segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ASSIM SE MATA A DEMOCRACIA


  1. No dia 31 de Agosto, realizaram-se as esperadas eleições gerais, visando preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão vitória ao partido do governo, o MPLA, com cerca de 72%, contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA, e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado. De um modo geral, os resultados eleitorais em nada me surpreendem, exceptuando, talvez, o “score” obtido pela UNITA, situado um pouco acima daquilo que se previa, pelas razões que, de seguida, aduzirei.

 

  1. Durante algum tempo, correu em Luanda o “mujimbo” de que o MPLA não estava interessado em repetir a “escandaleira eleitoral” de 2008, quando se apresentou ao público com a astronómica cifra de cerca de 82% dos votos apurados. Com um tal “score” a vitória do MPLA aproximou-o da também “retumbante vitória eleitoral” do regime de Hosni Mubarak, no Egipto, com 90% no escrutínio de 2005. O resultado de 2008 antecipou-se também aos cerca de 90% de votos obtidos por Ben Ali, na Tunísia. Recordo que esses dois regimes vieram depois a sucumbir diante das revoltas populares do início de 2011.

 

  1. A expressão da vitória eleitoral do MPLA em 2008 e, sobretudo, o modo como decorreram as eleições – cheias de atropelamentos – mancharam a imagem do poder, lançado também para a sarjeta a reputação das autoridades eleitorais a quem incumbiu conduzi-las.

 

  1. Foi com base no resultado eleitoral de 2008 que o regime conseguiu enviesar o percurso democrático que o país exercitava. Veio, de seguida, uma “Constituição Atípica”, elaborada com o propósito de acomodar devidamente a vontade política individual de quem dirige o partido vencedor dessas eleições.

 

  1. O resultado eleitoral de 2008 transformou os partidos da oposição com assento parlamentar em meros espectadores do debate político nacional, tirando-lhes a possibilidade de intervirem, de um modo eficaz, na definição dos rumos a seguir. Estavam, pois, criadas as condições fundamentais para um novo desastre político das oposições. Mas, o partido no poder optou por moderar um pouco o seu instinto leonino. De tal modo que a UNITA conta agora com mais deputados do que no período anterior, embora o PRS tenha sido duramente penalizado e a “grande estrela” das eleições de 2008, a Nova Democracia, se tenha afundado completamente, desaparecendo do Parlamento. Mesmo com menos alguns deputados, na realidade, o MPLA mantém capacidade para colocar o poder à sua inteira disposição, como o fez depois de 2008. Em substância, nada mudou.

 

  1. Em boa verdade, os resultados eleitorais de 2012 são o fruto do modo como o poder conseguiu “controlar” as oposições: limitou a movimentação política na maioria das províncias, utilizando, para tal, todos os instrumentos ao seu dispor, em especial o mecanismo da proibição de manifestações e outros actos públicos de massa; reforçou o controlo sobre os meios rurais, socorrendo-se, por exemplo, das autoridades administrativas locais (que são nomeadas), assim como dos sobas (a quem oferece bicicletas, motas e bens diversos); colocou a jogar a seu favor os órgãos policiais que deveriam servir para a repressão dos marginais, usando-os, não poucas vezes, contra quem pretendeu manifestar-se pacificamente; surgiram verdadeiras “milícias” para perseguir, prender e agredir quem conteste; determinados políticos da oposição deixaram-se seduzir; a comunicação social do Estado foi manipulada sem pudor, violando regras básicas de isenção; por compra e por outros meios de esvaziamento, vimos asfixiada a comunicação social privada, não restando, por isso, hoje, na mídia, quase nenhuma alternativa ao discurso oficial.

 

  1.  No processo de preparação das candidaturas às eleições, foram colocados inúmeros obstáculos no caminho das oposições: o recurso à propaganda intimidadora para condicionar os potenciais subscritores de partidos da oposição; agrediram-se activistas envolvidos na recolha de assinaturas; roubaram-se assinaturas em algumas províncias. Sem esquecer o condicionamento financeiro, com destaque para o atraso na entrega do subsídio estatal aos partidos concorrentes. O partido no poder não se coibiu ainda de beneficiar dos recursos do sector empresarial a quem está umbilicalmente ligado por laços de indisfarçável cumplicidade.

 

  1. A selecção das listas de candidaturas ficou manchada por inúmeras irregularidades, havendo suspeitas de terem sido introduzidos elementos estranhos na componente técnica do processo de avaliação das candidaturas. Foi, por exemplo, por meio deste expediente que se fez gorar as legítimas expectativas de alguns partidos políticos, entre os quais o Bloco Democrático.

 

  1. Na selecção das listas candidatas ficou por demais evidente o favorecimento de alguns concorrentes, partidos e coligações, sem história, sem qualquer reputação política, encaixados tão-somente para preencher espaço, confundir as mentes e descredibilizar as verdadeiras oposições. O papel destinado a tais formações políticas era o de dividir o eleitorado, o que veio a ser confirmado durante o período de campanha eleitoral, na qual as marionetas jamais esboçaram qualquer crítica ao poder. Essas falsas oposições vão agora, durante alguns anos, repousar num qualquer limbo. Dormirão um longo e profundo sono político para reaparecerem, talvez em 2017, com outras designações, repetindo, então, o papel ridículo que lhes será reservado.

 

  1. Contudo, as eleições de 2012 apresentam uma particularidade que vale a pena destacar: foram marcadas por um elevadíssimo nível de abstenção, contrariando a história das eleições anteriores, a de 1992 e a de 2008.

 

  1. Em 1992, a taxa de participação do eleitorado foi muito grande. Isso terá sido devido ao facto de termos saído de um regime de partido único e as pessoas terem, então, uma grande avidez de votar, uma enorme ansiedade de expressar a sua vontade de escolha do partido e do candidato presidencial da sua preferência. A afluência às urnas em 1992 foi imensa, dando a ideia de que a democracia representativa iria trilhar os melhores caminhos. Porém, foram frustradas as legítimas expectativas dos cidadãos com o emergir de uma nova guerra que dizimou inúmeras vidas e empobreceu o país até ao limite.

 

  1. Em 2008, mesmo com todos os obstáculos e manobras intimidadoras, o povo afluiu de novo às urnas numa percentagem bastante elevada, perto de 90%. Viu, porém, contrariadas as suas expectativas pelo modo fraudulento como foram subtraídos os seus votos. Por isso, o processo de 2008 criou frustrações e lançou o descrédito sobre os méritos da democracia. Houve, pois, quem se tenha aproveitado dele para aprisionar as liberdades democráticas.

 

  1. Verdadeiramente, o que agora marcará as eleições de 2012 é a grandeza da abstenção, situada em perto de 4 milhões de eleitores, número quase idêntico ao dos votos atribuídos ao MPLA.

 

  1. A análise do quadro eleitoral de 2012 perde interesse se deixarmos de dar o devido valor à abstenção. Os números da abstenção equiparam-se ao “score” do partido declarado vencedor.

 

  1. O MPLA faz gala de afirmar que possui acima de 5 milhões de militantes. Se isso é verdade, como, então, se explica que somente tenha tido cerca de 4 milhões de votos? O que foi feito aos mais de 1 milhão dos seus militantes que deixaram de votar em si? E será que todos quantos votaram no MPLA são militantes?

 

  1. Para onde terá ido parar o voto desse mais de 1 milhão de militantes? Ter-se-ão alguns deles passado para a UNITA, que quase dobrou a sua votação relativamente ao ano de 2008? Terão outros aderido ao discurso da CASA-CE, que açambarcou perto de 350.000 votos? Se o destino que tiveram foi esse, então o MPLA terá que repensar a sua estratégia, pois os votos que, em princípio, eram seus, passaram-se para outras mãos. Sobretudo, porque passaram para mãos tidas como inconvenientes.

 

  1. Estarão também entre os mais de 200.000 eleitores que optaram por colocar o boletim de voto na urna sem o preencher? Terá parte desses militantes/eleitores ficado em casa, preferindo nem votar no partido do seu “coração”? Essa questão não pode, pois, ser negligenciada pelo MPLA, pois significa que o “Partido do Coração” está a perder fôlego, deixou de “apaixonar os corações” de muitos dos seus militantes. E, como sabemos, quando a paixão perde força, o amor fenece. Um partido como o MPLA, que faz questão de repetir que se confunde com o povo, deverá preocupar-se com esta perda bastante significativa de parte do “seu povo”.

 

  1. E o que foi feito dos restantes cerca de 3 milhões de eleitores que não votaram? O que sucedeu com eles? Foram impedidos de votar? Que eu saiba, houve quem tenha visto a sua vida baralhada por causa da inaptidão da CNE. Esta instituição saiu-se bastante mal, pois misturou alhos com bugalhos… Na realidade, bem vistas as coisas, portou-se como um verdadeiro agente partidário.

 

  1. Penso que a questão da abstenção deve ser cuidadosamente analisada, em todas as suas dimensões e implicações, uma vez que ela pode ter por detrás razões de ordem técnica, mas pode, igualmente, ter uma forte componente política não negligenciável. Julgo, por exemplo, que muitos dos que optaram por ficar em casa, fizeram-no porque não se revêem nos partidos concorrentes. Alguns deles, talvez se revissem no Bloco Democrático e este, como sabem, foi pura e simplesmente barrado.

 

  1. É que, para ser dinâmica e atractiva, a democracia requer espaços de identificação. Na falta dessas referências, há sempre alguém que prefere ficar em casa… É assim, afinal, que se mata a democracia!

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