sexta-feira, 7 de outubro de 2011

SÉRIOS AVISOS À NAVEGAÇÃO

  1. A situação política na Europa continua dominada pela crise económica e social na Grécia, onde não há meio de se ver luz no fundo do túnel... Até a decisão de libertação de um novo pacote de ajuda financeira, por parte da Troika, não conseguiu fazer acalmar os ânimos dos populares descontentes, uma vez que cada nova libertação de fundos faz-se sempre acompanhar do anúncio de um endurecimento da medidas de austeridade, sobre uma população que sente ter já esgotado todos os limites de sacrifício possível.
  2. Assim, aumenta também o nervosismo nos mercados, e as bolsas internacionais têm registado quebras significativas, sendo, pois, expectável uma maior contaminação para os restantes mercados, quer na América, quer na Ásia.
  3. O Presidente norte-americano, Barack Obama, vai agora alertando para essa eventualidade e a Europa responde com alguma sobranceria, reportando de imediato para a história do “crise do subprime” que partiu precisamente da América e, depois, se espalhou para a Europa e um pouco por todo o mundo.
  4. Nem mesmo a aprovação pelo Parlamento alemão da expansão do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, para a ajuda aos países europeus com instabilidade financeira, conseguiu acalmar plenamente os mercados e restituir a esperança aos países mais endividados.
  5. A Alemanha é a primeira economia da Zona Euro e a que melhor tem resistido neste momento difícil da Europa, com algum ganho líquido. Vejamos os flagrantes contrastes: o Produto Interno Bruto alemão cresce, as exportações aumentam, os níveis de desemprego estão em queda, ao passo que nos chamados países do sul da Europa todos esses indicadores estão nitidamente a degradar-se.
  6. Corre-se agora o risco da eclosão de uma nova crise global, como reconheceram recentemente alguns dos principais responsáveis de importantes organismos financeiros internacionais. Por exemplo, o líder do Banco Mundial, Robert Zoelick, e Christine Lagarde, a líder do Fundo Monetário Internacional, alertaram para o risco de uma nova crise de proporções globais, embora tenham também admitido ser ainda possível evitá-la, desde que se tomem determinadas medidas.
  7. Para adensar ainda mais tais nuvens da desgraça, há também agora o pronunciamento do Professor Nouriel Roubini dizendo que existem fortes probabilidades de, em 2013, se desencadear aquilo que chamou de “uma tempestade perfeita”, fruto da conjugação de três circunstâncias adversas: o agravamento dos problemas orçamentais nos Estados Unidos da América, o abrandamento do crescimento da economia chinesa, a reestruturação da economia europeia e a estagnação da economia japonesa, depois do tsunami que assolou uma parte do arquipélago.
  8. Face a esses pronunciamentos, até mesmo os mais optimistas começam a sentir vacilações nas suas convicções, dado que Nouriel Roubini se tornou famoso e credível porque antecipou com enorme precisão a crise de 2008.
  9. Mais recentemente, este professor da Universidade de Nova Iorque, aprofundou ainda mais a sua análise, num evento que teve lugar na Itália, ao afirmar que é “significativa” a probabilidade de o mundo entrar novamente em crise, e, desta vez, naquilo a que chamou de uma “recessão de duplo mergulho”, uma vez que, para si, a recessão de 2008 ainda não terminou. Estivemos, sim, somente perante um breve momento de reacção da economia, sem termos, de facto, saído da recessão.
  10. Para o Professor Roubini, o “segundo mergulho” da recessão resulta da conjugação de fenómenos tais como a subida do preço do petróleo – decorrente da chamada Primavera Árabe –, a crise grega que se espalha pela Europa, os desastres naturais no Japão que afectam grandemente os suprimentos globais, e a crise orçamental americana que opõe ferozmente democratas e republicanos.
  11. A cautela, a maioria dos economistas vai apoiando as ideias de Roubini. Porém, um economista chinês contrariou-o dizendo que as economias emergentes têm condições para prosseguir a sua rota de crescimento. Só que o economista chinês se esqueceu que as economias dos países emergentes estão também elas demasiado globalizadas. Daí que uma quebra na procura nos países desenvolvidos produzirá, seguramente, impactos negativos nas economias emergentes, arrastando-as para níveis inferiores de crescimento, ou até para alguma forma de recessão.
  12. Este é, pois, mais um sério aviso à nossa navegação interna. Para que não voltemos cair nos “cantos de sereia” de 2008, quando certos “experts de opereta” andaram para aqui a assobiar para o lado cantigas de embalar… Como se Angola não fizesse parte do mundo…

A MORTE E A PENA DE MORTE

1. Ainda não tinha enxugado totalmente a emoção pela execução, nos Estados Unidos, de Troy Davis, e logo surgiu a notícia do falecimento do primeiro Presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira. Recebi, pois, e de uma assentada, uma tremenda carga emocional, um exagero para um único dia e em tão poucas horas. Reconheço que os meus alicerces psicológicos abalaram.

2. Seguramente que esses dois homens nunca se cruzaram. Troy Davis não terá nunca pronunciado o nome de Aristides Pereira, mesmo que este tenha sido Presidente da República de Cabo Verde. Nem sei mesmo se alguma vez Troy Davis conseguiria localizar no mapa-mundo o arquipélago de Cabo Verde. Suspeito ainda que Aristides Pereira nunca soube quem era Troy Davis, nem tomara conhecimento do seu prolongado combate para evitar que lhe fosse executada a pena capital.

3. Afinal, a única coincidência é que ambos morreram no mesmo dia, e separados por poucas horas. Troy Davis morreu na cadeia de alta segurança em Jackson, no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, e Aristides Pereira nos hospitais da Universidade de Coimbra, em Portugal. Separava-os um longo hiato de 45 anos: Troy Davis tinha 42 anos e Aristides Pereira ia já com a bonita idade de 87 anos.

4. Porquê, então, abordar num único texto a morte destes dois homens que nada tinham de comum? Foi a questão que coloquei a mim próprio.

5. Escrevo sobre Troy Davis, em princípio, porque sou contra a pena de morte. E porque a sua execução veio reforçar a minha posição crítica, já que suspeito que a justiça americana acaba de cometer nova injustiça.

6. Escrevo sobre Aristides Pereira porque sempre o situei no panteão dos políticos que honraram a política, dignificando-a, quer pela forma como nela entrou, quer como a exercitou, e como saiu dela.

7. Tomado pela emoção e pela saudade, resolvi revisitar Aristides Pereira numa entrevista que concedeu, há cerca de 9 anos, a um diário português. No preâmbulo do texto, a jornalista Ana Dias Cordeiro teceu considerações que correspondem ao seu retrato: “Aristides Pereira (…) respira serenidade e transmite a calma de um homem realizado, cuja vida lhe deu muito mais do que aquilo que alguma vez imaginou. Por detrás de uns óculos grandes, o olhar risonho diz isto e muito mais. As gargalhadas que por vezes solta nada tiram à sua natural distinção”.

8. Seria esse também o retrato que eu faria desse homem justo e simples, do distinto cabo-verdiano que, juntamente com os irmãos Amílcar e Luís Cabral, soube transformar em realidade as aspirações de independência de dois povos, o povo da Guiné-Bissau e o povo de Cabo Verde. E, depois, soube aceitar com humildade a derrota eleitoral, na transição do seu país para um sistema político multipartidário e para um regime democrático.

9. São dele ainda as seguintes palavras: “Eu costumo dizer que fiz política sem ser político. O que me levou à política foi a situação de humilhação, de exploração do povo cabo-verdiano e as injustiças do sistema colonial. Na minha geração, começou a ganhar-se absoluta consciência da obrigação que tinham os cabo-verdianos de lutar contra essa situação de injustiça. Nunca sonhei, enquanto jovem, qualquer coisa que se parecesse com a política. Era qualquer coisa que estava fora dos meus parâmetros”.

10. Aristides Pereira entrou na política sem ser político. Mas fez na política um enorme percurso da sua vida. Porém, ele não cabe no mesmo quadro em que figuram todos quantos vêem na política o campo onde não há limites nem fronteiras, um território sem regras e sem ética.

11. Vou agora em busca de Troy Davis, o negro norte-americano que acabou por ser executado com uma injecção letal, depois de 22 anos a clamar pela sua inocência. No dia anterior à sua execução, em carta divulgada pela Amnistia Internacional através do Facebook, Troy Davis escreveu: “A luta por justiça não acaba comigo. Esta luta é por todos os Troy Davis que vieram antes de mim e por todos os que virão depois. Estou com bom espírito, rezando e em paz, mas não deixarei de lutar até ao meu último suspiro”.

12. Sobre Troy Davis impendia a acusação de ter morto um polícia que fora em socorro de um mendigo quando estava a ser agredido por dois homens. O polícia era branco. Inicialmente, 9 testemunhas apontaram-no como o autor dos disparos que vitimaram o polícia. Posteriormente, 7 dessas 9 testemunhas renegaram os primeiros pronunciamentos, afirmando que tinham sido pressionadas pela polícia para prestarem falsas declarações. Além disso não foram encontradas evidências materiais que pudessem sustentar a acusação: nem a arma do crime, nem nos resultados dos testes de ADN.

13. Perante tais factos, elevou-se um coro de vozes de figuras públicas pedindo a anulação da pena capital contra Troy Davis, inclusive, Chefes de Estado e até mesmo do Papa Bento XVI.

14. As autoridades judiciais do Estado da Geórgia mostraram-se insensíveis e Troy Davis foi mesmo executado. As suas últimas palavras foram dirigidas à família do polícia morto, que manifestou um particular interesse em assistir à execução: “Que Deus tenha piedade da vossa alma. Não matei o vosso irmão. Não estava armado. Não fiz isto”.

15. A justiça norte-americana tem sido fértil no cometimento de erros que, depois, se constata serem crassos. Por exemplo, precisamente há dois anos, foi libertado nos EUA um homem que esteve preso durante 26 anos. Fora acusado de ter violado e ter morto uma mulher, quando tinha apenas 15 anos de idade. Os testes de ADN mostraram, porém, o quanto a justiça estava equivocada.

16. Os 26 anos passados nos calabouços já tinham passado e nunca serão recuperados – essa é hoje a única certeza. Se o tivessem executado, nunca se saberia que era, afinal, mais inocente.

17. Nos EUA, desde a condenação até à execução, geralmente decorre um longo período de tempo, e existem múltiplas instâncias de recurso, o que dá a possibilidade de se corrigirem eventuais erros. Mas há outros países, como por exemplo a China, onde a pena de morte é executada quase que em simultâneo com a sentença, o que torna ainda mais problemática essa penalização que é irreversível.

18. Depois da execução de Troy Davis, a luta contra a pena de morte vai pela certeza aquecer vários palcos de debate. Termino, pois, recordando esta frase de Mahatma Ghandi: “A pena de morte é um símbolo de terror e, nesta medida, uma confissão da debilidade do Estado”.

UMA QUESTÃO DE TEMPO…

  1. Quando o meu amigo Salas Neto me “convoca” para escrever algum texto, por norma, eu ponho-me rapidamente em acção – a não ser que as minhas ocupações de momento me impeçam de o fazer. Ainda há dias, por exemplo, escrevi uma pequena reflexão sobre a passagem de mais um aniversário do consulado de JES e, por inerência, do desaparecimento físico de Agostinho Neto. Tive, então, oportunidade de recordar certos episódios e realizar algumas considerações a propósito.

  1. Desta vez, o Salas “convocou-me” para elaborar algumas linhas sobre o tema que, de algum modo, dominou a semana política nacional: a notícia sobre uma dura sanção que teria sido aplicada a um conjunto de personalidades de destaque no seio da UNITA, com especial realce para Lukamba Paulo “Gato” e Abel Chivucuvuku. Durante algumas horas hesitei em aceitar o repto, mas acabei por responder positivamente à “convocatória” do Salas, pelas razões que, de seguida, exponho:

i) Porque me sinto afectuosamente ligado a essas duas personalidades, fruto dos diversos diálogos que fomos exercitando ao longo dos últimos anos;

ii) Porque tenho igualmente uma relação muito cordial com Isaías Samakuva e com outros dos seus aparentes apoiantes;

iii) Porque, historicamente, estive vinculado ao processo de recuperação do “ânimo” da UNITA, quando, por duas vezes, dirigi o processo eleitoral dos Congressos dessa organização, especialmente por altura do seu IX Congresso, pouco tempo depois do fim da Guerra Civil, de que ela saiu derrotada e demasiado traumatizada.

iv) Porque, estando na oposição, seria recomendável abster-me de lançar mais “achas para a fogueira”, pois todos os sinais dão indicações claras de que a UNITA está a viver um momento menos bom, com enormes dificuldades para melhorar a sua democracia interna, mesmo que tenha sido capaz de exercitar passos interessantes durante os seus dois últimos Congressos.

v) Porque, sendo eu Presidente do Bloco Democrático – e sou naturalmente um concorrente eleitoral – talvez alguns achassem que me deveria remeter ao silêncio. Contudo, estou convicto de que há espaço político para os diversos partidos, e de que nem sempre os eleitorados das diversas oposições se confundam.

  1. Depois de uma conversa telefónica que tive com Isaías Samakuva, e de ter escutado uma intervenção radiofónica de Alcides Sakala, continuaram a subsistir dúvidas sobre se, de facto, teria havido (ou não) uma penalização disciplinar sobre figuras de realce da UNITA, aquando da realização da última reunião da sua Comissão Política que teve lugar no Huambo.

  1. O que a comunicação social disse no último final de semana, é que os dois políticos, tidos como líderes de uma oposição interna a Isaías Samakuva, teriam sido suspensos por um período de 45 dias, por actos de eventual indisciplina, em resultado de um inquérito realizado pela Comissão Jurisdicional. Tal notícia, verdadeira, falsa ou truncada, fez manchete e animou a semana política nacional.

  1. Como seria de esperar, far-se-ão agora os mais diversos aproveitamentos e até à exaustão, mesmo por quem não tenha razões bastantes nem passado histórico para o fazer.

  1. Nos comentários que produzi numa das rádios locais, denominei o acto da UNITA de “não apenas um tiro no pé, nem uma rajada mas, sim, o lançamento de uma verdadeira bomba dentro de casa”. Dentro de casa… Claro, a ser verdade, a UNITA terá realizado um verdadeiro exercício de auto-flagelação, dilacerando partes do seu próprio corpo, e que têm a ver com a sua história e a sua imagem.

  1. Lukamba Paulo “Gato” é um “emblema” da UNITA. Foi ele o homem que trouxe a organização para o quadro constitucional e que organizou o primeiro processo democrático de sucessão de Jonas Savimbi. Ele soube ter “nervos de aço” para reorganizar as suas estruturas derrotadas, conseguindo ainda a proeza de o fazer com elegância e com serenidade. Desse modo, reduziu os impactos negativos de uma transição inesperada e quase abrupta. Depois, como o verdadeiro condutor do “êxodo”, aceitou sem muita dificuldade a derrota eleitoral que lhe foi imposta por Isaías Samakuva no Congresso que posso denominar de da recolha dos destroços…

  1. Guardo de Lukamba Paulo “Gato” a imagem de um homem afável e educado, mas, igualmente, determinado e firme nas suas convicções. Não acredito que a UNITA possua tantos quadros políticos com o seu traquejo para que o possa colocar na prateleira, mesmo que apenas por 45 dias, e que se aposte em rotulá-lo de “indisciplinado”.

  1. Em política, o conceito de indisciplinado (ou de disciplinado) não pode ser tomado à letra, quase que por mera tradução literal. Em política, por vezes, a disciplina confunde-se com a subserviência e com o amorfismo, com a falta de capacidade crítica, com a adulação dos chefes, com a especialização em aplausos aos lugares comuns. E é indisciplinado quem afronta o chefe, quem o contesta, quem uso o espírito crítico e quem estimula a capacidade analítica das bases.

  1. As organizações políticas perdem capacidade criativa quando se rendem ao unanimismo, quando assentam no aplauso fácil e na subserviência.

  1. Por isso, é sempre salutar a existência de vozes alternativas, de visões distintas e propostas arrojadas. Senão, a prazo, as organizações falecem, após um período de definhamento que nem sempre é bem perceptível. Não se deve, pois, fazer abortar a crítica, espartilhar o pensamento ousado, facilitar a prática da apatia, sancionar a diferença.

  1. Abel Chivucuvuku prima por ter “ambição”. Mas ele é ousado e determinado. A sua prática política é disso amostra e evidência. Mesmo no interior (em Luanda), quando o grosso da UNITA estava na mata, Abel Chivukuvuku pautou o seu comportamento pela ousadia e defendeu publicamente as suas convicções. Ele não foi uma pêra doce nas mãos do regime, como outros que se bandearam.

  1. Abel Chivucuvuku é outro “emblema” da UNITA. De uma certa forma, ele é o rosto visível da contestação ao actual momento e um crítico à direcção actual do seu partido. Aponta, por isso, outros rumos e quer exercitar outras práticas. Por isso, a ala conservadora não aposta nele, porque não vê nele o reflector perfeito da história da mata e do culto do guerrilheiro.

  1. Não quero dar lições a ninguém – nem estou em condições de o fazer – mas penso que a sobrevivência das organizações políticas depende, sobretudo, da capacidade que tiverem para se adaptar aos tempos que correm. E isso exige que os dirigentes saibam “ler os sinais dos tempos”.

  1. Afinal, e de uma forma geral, todos os Movimentos de Libertação viveram esse drama. E os que não conseguiram extirpar essa componente do seu código genético, sucumbiram ou tornaram-se um incómodo para a democracia. Em democracia, a luta política tende a ser cada vez mais urbana e os métodos a escolher para essa luta devem ter isso em conta.

  1. Quando um carro passa em alta velocidade em frente de uma aldeia, a mensagem é clara: fica no ar o cheiro da cidade, para onde, afinal, todos tendem a convergir… É só uma questão de tempo.