quinta-feira, 19 de maio de 2011

HISTÓRIAS DE SINAL CONTRÁRIO

1. Aprendi que não nos devemos congratular com a morte de alguém e mantenho-me fiel ao princípio, não propriamente por motivos religiosos mas, sim, por razões de ordem ética e moral. Mas, na vida política, a morte de alguém pode mesmo causar reacções inesperadas, por vezes, até de tons distintos: por exemplo, há quem festeje, há quem apenas aplauda, há também os que se mantêm circunspectos e praticamente indiferentes, e até os que lamentam ou choram copiosamente. É verdade, somente a política é capaz de gerar reacções tão contraditórias.

2. Por exemplo, as mortes de Joseph Stalin, Malcolm X, Patrice Lumumba, de modo algum provocaram os mesmos sentimentos de pesar que as de Ernesto Che Guevara ou Martin Luther King. Eu tenho memória de algumas dessas reacções, excepto no caso de Joseph Stalin.

3. Hoje, aponta-se Joseph Stalin como responsável pelo cometimento dos crimes mais hediondos, embora haja quem o veja apenas como um dos grandes vencedores da luta contra o nazismo.

4. Quando Stalin morreu, no dia 5 de Março de 1953, o movimento comunista em todo o mundo sentiu como que uma grande perda, ao ponto de, na União Soviética, os operários o terem tributado com uma homenagem de 5 minutos de profundo silêncio. Nas outras partes do mundo, muitos operários também se solidarizaram com os congéneres soviéticos. Foram aos milhões os que acompanharam o enterro de Stalin. Contudo, se nos debruçarmos com atenção sobre a história, veremos também que foi Joseph Stalin quem mandou assassinar Trotsky – o seu principal opositor interno, morto a machadada quando se encontrava exilado no México.

5. Joseph Stalin fez sucessivas purgas no seu partido e no exército soviético, e deslocou, compulsivamente, dos seus lugares de origem milhões de pessoas. Pelo menos em parte, foi ele que criou o quadro demográfico de que muitos países ainda hoje se ressentem e que explica determinados conflitos de difícil solução. Todavia, confere-se, igualmente, a Joseph Stalin o mérito de ter feito da União Soviética uma superpotência mundial, com um Império ao seu redor de proporções extraordinárias.

6. Durante o XX Congresso do Partido Comunista, o sucessor de Stalin, Nikita Khrushchov, apontou-o como o responsável pela morte de milhões de pessoas, ele que era, até então, tido por muitos como “O Pai dos Povos”.

7. Malcolm X foi dos mais controversos líderes negros norte-americanos. Teve uma infância problemática e uma adolescência prenhe de episódios chocantes. Quando se encontrava preso, converteu-se ao islão, passando a seguir o pensamento de Elijah Muhammed, líder da Nação do Islão e a dedicar-se, com enorme tenacidade, à luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos.

8. Inicialmente, Malcolm X apostou na separação das raças e na criação de um Estado independente destinado aos negros. Entrando em contradição com o seu mentor, Elijah Muhammed, e tendo rejeitado o projecto inicial, é assassinado com 13 tiros, na presença da mulher – que estava grávida – e das quatro filhas. A morte de Malcolm X despoletou reacções de sinal contrário, fruto da sua trajectória e do seu discurso empolgante. Homem controverso, ele inspirou alguns movimentos negros como, por exemplo, os Panteras Negras.

9. Patrice Lumumba teve também uma existência relativamente efémera e, tal como Malcolm X, cheia de episódios marcantes. Morreu aos 35 anos de idade. Foi, sem sombra de dúvidas, o mais conhecido lutador pela independência do Congo do julgo colonial belga e um inequívoco defensor da unidade dos povos africanos contra o colonialismo. Ainda hoje, é visto como um dos grandes símbolos do período áureo das independências africanas.

10. Em pouco tempo, Lumumba transformou-se no alvo privilegiado dos seus adversários internos que o derrubaram do cargo de primeiro-ministro ao cabo de 10 semanas de mandato. Aprisionaram-no e assassinaram-no, com a cumplicidade e o apoio dos governos belga e norte-americano – para gáudio dos colonos sedentos de vingança pela sua popularidade junto dos povos negros. Patrice Lumumba tem hoje o seu nome imortalizado numa Universidade na Rússia.

11. Inspirando embora um aceso ódio nos sectores mais conservadores dos Estados Unidos da América, Martin Luther King é um dos grandes ícones desse país, graças ao seu papel inigualável na luta pelos direitos cívicos dos negros norte-americanos.

12. À semelhança dos líderes negros que antes citei, Martin Luther King é assassinado ainda relativamente jovem, um ano antes de completar 40 anos de idade, em 1968. Pastor protestante, vigoroso tribuno, intelectual de múltiplas facetas, foi, ara todos efeitos, o grande impulsionador de uma campanha de transformação social por métodos não violentos e de amor ao próximo. O seu percurso ganhou relevância logo após o episódio que envolveu Rosa Parks, a mulher negra que negou obediência às regras discriminatórias que vigoravam nos transportes norte-americanos.

13. É famoso o papel do Dr. King no boicote aos transportes de Montgomery por si co-liderado e tido como o ponto de partida para a longa marcha pela igual de direitos dos negros. A trajectória de luta seguida pelo Dr. King foi distinta da de Malcolm X, mesmo que a reivindicação fundamental dos dois fosse a mesma: os direitos civis.

14. Há já unanimidade em torno da figura do Dr. King e do seu papel na história, e a América rende-lhe todos os anos a mais elevada homenagem: desde 1993, e na terceira segunda-feira de Janeiro, a América pára e faz feriado nacional: é o Dia de Martin Luther King.

15. Como Martin Luther King, “Che” Guevara também morreu aos 39 anos de idade, depois de uma vida aventureira. Morreu na selva boliviana. Em poucos anos de vida, “Che” Guevara foi tudo isto: médico, guerrilheiro, escritor, jornalista. Abraçou e amou duas pátrias: Cuba e Argentina. “Che” queria abraçar todo o mundo no projecto de transformação social que animou a sua curta vida. O campo privilegiado da sua acção foi a América Latina, mas as lutas independentistas africanas também lhe mereceram a atenção e o alento. Inclusive, a nossa luta.

16. Ernesto “Che” Guevara tornou-se o símbolo mundial da rebeldia, mesmo que se lhe apontem erros na condução das lutas em que se envolveu e até durante o período revolucionário em Cuba, de que foi um dos máximos dirigentes. O retrato de “Che” Guevara, colhido por Alberto Korda, tornou-se uma das imagens mais disseminadas pelo mundo. E o seu assassinato ainda emociona muita gente.

17. A morte de Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda, no dia 1 de Maio, gerou a soma de todos os sentimentos que as figuras antes citadas recolheram – pela complexidade da sua personalidade e pela sua trajectória de vida. Cada um de nós poderá mesmo invocar razões suficientes para justificar o comportamento que teve face à notícia da sua morte.

18. Ao tomarem conhecimento do resultado da operação que acabara de ocorrer no Paquistão, milhares de norte-americanos saíram à rua, rejubilando. Finalmente, soldados especiais norte-americanos haviam caçado e eliminado o homem que ordenara o ataque às Torres Gémeas de Nova York, no dia 11 de Setembro de 2001, e de que resultara a morte de cerca de 3.000 indivíduos de várias nacionalidades, muitos deles tão muçulmanos como Osama Bin Laden.

19. Antes desse ataque traiçoeiro, Osama Bin Laden ordenara outros ataques igualmente mortíferos a embaixadas norte-americanas no Quénia e na Tanzânia, matando e ferindo centenas de pessoas. Corria então o ano de 1998. Fê-lo, também, relativamente ao navio dos Estados Unidos USS COLE, que se encontrava atracado no Yémen, no ano 2000.

20. Mesmo que se tenha baseado no Afeganistão e, depois, refugiado no Paquistão, a acção de Osama Bin Laden tornou-se transfronteiriça e privilegiou sempre o terror. Osama Bin Laden não pretendeu governar um qualquer Estado ou impor uma ordem mundial mais justa e mais inclusiva. Perseguiu uma acção vingativa contra quem não se identificasse como muçulmano; e mais ainda, quem não se identificasse como um muçulmano radical. Por isso, esse homem nunca será capaz de gerar emoções maioritariamente positivas, mesmo que tenha seguidores fiéis por quase todo o mundo.

Depois da sua morte, uma parte do mundo respirou de alívio – creio que a maior parte. A outra parte – minoritária – vai continuar a chorá-lo como mártir, como se o radicalismo e o fanatismo religioso fossem compatíveis com a modernidade e, em especial, com as liberdades, elas que são as causas mais saudáveis para os grandes homens abraçarem.

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