sexta-feira, 29 de abril de 2011

PODERÃO ATÉ MORRER DA CURA…

  1. A realização do VI Congresso do Partido Comunista Cubano foi dos acontecimentos mais simbólicos da última semana, pelos resultados inovadores que produziu e, também, pela saída de cena de Fidel Castro. Vou, pois, discorrer sobre algumas das decisões que foram tomadas nesse histórico Congresso.

  1. No domínio económico, em especial, os comunistas cubanos decidiram cortar a porção mensal de alimentos que eram distribuídos à população, optaram por estimular a iniciativa privada, e prometeram reduzir substancialmente o quadro do funcionalismo público.

  1. No plano estritamente político, para além da passagem a reforma do seu dirigente histórico, Fidel Castro, os comunistas cubanos estão também em vias de limitar para cinco anos os mandatos dos futuros líderes, incluindo o do presidente da República, podendo, contudo, repetir-se os mandatos por mais cinco anos.

  1. Desde que se deu a desvinculação militar cubana do processo político angolano, aquele país latino-americano deixou de ser um parceiro estratégico de Angola, porque, entretanto, se reduziram as restantes áreas de intervenção. Contudo, o que se passa hoje nesse país é, entre nós, seguramente, objecto de grande atenção, pois os dois países forjaram laços históricos que não serão facilmente esquecidos – independentemente da avaliação que cada um faça do carácter de tais laços.

  1. Era perceptível que o subsídio aos alimentos instituído em Cuba visava garantir uma subsistência mínima a cada cidadão. Mas, ao longo do tempo, tal prática assistencial terá, seguramente, criado vícios e até mergulhado os cubanos numa cultura de crónica dependência face ao Estado.

  1. Durante dezenas de anos os cidadãos cubanos foram mentalizados de que essa seria uma das mais importantes funções do Estado. E mais, que se tratava de uma das vias pela qual o Estado estabelecia a justiça social. Para o regime comunista cubano garantir a subsistência mínima evidenciava, pois, a autoproclamada superioridade moral do seu Estado.

  1. O subsídio aos alimentos e outras responsabilidades sociais e económicas do Estado oneraram demasiado a despesa pública, colocando-o às portas da falência técnica, como publicamente admitiu o actual dirigente máximo do país, Raul Castro.

  1. Um Estado falido não pode continuar a manter esses e até outros compromissos. Um Estado falido perde competitividade face a terceiros, num mundo cada vez mais globalizado.

  1. Em si, a vertente assistencial do Estado não é um erro, mas torna-se insuportável quando ultrapassa determinados limites, a partir dos quais o Estado se manieta e, a prazo, fica incapaz de realizar cabalmente as restantes funções que são de sua obrigação.

  1. O Estado cubano está, sim, falido e a sua classe política começou a fazer uma inversão de marcha de que ainda não se sabe onde parará.

  1. Ao longo destes anos, o Estado cubano poderá ter gerado homens e mulheres incapazes de sobreviver sem que alguém os ampare e aconchegue. Adivinham-se, pois, momentos muito difíceis que podem ser o presságio de ondas de contestação de resultados incalculáveis.

  1. Para que uma sociedade se desenvolva, para além da acção do Estado, há também que atender ao papel do sector privado da economia. Ao Estado competirá ocupar-se apenas de algumas áreas económicas. E no que diz respeito ao apoio social, o seu cuidado deverá preferencialmente ser dedicado aos mais débeis, aos que, temporária, ou definitivamente, perderam capacidade para subsistir pelos seus próprios meios.

  1. Em Cuba, o Estado tomou conta de tudo, fez desaparecer a iniciativa individual e transformou o indivíduo numa peça da vasta engrenagem controlada, por controlo remoto, pela máquina do Partido Comunista. É essa, talvez, a principal razão do seu actual subdesenvolvimento, mesmo que se orgulhem de possuir um sistema de saúde e um sistema de educação abrangendo toda a sociedade. Contudo, até agora, os cubanos apenas referiam os danos causados pelo bloqueio norte-americano, esquecendo-se dos erros do próprio sistema. Pelo menos, publicamente.

  1. A riqueza das sociedades democráticas advém precisamente do facto de elas darem mais espaço ao indivíduo, permitindo que ele se exprima, que manifeste a sua capacidade e que evidencie a sua criatividade. Sendo responsável pelo seu próprio destino, o indivíduo cuida melhor de si e também do seu património. A transferência de toda a riqueza e de todo o património para a esfera do Estado desestimula o indivíduo, limitando o entusiasmo da sua participação.

  1. São, sobretudo, esses contributos individuais que fazem das sociedades democráticas mais ricas e mais competitivas. Um ser livre cria coisas novas que também beneficiam os outros, pelas relações de compra e venda. As sociedades democráticas são, assim, mais dinâmicas, porque há muita gente a criar.

  1. A busca do lucro também não é um mal, como se ensinou, durante muitos anos, aos cidadãos cubanos. O lucro só é um mal quando é obtido injustamente e quando se torna leonino. Ao Estado compete, então, intervir, para garantir ajustes e equilíbrios, utilizando para tal o processo de redistribuição da riqueza e do rendimento nacional.

  1. Outro erro capital de sociedades como a cubana é a ideia de que existem pessoas mais adequadas do que outras para salvaguardar o interesse nacional. Foi essa prática que provocou o imobilismo em que a sociedade cubana caiu, já que, cada vez mais, as sociedades têm que se renovar, mesmo até do ponto de vista geracional.

  1. Os chamados “guardiões da revolução” tornam-se mesmo um obstáculo ao desenvolvimento social, pois deixaram de ser capazes de entender o sentido da história e não conseguem sobreviver a uma verdadeira competição política. Foi isso que fez com que, até a pouco tempo, as prisões cubanas estivessem cheias, e por isso também milhares e milhares de cubanos optaram pelo exílio, indo contribuir para o enriquecimento de outros países, em especial, os EUA.

  1. É pena que os dirigentes cubanos tenham resistido tantos anos aos desafios da modernidade e se tenham tornado tão adversos aos valores que balizam as sociedades livres e democráticas. Agora, eles vão, seguramente, deixar como herança uma multidão de cidadãos impreparados para a competição internacional. Tal como aqui, será do seio da classe governante que emergirão os novos-ricos, feitos empreendedores por via administrativa e à custa do erário público. Emergirão, inevitavelmente, massas enormes de descontentes e inadaptados que se tornarão um factor de permanente instabilidade. Serão esses revoltados que irão apontar o dedo acusatório aos gerontocratas que, mesmo assim, ainda teimam em governá-los.

  1. Seria bom que tivessem entendido tudo isso muito mais cedo, e, assim, os danos até seriam menores. Seria bom que tivessem feito atempadamente a leitura do que se passava na China, que iniciou as suas reformas económicas em 1978, ou mesmo no Vietname, que as implementou a partir de 1986.

Cuba perdeu dezenas de preciosos anos. Agora, nem sei mesmo se até não morrerá da cura…

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