quinta-feira, 28 de outubro de 2010

UMA PERSPECTIVA REDUTORA DA POBREZA

1. No dia 20, o Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola, Koen Vanormelingen, declarou em Luanda, em conferência de imprensa, que a pobreza em Angola, medida em receitas monetárias, baixou de 68% em 2002, para 38%, em 2009. Sendo assim, e com os avanços registados na última década, o nosso país “caminha de forma segura para o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”.

2. A responsabilidade por tais avanços recai sobre o facto de sermos um país que exerce uma forte atracção para o investimento estrangeiro, estarmos em fase de reabilitação das infra-estruturas económicas e sociais, haver já um sensível recuo nos níveis de mortalidade materna e infantil, também por estarmos a aumentar de forma significativa a taxa de escolarização primária e a expandir a nossa rede sanitária, bem como por se verificar um crescente número de quadros técnicos.

3. Porém, o Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola fez ainda referência ao facto de prevalecerem entre os angolanos grandes disparidades que podem pôr em causa, no médio e no longo prazos, o próprio desenvolvimento económico e social. Para ilustrar esse seu relativo pessimismo, referiu a existência de 7 milhões de angolanos a viverem com menos de 1.75 usd, cerca de 1 milhão de crianças fora do sistema nacional de ensino primário, e milhões de pessoas sem acesso a serviços de saneamento adequados.

4. Há dois meses a esta parte, mais precisamente em Agosto, por ocasião da apresentação do primeiro Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População, a Ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço, destacou também alguns avanços registados nesses domínios, comparativamente aos valores evidenciados, no ano de 2001, pelo Inquérito sobre Despesas e Receitas, portanto, pouco antes do término da guerra.

5. A Ministra Ana Dias Lourenço apelidou o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População de o maior inquérito jamais realizado, dado que abrangeu 18 províncias, nas dimensões urbana e rural, tendo-se socorrido de uma amostra de cerca de 12 mil agregados familiares. Na ocasião, ela realçou que o resultado do estudo permitia um melhor conhecimento da vida dos cidadãos e das suas vulnerabilidades, e balançaria o governo para a definição de políticas mais correctas para o combate à pobreza.

6. Modernamente, a problemática da pobreza é vista numa perspectiva mais abrangente do que a que tem sido apresentada pelas Nações Unidas, já porque o rendimento monetário não é suficiente para exprimir devidamente o estado de pobreza. Para as Nações Unidas é considerado “pobre” o indivíduo a quem se atribui um rendimento médio diário inferior a 1 usd.

7. Por sua vez, a Banco Mundial estratifica a pobreza em dois patamares: no primeiro patamar temos a pobreza extrema, no outro, a pobreza moderada. Serão extremamente pobres os que vivem com menos de 1 usd diário, e moderadamente pobres os indivíduos que vivem com menos de 2 usd diário.

8. Estamos, pois, perante duas visões puramente quantitativas e redutoras, a das Nações Unidas e a do Banco Mundial. Qualquer uma delas deixa de fora componentes que se reputam de fundamentais.

9. A concepção moderna da pobreza atende também a outros aspectos para além do rendimento monetário. Por exemplo, a dificuldade de acesso aos bens e a determinados serviços básicos, como água, luz, saúde, educação e habitação, dando assim uma ideia multifacetada da condição de vida dos pobres.

10. O economista do Bangladesh e Prémio Nobel da Paz 2006, Muhammad Yunus, vai ainda mais longe ao considerar pobre “quem está inseguro quanto ao futuro e sem previsão dos rendimentos que terá para sobreviver”.

11. Combater a pobreza e a fome é o primeiro desígnio definido pelas Nações Unidas no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Até 2015, os Estados comprometeram-se a reduzir para metade a população extremamente pobre, ou seja, aqueles que sobrevivem com menos de 1 usd diário. O mesmo deveria acontecer com o combate à fome. Fazendo fé nos números oficialmente apresentados, Angola estaria em condições de cumprir, em tempo, esse e outros objectivos definidos pelas Nações Unidas.

12. Ninguém põe em causa a afirmação de que têm sido feitos esforços nesse sentido. Porém, a opinião mais generalizada entre a nossa população é de que estaremos ainda muito longe das metas enunciadas, dado o estado de miséria que se torna visível mesmo à vista desarmada. Não há, pois, coincidência entre o discurso oficial e a opinião popular.

13. Um dos mais respeitados economistas da actualidade, o Professor Jeffrey Sachs, apresentou um plano integrado para a eliminação da pobreza extrema ao nível mundial até 2025. Nesse plano, ele aconselha intervenções em áreas como: habitação, alimentação, educação, cuidados primários de saúde, agricultura, água potável, transportes e comunicações.

14. Essa é, sim, uma visão mais global, que não se baseia apenas no rendimento monetário. A visão monetária descura, por exemplo, a região e o local de habitação do pobre, assim como as diferenças no custo de vida de um país para outro país. Ela apresenta, pois, uma receita única para doentes que sofrem de males específicos.

1 comentário:

  1. Acho que os outros países da SADC poderiam servirmos de barómetro para o combate à pobreza. Como por exemplo, o salário minino em Angola ronda aos 100 USD, uma taxa mais pragmática, tendo em conta a oscilação do câmbio. Em países como a Africa do Sul, a Namíbia e Moçambique, com o mesmo valor de 100 USD, o indivíduo tem mais margens de manobra. É claro, que aqui estamos diante de uma moeda forte, como é o caso do Rand sul-africano, mas ainda assim, o exemplo pode servirmos para alguma coisa. O governo de Angola definiu como parceiros estratégicos (Portugal, o Brasil, a China e o EUA). Parece-me que se continua a ignorar a mais-valia que poderíamos aproveitar, caso tivéssemos, para além de uma relação de boa vizinhanças, evoluíssemos para relações comerciais fortes, com benefícios mútuos. De uma forma informal, até já existe relações comerciais. É só pensar o número semanal de voos com destino as cidades sul-africanas carregados, na sua maioria, de comerciantes angolanos que utilizaram o mercado interno sul-africano para o abastecimento dos seus estabelecimentos. Um governo com estratégia regional forte e coerente com a nossa realidade, deveria tirar partido dessa relação já existente. Será tarefa dos nossos economistas contabilizarem a remessa mensal ou anual do dinheiro que é deixado pelos comerciantes angolanos nos mercados da Africa do Sul, Brasil, Portugal, e mais recentemente, da China e Taiwan. isso daria numa interessante tese de doutoramento ou mesmo num trabalho de investigação.
    Saudações,
    Gilson Lázaro

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