quinta-feira, 19 de julho de 2012

A COMPLEXIDADE DO CONFLITO SÍRIO


  1. A Síria está, decididamente, a trilhar pelo pior caminho. É o que se pode deduzir a partir dos sinais que nos chegam e que apontam para a eminência de um banho de sangue de consequências imprevisíveis. É provável que o resultado final seja a morte inglória do Presidente Bashar al-Assad, o ditador que, há 12 anos, sucedeu a um outro ditador, o seu pai, Hafez al-Assad.



  1. Grandes manchetes inundam a comunicação social internacional com pormenores sobre o atentado de Damasco que vitimou mortalmente o Ministro da Defesa, feriu com gravidade o Ministro do Interior, matou, igualmente, o Vice-ministro da Defesa – por sinal, cunhado do Presidente da República – tendo ainda ferido mais alguns altos responsáveis do sistema de segurança nacional da Síria. Ficou-se também a saber que o atentado de Damasco foi perpetrado por um elemento da guarda pessoal de um dos responsáveis presentes nas instalações dos serviços de segurança nacional, o local da reunião.



  1. O atentado de Damasco não é um caso isolado, uma vez que ferozes combates entre rebeldes e forças leais ao ditador têm já lugar no interior dessa capital, recorrendo as forças governamentais, inclusive, ao uso de helicópteros com o intuito de fazer abortar a grande ofensiva rebelde desencadeada, segundo dizem, para o derrube mais rápido do poder instalado.



  1. Nos últimos dias, foram referenciadas inúmeras deserções das forças governamentais. Fala-se mesmo em cerca de 50.000 o número dos desertores, entre os quais oficiais superiores, tendo no meio perto de duas dezenas de oficiais generais. Tudo isso são factos relevantes. Porém, importa também passar para o campo da análise, pois, senão, perderemos a perspectiva política do conflito. Isso é que é importante, do meu ponto de vista.



  1. O pai de Bashar al-Assad, Hafez al-Assad, governou ditatorialmente o país durante cerca de 30 anos, tendo sido sucedido por Bashar, médico de formação, que está no poder desde o dia 17 de Julho, portanto, há precisamente 12 anos.



  1. Se quisermos, de facto, ter uma melhor percepção do que se passa na Síria, há que começar pela análise da composição étnica e religiosa da sua população.



  1. Cerca de 90% da sua população é muçulmana, e os restantes são maioritariamente cristãos. A esmagadora maioria dos muçulmanos são do ramo sunita, havendo, também, alauitas, xiitas e druzos. Os cristãos são ortodoxos ou católicos, seguindo, porém, o rito oriental.



  1. A Síria é tida como um dos berços do cristianismo. O Apóstolo Pedro, seguidor de Jesus, fundou aí a segunda Igreja Cristã, sendo que a primeira foi fundada, como sabemos, em Jerusalém.



  1. Embora minoritários entre os muçulmanos da Síria, os alauitas dominam o poder político e o poder militar. São eles que suportam o poder ditatorial de Bashar al-Assad, tal como fizeram com o seu pai, Hafez al-Assad. Tanto um como o outro, ou seja, pai e filho, acharam que o melhor seria reprimir em vez de conciliar os interesses dessas comunidades. Hafez al-Assad optou mesmo pela chamada política de “terra queimada”, cujo exemplo mais recordado é o famoso “massacre de Hama”, durante o qual morreram milhares de pessoas pertencentes à comunidade sunita.



  1. Há, pois, neste conflito, uma forte componente sectária de cariz religioso que nunca pode ser descurada. Portanto, para entendermos melhor o que está por detrás do actual conflito sírio, nunca descuremos este lado da questão.



  1. Para além da vertente interna, devemos ter em atenção a vertente regional, uma vez que a Síria jogou sempre um papel activo nos conflitos da região em que está inserida.



  1. A Síria pertence ao mundo árabe (foi muito remotamente ocupada pelos persas – actual Irão – e durante cerca de 4 séculos foi uma possessão do Império Otomano). Tem grande relevância nos destinos do Líbano, com quem faz fronteira, assim como com a Jordânia, Turquia, Iraque e Israel. No seu seio existe uma relativamente significativa comunidade curda, daí que o problema do Curdistão passe também por lá.



  1. A opção política e ideológica do pai do actual Presidente, Hafez al-Assad, colocou a Síria na órbita de Moscovo, o que se mantém até hoje, e explica a persistência do apoio russo ao ditador Bashar al-Assad. A Rússia é o principal fornecedor de armas ao seu regime.



  1. Embora não seja tida como grande produtor de petróleo a nível mundial, mesmo assim, a Síria exporta uma pequena quantidade de petróleo para a China. Mas, penso que não é isso que explica a protecção que a China dá ao regime sírio. Estou mais inclinado a admitir que a motivação fundamental seja apenas barrar o aumento da influência ocidental (em especial, a norte-americana) naquela parte do mundo, mantendo Israel sob tensão.



  1. Desde há 50 anos que a Síria vive sob estado de emergência, condição em que ficam suspensas as principais garantias constitucionais. Foi sob esse manto jurídico que foram sempre proibidas todas as manifestações públicas contra o governo, e reprimidos violentamente que ousasse sair às ruas em protesto. Para justificar tal estado de excepção, utilizou-se sempre o álibi do latente estado de guerra com Israel.



  1. Em resumo, a análise da situação na Síria deverá ser feita sempre a partir desse (e talvez de outros) conjunto de vertentes. E nunca apenas na perspectiva de um bom de lado contra um mau do outro lado.

Sem comentários:

Enviar um comentário