terça-feira, 17 de julho de 2012

FINALMENTE AS AVÓS DA PRAÇA DE MAIO VENCERAM!


  1. Confesso que ficou fora do meu alcance, ou seja, longe do meu “radar político” uma parte substancial do tempo que durou a ditadura militar que governou a Argentina por cerca de 7 anos, e que foi desencadeada pelo golpe militar do general Rafael Videla. De facto, eu soube que, na altura, se tinha instalado um regime militar despótico naquele país latino-americano, tal como sucedera antes no Brasil. Mas, por me encontrar preso e, anos depois, ter sido deportado e colocado com residência fixa no Leste de Angola, perdi o essencial, perdi os pormenores dos acontecimentos naquela parte do mundo. De tempos em tempos, e até com algum desfoque, lá me iam chegando notícias assustadoras sobre o comportamento das ditaduras latino-americanas que se haviam instalado por aquelas paragens.



  1. A América Latina – tal, afinal, como África – possui um longo e doloroso historial de regimes ditatoriais, muitos deles uma consequência imediata das disputas políticas e ideológicas desencadeadas pela Guerra Fria. Outras, nem tanto. Mas, mesmo assim, todas elas foram ditaduras, umas mais ferozes que as outras, e  até com diversas tonalidades político-ideológicas.



  1. Recordo, por exemplo, a ditadura de Fulgêncio Batista, em Cuba, que durou cerca de 20 anos, sendo depois seguida pela ditadura dos irmãos Castro e que ainda não terminou. A ditadura de Batista é praticamente contemporânea da de Rafael Tujillo na República Dominicana que se estendeu entre 1930 e 1961, até ao seu assassinato. Mas, também me recordo da ditadura do médico haitiano François Duvalier, o célebre Papa Doc, baseada no terror dos seus Tontons Macoutes – a sua guarda pessoal – e alimentada com o recurso ao Vodu, uma religião de raiz africana que se implantou no Haiti.



  1. Um dos países latino-americanos que mais sofreu os efeitos da ditadura foi o Paraguai, sob o mando do general Alfredo Stroessner, ele que se fez eleger sucessivamente de 1954 até 1989, quando foi finalmente deposto pelo também general Andrés Rodriguez.



  1. As décadas de 1960, 1970. e parte de 1980 foram demasiado marcadas por golpes militares na América Latina. Entre 1964 e 1985, o Brasil conheceu 5 Presidentes da República militares e uma Junta Governativa, até à eleição de um Presidente civil, Tancredo Neves. O golpe militar brasileiro teve lugar com o afastamento compulsivo do Presidente João Goulart. A ditadura foi um período negro na história do povo brasileiro. Quando, finalmente, se iniciou o processo de transição para a democracia, eu encontrava-me em Abidjan, na Costa do Marfim, e recordo-me da alegria que senti ao imaginar reanimadas as esperanças dos brasileiros.



  1. O Uruguai não escapou à repressão dos militares que se apossaram do poder. Em reacção, surgiram fortes e aguerridos movimentos oposicionistas, entre os quais os por demais conhecidos tupamaros. Se tivesse tempo e espaço disponível, podia ainda falar do Peru, do Chile de Augusto Pinochet, do Equador, da Bolívia do ditador René Barrientos. Enfim, esses foram, de facto, anos de chumbo e de muita dor para os povos latino-americanos. Mas, voltemos à Argentina.



  1. Quando, finalmente, voltei a ganhar a liberdade e, com isso, a ter possibilidade de aceder a mais informação, soube mais detalhes sobre o golpe militar protagonizado pelo general Raul Rafael Videla e também daquilo que se passou a chamar a sua “guerra suja”. Ou seja, soube da feroz repressão que se abateu sobre os seus opositores.



  1. O protagonismo de Raul Videla durou até 1981, seguindo-se o general Viola que governou por muito pouco tempo. A este general seguiu-se o também general Leopoldo Galtieri que, na ânsia de conseguir apoio popular, invadiu militarmente as Ilhas Malvinas, em disputa com o governo britânico de Margareth Thatcher. O poder argentino saiu derrotado e humilhado desta guerra. O general Galtieri é então substituído pelo general Reynaldo Bignone que, fragilizado, se vê obrigado a negociar o regresso dos civis ao poder. O regresso dos civis ao poder dá-se com as eleições ganhas pelo Presidente Raul Alfonsin, em 1983.



  1. A ditadura militar na Argentina, considerada a mais sanguinária da América do Sul, teve um saldo negativo tremendamente grande: sem deixar rastro, desapareceram cerca de 30.000 pessoas, muitas delas mulheres, crianças e idosos; milhões de argentinos tiveram que emigrar, fugindo à repressão – eram, por norma, valiosos quadros que, juntamente com outros emigrantes fugidos das restantes ditaduras latino-americanas, demandaram países bastante longínquos para se instalarem temporária ou definitivamente.



  1. Muitas organizações internacionais, entre as quais o Sistema das Nações Unidas, aproveitaram os serviços desses homens e mulheres escorraçados dos seus países. Conheci alguns desses refugiados, em número suficiente para puder entender bem o seu drama e partilhar as suas angústias.



  1. Os refugiados latino-americanos que conheci fizeram-me lembrar quadros técnicos haitianos bastante valiosos que encontrei também como refugiados no Congo-Brazzaville, quando regressei do Tarrafal. O Congo era o seu país de acolhimento, mas eles sempre com os olhos virados para o país de onde haviam partido, na esperança de que a dinâmica da história lhes facilitasse o regresso à casa, e em liberdade.



  1. A ditadura militar que governou a Argentina deixou para a história uma herança bastante simbólica: “As Mães da Praça de Maio”. “As Mães da Praça de Maio” são um grupo de mulheres que, a partir de certa altura, passaram a exigir, todas as quintas-feiras, defronte ao Palácio do Governo, notícias dos seus filhos desaparecidos durante os anos da ditadura. E foram aos milhares, e sem deixar rastro. O drama das “Mães da Praça de Maio” fez com que fossem mesmo galardoadas com o Prémio Sakharov de 1992.



  1. Mas a ditadura argentina não se ficou por aí. Ela também desencadeou o sequestro de crianças, filhos de opositores presos ou mortos que foram entregues para adopção por famílias de gente ligada ao regime. O paradeiro dessas crianças permaneceu desconhecido e as suas avós criaram, então, uma associação a que denominaram “As Avós da Praça de Maio” com a finalidade de as localizar. Em 2011, essa associação de mulheres recebeu o Prémio da Paz da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.



  1. O seu maior prémio chegou, porém, agora, dia 5 de Julho de 2012, passadas muitas dezenas de anos, quando um Tribunal de Buenos Aires, na voz da juíza Maria Roqueta, leu perante uma plateia que enchia todo o recinto do tribunal, a sentença que condenava os ex-líderes da ditadura, o general Raul Rafael Videla e o general Reynaldo Bignone, a 50 e a 15 anos de prisão, respectivamente, por terem urdido um “plano sistemático” de roubo e apropriação de bebés, filhos de opositores do regime, nascidos na prisão. Foram, pelo menos, 500 os bebés roubados e cujos pais desapareceram engolidos na tormenta da ditadura.



  1. Lembrei-me, então, de muito do que vi, ou ouvi dizer, mesmo aqui entre nós, e de que ainda não se fala, ou então, de que apenas se sussurra…



  1. É evidente que a condenação dos velhos ditadores e dos seus sequazes não restituiu a vida a quem foi morto, nem permite apagar os efeitos psicológicos de quem foi sua vítima, mas, ao menos, faz com que passe a mensagem de que nem sempre o crime compensa e que os criminosos nunca poderão dormir em paz… Porque há sempre alguém que não esquece…

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