quinta-feira, 19 de maio de 2011

O TERROR DOS TALIBÃ

  1. A notícia surgiu chocante, mas não surpreendeu: “Talibã realizam ataque no Paquistão, com um saldo de, pelo menos, 80 mortos e centena e meia de feridos. Dizem querer vingar a morte de Osama Bin Laden.” Era previsível que tal aconteceria, porém, com a seguinte incógnita: quando e onde? Pois é, a carnificina ocorreu numa academia paramilitar do Paquistão que adestra recrutas para a guarda fronteiriça. Chegaram ainda mais pormenores: a academia localiza-se em Charsadda, no norte do Paquistão – uma cidade rodeada de campos de trigo, a 135 quilómetros de Islamabad, a capital do país, na fronteira com o Afeganistão, a 35 quilómetros de Peshawar.

  1. Tive também a oportunidade de ler parte das palavras do porta-voz dos talibã, na mensagem telefónica que transmitiu à agência noticiosa britânica Reuters: “Esta é a primeira vingança pelo martírio de Bin Laden. Vai haver mais e maiores no Paquistão e no Afeganistão”. Está, pois, tudo dito, sem quaisquer reticências: a sanha assassina está à solta; e, novamente, sem controlo.

  1. Digo que a sanha assassina está sem controlo, porque a vingança pela morte de Bin Laden será praticada, pelo menos, por dois grupos: os talibã, que obedecem a um comando centralizado, e a Al-Qaeda que, depois da ofensiva americana que pôs fim ao poder talibã no Afeganistão, evoluiu para uma estrutura com células a operarem com demasiada autonomia. Por isso, vão espalhar o terror um pouco por todo o lado, sem obedecerem a um comando único. Será a pulverização do terror.

  1. Foi essa a explicação – ainda que demasiado simplificada – que prestei a um amigo que me questionou sobre o significado e o alcance do recente ataque do grupo talibã no norte do Paquistão. Prometi-lhe também que o resto, sobretudo o pano de fundo de tudo isso, eu tentaria explicar mais minuciosamente na minha próxima crónica. Portanto, nesta que aqui vos apresento. Creio ser melhor assim, pois, eventualmente, poderei ajudar mais pessoas a compreenderem o que se passa naquela parte do mundo.

  1. O movimento talibã nasceu no Paquistão, aquando da invasão soviética ao Afeganistão. Surgiu com um forte suporte norte-americano e também dos serviços secretos do Paquistão, aliados dos EUA. Apareceu como um movimento fundamentalista islâmico, munido de estrutura política e militar. O recrutamento das suas bases faz em especial no seio do grupo étnico pashtun, disseminado pelo Paquistão e pelo Afeganistão. Os talibã eram chamados “Estudantes de Teologia”, e provinham de campos de refugiados, sendo, sobretudo, formados ideologicamente nas madrassas, as escolas islâmicas, onde também recebem treino militar.

  1. O êxito inicial do movimento talibã deveu-se à desorganização dos grupos que se instalaram no poder no Afeganistão, depois da derrota soviética. Tais grupos protagonizaram inúmeras e constantes lutas internas que lançaram o país no caos e facilitaram a entrada em Cabul dos talibã, mais estruturados, organizados e mais coesos. Pretenderam estabelecer um Estado teocrático, de acordo com os princípios do Islão, nas vertentes, política, cultural, social económica e jurídica.

  1. Os talibã derrubaram o Presidente Rabbani e o chefe militar, o lendário Comandante Massoud. Senhores da capital do país, passaram a implementar a sua lei, a ferro e fogo, cometendo inúmeros assassinatos, inclusive, o do ex-presidente Najibullah.

  1. Chamou especialmente a atenção do mundo a destruição, em Março de 2001, das estátuas milenares dos Budas de Bamiyan, consideradas Património da Humanidade pela UNESCO. Para os talibã, tais estátuas seriam ídolos, e os ídolos são contrários aos preceitos do Alcorão.

  1. O ataque às Torres Gémeas de Nova York, perpetrado por homens da Al-Qaeda, a mando de Osama Bin Laden, ditou a sorte dos talibã que foram desalojados do poder pelos norte-americanos.

  1. Hoje os talibã levam a cabo actos de guerrilha que se estendem por toda a sua zona de influência, no Afeganistão e no Paquistão. Contam ainda com a solidariedade militante de outros extremistas islâmicos idos de todo o mundo, mas, muito em especial, da Chechénia, Uzbequistão, Tajiquistão, de vários países árabes.

  1. O Mullah Omar, o líder dos talibã, vive escondido. Suspeita-se que no Paquistão – tal como estava Osama Bin Laden – de onde dirigirá a acção do movimento.

  1. O ex-presidente dos EUA, George W. Bush, pretendeu derrotar no terreno os insurgentes do Iraque e do Afeganistão. Não conseguiu, nem com uns, nem com outros. Deixou, sim, a “batata quente” nas mãos do seu sucessor, Barack Obama que, reformulando a estratégia, deu um tratamento diferenciado aos dois cenários de guerra: intensificação da acção militar no Afeganistão e a busca de um desengajamento progressivo das forças militares do seu país do teatro de guerra do Iraque.

  1. Porém, Barack Obama ter-se-á posteriormente apercebido da dificuldade de vencer a guerra no Afeganistão e, por isso, exercita uma nova estratégia que passa pela busca de um entendimento capaz de levar à participação dos próprios talibã na vida política interna. Será, julgo eu, um exercício demasiado difícil, pelo carácter extremista desse grupo, que é incapaz de coexistir com a diferença e um figadal inimigo de toda diversidade.

  1. Quando se luta pela imposição de um Estado teocrático, por definição, não se aceita a pluralidade religiosa ou outra qualquer pluralidade. Nos tempos modernos, a laicidade do Estado é um dos pressupostos basilares da democracia, e esta funda-se, como é lógico, na multiplicidade de ideias e na rotatividade do poder.

  1. Desconfio que, depois de Bin Laden, talvez o Mullah Omar venha a ter o mesmo destino.

Sem comando único e de cabeça perdida, talvez o grupo talibã se dissemine, passando, então, a empreender actos suicidas até que, finalmente, desapareça para sempre. Nessa altura, terão já semeado a dor e o luto por toda a parte por onde passarem. Eu desejo que esse seu percurso seja o mais curto possível, para o bem da humanidade!

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