos políticos no Brasil não conhece bons momentos. Quase diariamente se fala de escândalos envolvendo figuras da política brasileria, quer ao nível estadual, quer ao nível federal. São por demais conhecidas as broncas de deputados, redundando, muitas vezes, na suspensão dos seus mandatos. Por isso, e inteligentemente, o palhaço Tiririca escolheu também para a sua campanha um outro slogan bastante sugestivo, dizendo: “O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vota em mim que eu te conto”. Podemos, pois, perceber agora melhor o papel que o marketing joga numa campanha política. Tiririca já era conhecido e apreciado. Com isso, tornou-se um emblema.

7. O povo está farto de ver “palhaçadas” protagonizadas por políticos, em especial, por deputados. Por que não fazer, então, entrar no “circo parlamentar” um verdadeiro palhaço, um palhaço profissional? O povo brasileiro cansou-se de aturar palhaços ocasionais… Prefere ter lá um palhaço que faz os outros rirem com as suas piadas e diabruras inofensivas. É aqui que está a verdadeira chave do problema. É isso que explica melhor o “fenómeno Tiririca”, o humorista nordestino que conseguiu a maior votação nas eleições brasileiras. Ele pediu que votassem num palhaço verdadeiro, em vez de o estarem a fazer, inconscientemente, em palhaços de fingir… E o povo respondeu com uma votação massiva, sem rodeios…

8. No Brasil, discute-se agora se Tiririca pode (ou não pode) ser deputado. Há dúvidas se ele sabe ler e escrever, conforme obriga a Constituição brasileira. Fontes muito próximas do humorista Tiririca disseram que ele não consegue ler nem uma letra do tamanho de um boi… Outros disseram que, a escrever, Tiririca é ainda pior que o Zeca Diabo… Lembram-se do Zeca Diabo? Aquele da célebre novela brasileira que, há alguns anos, deliciou Angola…

9. Pois é, se o Zeca Diabo, para escrever uma fase, tinha que colocar parte da língua para fora, num dos lados da boca, o eleito deputado Tiririca, para escrever uma simples letra, possivelmente terá que pôr quase toda a língua de fora, imitando os cães quando estão cansados, ou então, quando estão cheios de sede…

10. Espero, pois, que o Tribunal Eleitoral de São Paulo não mande para fora do Parlamento brasileiro o pobre do Tiririca, só porque ele não sabe ler nem escrever…

11. É que, ao votar massivamente no palhaço Tiririca, o povo brasileiro demonstrou que está farto de políticos charlatães: doutores de casaco e gravata, mas sem princípios morais e sem ética, mestres em pirataria, engenheiros da malandragem, arquitectos da trambicagem…

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A SAÍDA DO GENERAL “NGONGO”

  1. A demissão do General Roberto Leal Monteiro, “Ngongo”, do cargo do Ministro do Interior, soou como o estrondo provocado por uma bomba. Tomei conhecimento do facto pela imprensa, quando estava próximo o meu regresso a Luanda, após ter participado numa conferência auspiciada pela Universidade de Wageningen, na Holanda. Os despachos da Agência Portuguesa de Notícias, a Lusa, e também da nossa Angop aludiam à “exoneração” do cargo, e não, propriamente, à sua “demissão” – o que são coisas diferentes, mesmo que, conceptualmente, próximas.

  1. Pensei, então, legitimamente que, face ao sucedido em São Tomé com o cidadão português, Jorge Oliveira, o General “Ngongo” havia tomado ele próprio a iniciativa de solicitar ao Presidente da República, Eduardo dos Santos, que o libertasse daquele cargo, assumindo, assim, a responsabilidade política pelo desastrado acto cometido por elementos organicamente sujeitos à sua tutela.

  1. Conhecendo como conheço o General “Ngongo” – e já lá vão dezenas de anos, desde os nossos tempos do Liceu Salvador Correia –, gostaria que a sua desvinculação do cargo de Ministro do Interior tivesse acontecido por via de um pedido de “exoneração”, e não por “demissão”, sendo esta uma figura mais grave, mais penalizadora.

  1. A exoneração pode decorrer da vontade expressa da própria pessoa que ocupa o cargo. É uma espécie de alívio de carga, de retirada de um peso, de supressão de um ónus. A exoneração pode ainda resultar de iniciativa do superior hierárquico, talvez por este ter constatado que o subordinado tivesse demasiada carga, demasiada responsabilidade, optando, assim, por o aliviar desse ónus.

  1. A figura da demissão do cargo público surge como um castigo, uma penalização resultante de um qualquer incumprimento, pelo cometimento de irregularidade, ou mesmo pela prática de uma ilegalidade – como, afinal, ficou esclarecido no Despacho Presidencial.

  1. Por norma, acompanho de perto o desempenho de um grande número de titulares de cargos públicos. A minha atenção é ainda maior, quando os titulares são pessoas que conheço bem e, sobretudo, que aprecio e respeito (como é o caso). Nunca fico indiferente, também, quando alguém está incumbido de tarefas relevantes para o destino do país.

  1. Por exemplo, durante a guerra, o meu cuidado principal virou-se para as áreas de defesa e segurança, de que dependia a nossa segurança interna e também externa. Porém, com o advento da Paz, virei a minha bússola para a actuação e o desempenho dos responsáveis das áreas económica e social. Nestes últimos tempos, cuido ainda de observar como se portam os serviços tutelados pelo Ministério do Interior, em especial, as suas diversas polícias.

  1. A segurança das fronteiras é crucial para a estabilidade do nosso país. Mas a criminalidade interna tem merecido um cuidado cada vez maior, sobretudo, porque temos perfeita percepção de que ela só pode ser eficazmente combatida se conjugarmos medidas preventivas com medidas repressivas. São com que duas faces da mesma moeda, e devem ser sempre aplicadas de uma forma proporcional, dependendo das circunstâncias.

  1. Pareceu-me, pois, que terá sido essa a razão que determinou a escolha do Presidente da República, Eduardo dos Santos, quando fez do General “Ngongo” Ministro do Interior. Terá achado que ele corporizava a figura capaz de atingir tais objectivos.

  1. Do meu ponto de vista, o General “Ngongo” conseguiu criar uma imagem mais favorável para o complexo aparelho que é o Ministério do Interior. E fê-lo com tenacidade e com persistência. Viu-se-lhe amiudadas vezes uma clara intenção de fazer prevalecer os princípios fundamentais que devem reger o Estado de Direito Democrático.

  1. Não é nada fácil transformar a máquina pesada que dirigiu durante uns bons anos num organismo respeitado. Mas o General “Ngongo” deu continuidade ao trabalho já iniciado pelo infausto General Osvaldo Serra Van-Dúnem, hoje de boa memória e sempre lembrado.

  1. Nos últimos anos, era notório o seu esforço para modernizar os órgãos policiais, sobretudo, para criar uma nova mentalidade, uma nova cultura nos órgãos sob a tutela do Ministério do Interior. Reorganizou a estrutura, admitiu gente nova, gente com formação académica mais elevada, homens e mulheres mais adequados aos crescentes desafios do momento.

  1. Mesmo que sejam ainda apontados repetidos de actos de verdadeira barbárie a polícias – e que chocaram profundamente a opinião pública – íamos já respirando uma nova esperança, uma maior distensão, uma maior confiança.

  1. Apreciei, sobretudo, a realização pela polícia de campanhas de sensibilização dos cidadãos contra práticas incorrectas e contra actos em contravenção às normas socialmente estabelecidas. Por isso, quando soube do desastrado acto que envolveu o cidadão português em São Tomé, fiquei preocupado com a imagem pública do General “Ngongo” e da instituição que dirigia.

  1. Compreendo perfeitamente que o nosso país não pode carregar às costas a imagem de um Estado trapaceiro que “rapta” cidadãos num país estrangeiro – violando a soberania dos outros Estados e desrespeitando as normas do direito internacional. Por isso, o culminar deste episódio tem perfeita justificação – mesmo que eu preferisse que o meu amigo “Nini” Monteiro tivesse ele próprio solicitado a sua exoneração. Seria uma solução menos gravosa, que não mancharia tanto a sua longa folha de serviço público.

  1. Espero, pois, que esse acto sirva para todos reflectirmos seriamente sobre o modo como devemos conviver, quer nas relações institucionais, quer mesmo aqui entre nós, aqui dentro das nossas fronteiras, onde são bem visíveis, e crescentes, as apetências para se fazer do Estado de Direito Democrático uma frase oca e sem sentido.

  1. Neste momento menos bom para o General “Ngongo” – o nosso “Nini” Monteiro do Liceu Salvador Correia – eu quero testemunhar-lhe publicamente o meu apreço, e agradecer-lhe pelo modo como soube interagir com a sociedade, em especial, com comunicação social, de que nunca distinguiu a pública da privada. A ambas deu a dignidade que merecem, sabendo, assim, mostrar o respeito que nutre pelo seu povo – um povo que também ajudou a libertar.