quarta-feira, 22 de agosto de 2012

CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS DAS SECAS


  1. Há dias, escrevi um artigo, para uma revista, baseado num tema similar a este, debruçando-me, essencialmente, sobre a questão da seca que devasta muitas plantações de cereais no Centro-Oeste dos EUA. Quis, pois, alertar para as repercussões internacionais dessa seca, dado que os EUA são os maiores produtores mundiais de cereais, e que alguns desses cereais têm uma participação muito importante em diversos ramos económicos. Volto agora, neste texto, ao fenómeno da seca, mas centrando-me na Rússia, um dos maiores produtores mundiais de trigo.



  1. Para um não economista e, sobretudo, para quem não tenha sensibilidade para as questões agro-pecuárias, uma notícia sobre a ocorrência de altas temperaturas num dado país (ou numa região do mundo), talvez não diga nada. Poderá mesmo parecer um quadro simpático, o ambiente mais apropriado para o veraneio, para o gozo de uns bons dias de férias. Porém, para um economista como eu, que até possuo alguma sensibilidade para o mundo da agro-pecuária, o excesso de calor acrescido a uma redução muito acentuada no nível das chuvas, faz disparar todas as sirenes que se alojam no meu cérebro.



  1. À semelhança do território do Centro-Oeste dos EUA, alguns países europeus e, particularmente, a Rússia, estão a viver um período de profunda estiagem. E, como é típico destas ocasiões, surgem as sempre incómodas pragas de gafanhotos que são capazes de, num ápice, arrasar as plantações.



  1. Ao ler a notícia sobre as pragas de gafanhotos que assolam as plantações do sul da Rússia, recordei-me de uma praga de gafanhotos que vi arrasar o pouco do verde que se havia formado à volta do Tarrafal, depois de, por alguns dias, terem caído do céu algumas gotas de água. O Arquipélago de Cabo Verde conhecia, então, uma das maiores, das mais prolongadas e das mais devastadoras secas da sua história.



  1. Pouco mais de vinte anos antes, Cabo Verde sofrera também uma seca bastante severa que causou milhares de mortos e que promoveu um dos seus maiores êxodos populacionais com destinos variados, entre os quais São Tomé e Príncipe e Angola. Muitos dos cabo-verdianos, ou seus descendentes que vivem em Angola são precisamente um fruto desse êxodo. Foi, porém, o final da seca de década de 1940 que, certamente, inspirou o lindo poema de Amílcar Cabral, “Regresso”, que aqui reproduzo na íntegra:





Mamãe Velha, venha ouvir comigo

O bater da chuva lá no seu portão.

É um bater amigo

Que vibra dentro do meu coração



A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva

Que há tanto tempo não batia assim…

Ouvi dizer que a Cidade Velha

- a ilha toda –

  Em poucos dias já virou jardim…



Dizem que o campo se cobriu de verde

Da cor mais bela porque é a cor da esp’rança

   Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde

- É a tempestade que virou bonança…



Venha comigo, Mamãe Velha, venha

Recobre a força e chegue-se ao portão

 A chuva amiga já falou mantenha

        E bater dentro do meu coração!



  1. Mas, voltemos à Rússia. A área do seu territótio mais afectada pela seca é agora, nem mais nem menos, que a província de Ulianosvsk, situada no centro da parte europeia da Rússia, a terra onde nasceu Vladimir Ilitch Ulianov (Lenine), o pai da Revolução Bolchevique.



  1. Segundo se diz, a actual estiagem na Rússia já terá prejudicado a safra de trigo em cerca de 23%, se comparada com a safra do ano anterior, tendo, por isso, feito disparar os preços. Esta estiagem, associada a dos EUA e de outros países europeus, provocou uma forte redução nos stocks, quer do milho, quer do trigo.



  1. É evidente que tal fenómeno irá ter profundas implicações ao nível mundial, ao ponto de outros países produtores e exportadores de cereais estarem a aproveitar a má colheita nos EUA, na Rússia e em outros países da União Europeia, para aumentarem os preços destes bens e dos bens que com eles se articulam como, por exemplo, as carnes.



  1. Com as frequentes repetições de períodos de carestia de bens alimentares, não hesito em recordar aqui a teoria do economista inglês Thomas Malthus, para quem o Mundo atingiria um ponto de rotura entre o crescimento populacional e o crescimento das subsistências, em especial, dos alimentos.



  1. Para Thomas Malthus, haveria também uma relação directa entre a fecundidade e o rendimento das famílias. Dizia ele que, se a pobreza fosse reduzida, as pessoas teriam mais filhos, e o crescimento dos meios de subsistência não poderia acompanhar o aumento da população. Qual então a via para controlar o crescimento da população? Aumentar as taxas de mortalidade, seja pela miséria, seja pelas epidemias, seja ainda pelas guerras.



  1. Malthus nunca aprovou o expediente da redução da taxa de fecundidade, pois isso, dizia ele, implicaria o recurso aos contraceptivos e ao aborto seguro. Esse pastor anglicano opunha-se ao uso desses recursos, porque os casais deviam procriar seguindo o princípio bíblico do “crescei e multiplicai-vos”.



  1.  Mas, Thomas Malthus foi contrariado pela tecnologia que promoveu um aumento extraordinário dos meios de subsistência. Foi, também, contrariado pela aplicação de outros métodos de controlo do crescimento populacional: ou pelo controlo autoritário da natalidade – como sucede, por exemplo, na China, que impõe que um casal possa apenas ter um filho – ou ainda por uma via mais democrática – que se socorre de estímulos ao controlo da natalidade.



  1.  A carência de alimentos e alta dos seus preços são problemas sérios para a maioria dos países. Podem mesmo estimular convulsões sociais, como tem sucedido um pouco por todo o lado. Mas a carência de alimentos e a alta dos seus preços, de forma alguma são a razão profunda de ser das revoluções que actualmente se espalham, por exemplo, pelo mundo árabe, como alguns analistas querem fazer crer. Elas funcionam tão-somente como o fósforo que incendeia toda a floresta. O problema não está, pois, no fósforo. Temos, sim, que ver qual o estado da floresta… Em suma: A razão de ser dessas revoluções está na lógica dos seus regimes, que são, claramente, ditaduras.

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