sexta-feira, 7 de outubro de 2011

UMA QUESTÃO DE TEMPO…

  1. Quando o meu amigo Salas Neto me “convoca” para escrever algum texto, por norma, eu ponho-me rapidamente em acção – a não ser que as minhas ocupações de momento me impeçam de o fazer. Ainda há dias, por exemplo, escrevi uma pequena reflexão sobre a passagem de mais um aniversário do consulado de JES e, por inerência, do desaparecimento físico de Agostinho Neto. Tive, então, oportunidade de recordar certos episódios e realizar algumas considerações a propósito.

  1. Desta vez, o Salas “convocou-me” para elaborar algumas linhas sobre o tema que, de algum modo, dominou a semana política nacional: a notícia sobre uma dura sanção que teria sido aplicada a um conjunto de personalidades de destaque no seio da UNITA, com especial realce para Lukamba Paulo “Gato” e Abel Chivucuvuku. Durante algumas horas hesitei em aceitar o repto, mas acabei por responder positivamente à “convocatória” do Salas, pelas razões que, de seguida, exponho:

i) Porque me sinto afectuosamente ligado a essas duas personalidades, fruto dos diversos diálogos que fomos exercitando ao longo dos últimos anos;

ii) Porque tenho igualmente uma relação muito cordial com Isaías Samakuva e com outros dos seus aparentes apoiantes;

iii) Porque, historicamente, estive vinculado ao processo de recuperação do “ânimo” da UNITA, quando, por duas vezes, dirigi o processo eleitoral dos Congressos dessa organização, especialmente por altura do seu IX Congresso, pouco tempo depois do fim da Guerra Civil, de que ela saiu derrotada e demasiado traumatizada.

iv) Porque, estando na oposição, seria recomendável abster-me de lançar mais “achas para a fogueira”, pois todos os sinais dão indicações claras de que a UNITA está a viver um momento menos bom, com enormes dificuldades para melhorar a sua democracia interna, mesmo que tenha sido capaz de exercitar passos interessantes durante os seus dois últimos Congressos.

v) Porque, sendo eu Presidente do Bloco Democrático – e sou naturalmente um concorrente eleitoral – talvez alguns achassem que me deveria remeter ao silêncio. Contudo, estou convicto de que há espaço político para os diversos partidos, e de que nem sempre os eleitorados das diversas oposições se confundam.

  1. Depois de uma conversa telefónica que tive com Isaías Samakuva, e de ter escutado uma intervenção radiofónica de Alcides Sakala, continuaram a subsistir dúvidas sobre se, de facto, teria havido (ou não) uma penalização disciplinar sobre figuras de realce da UNITA, aquando da realização da última reunião da sua Comissão Política que teve lugar no Huambo.

  1. O que a comunicação social disse no último final de semana, é que os dois políticos, tidos como líderes de uma oposição interna a Isaías Samakuva, teriam sido suspensos por um período de 45 dias, por actos de eventual indisciplina, em resultado de um inquérito realizado pela Comissão Jurisdicional. Tal notícia, verdadeira, falsa ou truncada, fez manchete e animou a semana política nacional.

  1. Como seria de esperar, far-se-ão agora os mais diversos aproveitamentos e até à exaustão, mesmo por quem não tenha razões bastantes nem passado histórico para o fazer.

  1. Nos comentários que produzi numa das rádios locais, denominei o acto da UNITA de “não apenas um tiro no pé, nem uma rajada mas, sim, o lançamento de uma verdadeira bomba dentro de casa”. Dentro de casa… Claro, a ser verdade, a UNITA terá realizado um verdadeiro exercício de auto-flagelação, dilacerando partes do seu próprio corpo, e que têm a ver com a sua história e a sua imagem.

  1. Lukamba Paulo “Gato” é um “emblema” da UNITA. Foi ele o homem que trouxe a organização para o quadro constitucional e que organizou o primeiro processo democrático de sucessão de Jonas Savimbi. Ele soube ter “nervos de aço” para reorganizar as suas estruturas derrotadas, conseguindo ainda a proeza de o fazer com elegância e com serenidade. Desse modo, reduziu os impactos negativos de uma transição inesperada e quase abrupta. Depois, como o verdadeiro condutor do “êxodo”, aceitou sem muita dificuldade a derrota eleitoral que lhe foi imposta por Isaías Samakuva no Congresso que posso denominar de da recolha dos destroços…

  1. Guardo de Lukamba Paulo “Gato” a imagem de um homem afável e educado, mas, igualmente, determinado e firme nas suas convicções. Não acredito que a UNITA possua tantos quadros políticos com o seu traquejo para que o possa colocar na prateleira, mesmo que apenas por 45 dias, e que se aposte em rotulá-lo de “indisciplinado”.

  1. Em política, o conceito de indisciplinado (ou de disciplinado) não pode ser tomado à letra, quase que por mera tradução literal. Em política, por vezes, a disciplina confunde-se com a subserviência e com o amorfismo, com a falta de capacidade crítica, com a adulação dos chefes, com a especialização em aplausos aos lugares comuns. E é indisciplinado quem afronta o chefe, quem o contesta, quem uso o espírito crítico e quem estimula a capacidade analítica das bases.

  1. As organizações políticas perdem capacidade criativa quando se rendem ao unanimismo, quando assentam no aplauso fácil e na subserviência.

  1. Por isso, é sempre salutar a existência de vozes alternativas, de visões distintas e propostas arrojadas. Senão, a prazo, as organizações falecem, após um período de definhamento que nem sempre é bem perceptível. Não se deve, pois, fazer abortar a crítica, espartilhar o pensamento ousado, facilitar a prática da apatia, sancionar a diferença.

  1. Abel Chivucuvuku prima por ter “ambição”. Mas ele é ousado e determinado. A sua prática política é disso amostra e evidência. Mesmo no interior (em Luanda), quando o grosso da UNITA estava na mata, Abel Chivukuvuku pautou o seu comportamento pela ousadia e defendeu publicamente as suas convicções. Ele não foi uma pêra doce nas mãos do regime, como outros que se bandearam.

  1. Abel Chivucuvuku é outro “emblema” da UNITA. De uma certa forma, ele é o rosto visível da contestação ao actual momento e um crítico à direcção actual do seu partido. Aponta, por isso, outros rumos e quer exercitar outras práticas. Por isso, a ala conservadora não aposta nele, porque não vê nele o reflector perfeito da história da mata e do culto do guerrilheiro.

  1. Não quero dar lições a ninguém – nem estou em condições de o fazer – mas penso que a sobrevivência das organizações políticas depende, sobretudo, da capacidade que tiverem para se adaptar aos tempos que correm. E isso exige que os dirigentes saibam “ler os sinais dos tempos”.

  1. Afinal, e de uma forma geral, todos os Movimentos de Libertação viveram esse drama. E os que não conseguiram extirpar essa componente do seu código genético, sucumbiram ou tornaram-se um incómodo para a democracia. Em democracia, a luta política tende a ser cada vez mais urbana e os métodos a escolher para essa luta devem ter isso em conta.

  1. Quando um carro passa em alta velocidade em frente de uma aldeia, a mensagem é clara: fica no ar o cheiro da cidade, para onde, afinal, todos tendem a convergir… É só uma questão de tempo.

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