O FIM INGLÓRIO DE SUSANA INGLÊS NA CNE
- A decisão do
Tribunal Supremo de anular a nomeação de Susana Inglês para o cargo de presidente
da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) criou um facto político que não só fez
abalar o quadro político nacional como, também, está a levantar certos
questionamentos.
- A Dr.ª Susana Inglês
dirigiu a CNE em substituição do ex-titular, o Dr. Caetano de Sousa, precisamente
porque a lei antes em vigor o impedia de exercer tal cargo. Melhor dizendo,
de acordo com essa lei, a CNE não podia ser presidida por um juiz. O
presidente da CNE tinha quer ser um advogado. Daí que se tenha procedido à
substituição do Dr. Caetano de Sousa pela Dr.ª Susana Inglês que,
supostamente, não era juiz. A Dr.ª Susana Inglês é advogada registada na
Ordem dos Advogados de Angola e, nessa qualidade, estava até integrada num
escritório.
- Com a substituição
da lei antiga por uma nova, passou a exigir-se ao titular a condição de
juiz. Estranhamente, a advogada Dr.ª Susana Inglês passou, como que por
artes mágicas, a ser tida como juiz – título a que renunciara
voluntariamente.
- O concurso público
para prover o cargo de presidente da CNE foi organizado pelo Conselho
Superior da Magistratura Judicial que é dirigido pelo presidente do
Tribunal Supremo, o Dr. Cristiano André. O Conselho elegeu a Dr.ª Susana
Inglês para dirigir a CNE, desencadeando, de imediato, um coro de
protestos no seio da classe política na oposição. A eleição de Susana
Inglês para dirigir a nova CNE estimulou também tímidos murmúrios entre
juristas ligados ao regime.
- Face à onda de
contestação levantada pelas oposições, a população começou a interessar-se
pelo caso, primeiro por curiosidade – dada a relativa complexidade jurídica
do problema – mas, depois, com manifesta indignação, suspeitando que, por
detrás da manobra se esconderia alguma intenção fraudulenta. Talvez com a
intenção de esbater o sentimento de repúdio que se alastrava, ter-se-á
engendrado uma suposta doença para indigitada, o que não se confirmou.
- Lá surgiu, pois, com
aspecto bastante saudável a Dr.ª Susana Inglês a ser recebida pelo PR.
Para alguns, a audiência com o PR era o sinal de que o processo terminara por
ali e nada mais havia para fazer. Que as autoridades judiciais iriam fazer
a leitura de que a “ordem” estava dada e era para cumprir…
- Alguns partidos
políticos na oposição foram, sucessivamente, esmorecendo o seu protesto e
até capitulando. Terão abandonado a luta, conformando-se com o resultado
da aparência. O Bloco Democrático (BD) e a UNITA foram os que mais se
bateram para a reposição da legalidade. O BD e a UNITA impugnaram a
eleição de Susana Inglês junto do Tribunal Supremo.
- Grupos de cidadãos
desencadearam protestos de rua, de que resultou um atentado contra a
integridade física e a vida do Secretário-Geral do BD, o Dr. Filomeno
Vieira Lopes.
- No dia 17, depois de
se ter completado o processo de registo eleitoral, em Acórdão, o Tribunal
Supremo decidiu anular o concurso público que levou a Dr.ª Susana Inglês
ao cargo de presidente da CNE.
- Tinham, pois, razão
o Bloco Democrático e a UNITA quando persistiram na denúncia do acto
administrativo do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Estavam
redondamente equivocados todos quantos se opuseram às denúncias feitas por
esses dois partidos e, muito mais ainda, aqueles que molestaram os
manifestantes pacíficos que mais não fizeram que mostrar na rua a sua
indignação. Afinal, mais uma vez, a oposição recorreu a meios pacíficos e
legais para fazer vingar a Lei e defender a democracia.
- De algum modo, a
determinação do Tribunal Supremo vem “lavar” a imagem negativa que a nossa
justiça tem carregado, pois, não poucas vezes, se assiste a flagrantes e
incongruentes decisões que põem em xeque o próprio Estado de Direito. Daí
que os cidadãos sejam muitas vezes estimulados a fazer uma avaliação
negativa da nossa Justiça e de muitos dos nossos juízes.
- A reprovação da
eleição de Susana Inglês pelo Tribunal Supremo tem, seguramente, profundas
implicações jurídicas. É urgente esclarecê-las, para se minimizar os danos
decorrentes da ilegalidade do seu exercício. Mas tem, igualmente, um forte
impacto político sobre o processo eleitoral.
- Ao anular o concurso
e, consequentemente, a eleição da presidente, voltamos ao ponto de
partida. O seja, o cargo que a Dr.ª Susana Inglês ocupou ilegalmente está
vago e terá que ser provido por via de um novo concurso público.
- E o que fazer com os
actos administrativos que foram executados por quem não tinha legitimidade
para o fazer? Só há uma solução: invalidá-los, expurgá-los.
- Quer então dizer que
deixam de fazer fé, por exemplo, as nomeações pela Dr.ª Susana Inglês para
o provimento das Comissões Provinciais eleitorais. Também deverão ser
anulados os concursos realizados sob sua direcção para a auditoria ao ficheiro
do registo eleitoral. Como fere formalmente os preceitos legais, o
Memorando que foi entregue ao Presidente da República, autorizando-o a
convocar as eleições deve ir para o lixo. E, seguramente, muitas coisas
mais haverão para serem questionadas.
- Sem querer pôr em
causa a honestidade dos juízes que reprovaram a eleição de Susana Inglês,
penso que alguém irá retirar substanciais vantagens do impasse em que
agora caiu o processo eleitoral. Falo, concretamente, do MPLA.
- Com um previsível
adiamento das eleições, o MPLA ganhará tempo para “acalmar as suas hostes”
que se encontram divididas quanto à escolha da segunda figura na sua lista
eleitoral. Com o tempo dilatado, poderá também aproximar-se um pouco mais do
cumprimento das anteriores promessas eleitorais. Terá ainda mais um pouco
de fôlego para prosseguir a sua política de estímulo à divisão e
desagregação de forças políticas na oposição que persiste em querer
debilitar.
- Há dias, o
Presidente da República graduou no posto de General o presidente do
Tribunal Supremo, o Dr. Cristiano André, um facto que não me passou
desapercebido. Interroguei-me sobre o porquê de uma tal graduação, feita pouco
tempo depois de ele ter executado a estranha defesa do exercício do cargo
de presidente da CNE pela Dr.ª Susana Inglês. Será que JES já previa o
desfecho da contenda a que agora se assistiu e queria, com a graduação,
minimizar os danos psicológicos sobre o Dr. Cristiano André? Ou será que
queria estimulá-lo para uma mais cerrada obediência aos seus desígnios,
lembrando-lhe, por exemplo, da necessidade de obediência ao
Comandante-em-Chefe? Ou terá querido empurrar Cristiano André para um
pedido de demissão, salvaguardando, por antecipação, a sua posição de
General na reforma?
- É evidente que, nos
próximos tempos, teremos ocasião de desenvolver um pouco mais esta
abordagem. Porém, penso que em defesa das leis republicanas e da ética,
devem ser dados todos os passos para se desbaratar a verdadeira trama que
se criou em torno do processo eleitoral.
- Recordo que o processo
eleitoral ficou com a credibilidade foi posta em causa não só pelo modo
como decorreu o registo eleitoral (realizado sem lei ajustada) mas,
igualmente, com a trapalhada que foi a eleição para presidente da CNE de
uma advogada que, afinal, também é juíza, dependendo apenas das
circunstâncias e dos interesses partidários do momento.
- Que tudo isso nos
sirva de lição. E que se reconheçam, sobretudo, os muitos erros cometidos!
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