quinta-feira, 25 de agosto de 2011

UM PARLAMENTO ATÍPICO

  1. Depois de uma curta ausência, cá estou eu de regresso. Retomei, por isso, os meus habituais comentários na rádio. Mas, devo dizer que, mesmo à distância, fui sempre remetendo as minhas habituais crónicas, e uma delas sob a forma de “postal”.

  1. Já tiveram oportunidade de reparar que os meus “postais” são algo “atípicos”, como são “atípicas” muitas das coisas que passaram a acontecer entre nós. Os meus “postais de viagem” chegam sem imagens, e não são acompanhados daquelas cores e formas que dão beleza aos outros postais, os postais clássicos a que fomos, afinal, estamos mais habituados. Os meus “postais de viagem” são apenas mensagens que relatam factos, traduzem ideias, descrevem pormenores sobre os mais diversos assuntos.

  1. De uma forma geral, os meus “postais de viagem” expressam alguns dos meus afectos, o meu carinho pelas pessoas, o modo como vejo as localidades. Por vezes, eles também abordam uma qualquer perspectiva da própria história.

  1. Os meus “postais de viagem” são o espelho da minha alma, porque, com eles, eu quero comunicar com as pessoas, abraçar-me a elas, envolvê-las neste calor que sinto dentro de mim quando me deparo com algo que me entusiasma e prende a minha atenção.

  1. Não costumo utilizar um “postal de viagem” para tratar de cosias desagradáveis. Procuro fugir às coisas menos simpáticas, para evitar ser contaminado e envolver-me emocionalmente naquilo que é menos bom, a exemplo daquilo o que se viveu na última semana aqui em Luanda. Mesmo que, no fundo, eu tenha sabido de tudo. Ou melhor, eu soube de algumas coisas…

  1. Percebi, por exemplo, que o clima político interno aqueceu e, no Parlamento, chegou mesmo ao rubro. Houve quem me tenha dito que ele quase atingiu clímax. Vejam só o teor de mensagem que recebi: “Sessão de xinguilamento na Casa das Leis. Deputados do “maioritário” gritaram, insultaram, ofenderam mesmo, como se tivessem ‘calundús’”.

  1. Logo-logo, pensei que alguns desses deputados estariam possuídos por espíritos alheios vindos não sei de onde… Será que teriam vindo dos fundos dos infernos? Seriam daqueles assim que convivem muito de perto com o belzebú, com o mafarrico, com o príncipe dos demónios?

  1. Ou, então, seria apenas um dos efeitos colaterais dos desmaios que vão ocorrendo um pouco por todo o país e que ainda não têm explicação? Como eu disse numa das minhas últimas crónicas: se não são motivados por intoxicação, nem mesmo são histeria colectiva (uma solução o nosso povo já recusou liminarmente), então, serão o fruto de um feitiço muito forte – uma daquelas ‘makumbas’ importadas do Zaíre… Dizem até que no Zaíre se compra ‘makumba’ nos mercados, e podemos levá-la em rodelas, em pó em pequenos pacotinhos, e até em frasquinhos de perfume.

  1. Mesmo assim, não pus de todo de parte a hipótese de os maus espíritos que tomaram conta de alguns deputados serem apenas uma simples transladação espiritual temporária de alguns espíritos vagabundos. Ou seria a encarnação selectiva do mafarrico nalguns dos corpos eleitos em 2008 e com 82% dos votos?

  1. Xinguilamento assim não é para gente do povo, porque gente do povo tem fome e não pode despender tanta energia… Pois é, o xinguilamento do povo é mais contido: só esperneiam e fazem contorções, reviram os olhos e batem com as palmas das mãos no chão. E, depois, perdem a consciência por poucos minutos. Para serem acordados, basta dar-lhes um pequeno tapa na bochecha. E lá está a dona, de novo de pé, com as mãos na cintura, ajeitando os cabelos, a arranjar a carapinha desarranjada. E, pronto, fica tudo como dantes…

  1. O xinguilamento do deputado “maioritário” tem outros contornos. Tem outros ingredientes, porque ele não salta do banco de madeira, ou de fibra acrílica, ou de fita plástica (como o do povo). Quando se prepara para xinguilar, o deputado “maioritário” pula de uma cadeira estufada. Se cair, cai sobre uma alcatifa – sempre é mais seguro. Ainda por cima, é fofo. É tudo, afinal, uma questão de estatuto: Gente fina é outra coisa…, até mesmo quando está com ‘calundús’.

  1. E se for deputada “maioritária”, como é que será o xinguilamento? Vou tentar descobrir… Antes do início da sessão de xinguilamento, a deputada “maioritária” ajeita o cabelo; se for deputada carapinhosa, e como, geralmente, usa peruca daquelas especiais – ou não fosse a ilustre senhora também uma deputada especial… – então ela espeta todos os dedos dentro do postiço, e agita-o, para impressionar; depois, liga o microfone com um clique – naquele jeito de quem vai dizer uma frase que ficará para os anais da história; de seguida, olha para os dois lados da vasta sala parlamentar, com um ligeiro sorriso cúmplice para os seus correligionários – como que a pedir assentimento (um assentimento que tanto pode ser explícito como implícito), por uma questão de disciplina partidária.

  1. Se a nossa deputada “maioritária” usar óculos, dá-lhes um toquezinho, para os endireitar – ficaria mais chique deixá-los cair ligeiramente ao longo do nariz. Dava-lhe um ar de pessoa inteligente e muito preocupada com o conteúdo do seu discurso. Logo depois, e sem perder o fôlego, a deputada “maioritária” começa a despejar cobras e lagartos… Da sua boca ainda besuntada de batom, seguidinho, e quase que cronometrado, sai de tudo: insultos, impropérios, até “faltas de abuso” – como diz o nosso povo. Saem também acusações, recriminações, e tudo mais. Finalmente, e depois de tanta exaltação, a deputada “maioritária” cala-se. Fica com a sensação de missão cumprida.

  1. Por norma, segue-se outro deputado “maioritário” (eles são bwé), ansioso por tomar a palavra. Esse também quer sair bem na fotografia… E vem dizer a mesma coisa, como se estivesse a recitar uma cartilha: “a guerra, as mortes, a destruição, as bruxas na fogueiras”. Depois vêm “as traições, o imperialismo, o apartheid, os racistas sul-africanos…” E, para terminar, já ofegante: “a inveja, o despeito, o “deixem-nos trabalhar pelo bem do povo”, ‘o “M” é o povo e o povo é o “M”’, o pensamento estratégico do camarada presidente sem o qual não seríamos nada e até mesmo o país já teria deixado de o ser…”. Segundo se diz, há mesmo quem já tivesse terminado o seu “discurso histórico” com um “xôxo” e a pôr língua de fora, como que a querer dizer: “Uoh!!! Te pus barra!...”.

  1. Se estivesse em Luanda, quando se deu a recente sessão de “xinguilamento” no nosso Parlamento, eu teria aconselhado os deputados “possessos” a consultarem o substituto legal do “Velho João-Diá-Nzambi”, para ele – no seu saber ancestral, herdado do grande adivinho e curandeiro – lhes receitar um “milongo” muito forte, capaz de os libertar dos maus espíritos…

  1. Soube que houve deputados do “maioritário” que tiveram a perigosa e triste iniciativa de esgrimir argumentos étnicos, para assim mais facilmente rebaterem as ideias políticas apresentadas por deputados da UNITA. Isso à propósito do Pacote Legislativo Eleitoral…E mais ainda: que alguns deputados do “maioritário” reagiram ao protesto dos deputados da UNITA com apupos e insultos de baixo jaez.

  1. Inclusive, li que uma deputada do “maioritário” chegou a um tal êxtase no seu “xinguilamento” que fez lembrar a “Joana Maluca” nos piores momentos: desgrenhou-se e perdeu a maquilhagem. Se, de facto, a tal deputada “maioritária” tinha verniz, então, naquele momento todo ele se quebrou ali mesmo, na presença dos nossos representantes, tanto os da “posição” como os da oposição. Ai, como é doce e saboroso ser-se do Poder… Ser-se sempre do Poder, em qualquer Poder… Mesmo até que o Poder faça uma pirueta numa reviravolta de 180 graus… Bom, podem ser apenas alguns lapsos de memória!...

  1. Não vi imagens de televisão, porque estava longe e a nossa TPA tem alcance limitado. Mas houve quem me tivesse dito que a deputada mais “assanhada” fazia lembrar a “Madame Min” – aquela da Disney – a ensaiar um duelo de magia com o “Mago Merlin”, o mestre do jovem Rei Artur. Disseram-me também que os outros deputados “assanhados” – os sempre de serviço – faziam lembrar o “Bibi-Aluluxa”, aquele dos meus tempos de miúdo do Bairro Marçal, aquele que, por volta das 10 horas da manhã, após 3 ou 4 “copos-de-15” já não se lhe entendia o que dizia. Falava só… Parecia que queriam lutar ali mesmo, na Casa das Leis…

  1. De modo algum devo estranhar o que aconteceu no nosso Parlamento, no dia em que se aprovou o documento que vai permitir fazer passar o Pacote Legislativo Eleitoral. Em outros parlamentos, até mesmo em países democráticos, a pancadaria entre os eleitos não é novidade. Isso já não escandaliza ninguém. Há mesmo socos, arremesso de papéis. Voam sapatos. Puxam-se os cabelos e as gravatas dos adversários. Dão-se mesmo “baçulas”. Já vi até parlamentares japoneses a darem ‘quedas-a-pescador’ a outros deputados. Só que isso é lá na Ásia…

  1. No parlamento de Taiwan, por exemplo, não há muito tempo, um deputado “zangulou” um adversário. E os seus colegas de bancada do deputado “zangulador” gritaram, eufóricos: “Muá-lá-lá”… Claro, gritaram “Muá-lá-lá”, mas, em chinês de Taiwan, para serem entendidos. No troco, e para estimularem o colega que ainda hesitava, os deputados da outra bancada responderem: “Bi-lo! Bi-lo! Bi-lo!”. No balanço, saíram cabeças partidas, narizes quebrados. Óculos desaparecidos, fatos amarfanhados.

  1. O continente asiático é ainda hoje o líder neste tipo de comportamentos. É o campeão destacado em imagens (que já não são inéditas) de pugilato parlamentar, onde se mistura “kung fu” com “wrestling”, e até mesmo com “kick boxing”.

  1. Se prosseguirmos no ritmo actual, dentro em breve, seguramente, estaremos em condições de disputar a liderança da arruaça parlamentar com os asiáticos.

Por que não propormo-nos a organizar um torneio internacional dessa nova modalidade parlamentar? Por que não mesmo, ganharmos, já que “estamos sempre a subir”? Seria assim mais uma taça para o nosso país. O que até é muito bom em período eleitoral…

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