terça-feira, 30 de outubro de 2012

“A NOSSA LISTA DE SCHINDLER”


  1. A imitação da “Lista de Schindler”, publicada numa das recentes edições do Jornal de Angola, tornou-se um dos assuntos mais comentados nos corredores da política angolana, e é até motivo de escárnio no seio da sociedade.

  1. “A Lista de Schindler” é o nome que o realizador norte-americano, Steven Spielberg, deu a um dos seus filmes, mostrando facetas da perseguição movida pelos nazis aos judeus na Polónia, durante a Segunda Guerra Mundial, também o seu amontoado no Gueto de Cracóvia e o posterior envio para os campos de concentração, onde seriam exterminados. A figura principal do filme é um empresário que, inicialmente, coloca judeus a trabalharem na sua fábrica, pagando-lhes salários irrisórios. Depois, sensibilizado por todo aquele drama, sente necessidade de os ajudar, impedindo, assim, que os nazis os levassem para os campos de morte.

  1. “A Lista de Schindler” fez um enorme sucesso não só pelo conteúdo do drama, como também pelo modo como Steven Spielberg conseguiu articular, com grande perfeição, o som, a música e a imagem. Steven Spielberg organizou um elenco que se veio a mostrar de verdadeiro luxo, começando pelo personagem a quem deu o papel principal, Liam Neeson, indo até ao estreante Ralph Fiennes, que pôs a fazer o ingrato papel de Amon Goeth, o Chefe do Campo de Concentração.

  1. O balanço final da acção do empresário Oskar Schindler foi a salvação de mais de mil judeus, que deixaram inúmeros descendentes hoje dispersos e espalhados por vários continentes.

  1. Creio que o filme pode se considerado um verdadeiro pilar no mundo cinematográfico tal como foi, por exemplo, o filme britânico-indiano “Gandhi”, de Richard Attenborough, protagonizado por Ben Kingsley.

  1. Quando vi estampada nas páginas do Jornal de Angola a Lista que discriminava alguns dos beneficiários das residências recentemente construídas na chamada “Cidade do Kilamba”, apliquei-lhe imediatamente o título do filme de Steven Spielberg. Passei a designá-la por “A nossa Lista de Schindler”, mesmo que nada tenha a ver com o drama que inspirou Steven Spielberg a fazer o filme que veio a aumentar ainda mais a sua cotação como realizador de cinema.

  1. As duas Listas surgem em quadros completamente distintos. A Lista de Oskar Schindler, no contexto do terror nazi, quando pretendia salvar vidas humanas dos fornos crematórios. A Lista do Kilamba, quando as autoridades angolanas se propõem acomodar um conjunto de cidadãos, supostamente desacomodados ou deficientemente acomodados.

  1. É por demais evidente que existe um enorme défice de habitações no nosso país e, muito particularmente, em Luanda, fruto da conjugação de um conjunto de factores, entre os quais o crescimento exponencial da população nos últimos anos, a urbanização forçada movida pela guerra e pelo relativo abandono a que foi deixado o interior, também pela política de derrube de habitações precárias para o surgimento de novos espaços urbanos.

  1. No projecto eleitoral de 2008, o MPLA prometeu que, em 4 anos, construiria 1 milhão de novos fogos, criando, assim, a sensação de, em pouco tempo, ter solucionado (ou minorado) o nosso défice habitacional.

  1. De facto, temos estado a assistir ao surgimento de novos bairros (maioritariamente, condomínios) para onde se mudam, sobretudo, indivíduos da chamada classe média. Mas, como a classe média está em crescimento, aumenta também a necessidade de novos alojamentos. Há toda uma mole de gente que almeja um espaço adequado, que busca um relativo conforto, mesmo que se tenha de sujeitar ao incómodo de gastar horas e horas num trânsito infernal.

  1. São também construídas, na nossa cidade, habitações para se alojarem algumas das vítimas de desalojamentos forçados (muitas vezes, violentos). Porém, o ritmo desse desalojamento é incompatível com o realojamento, havendo, por isso, quem fique em situação precária e até mesmo desesperada.

  1. O Projecto da “Cidade do Kilamba” animou expectativas. O modo como se apresentou a sua gestão gerou, porém, frustrações e desencantos, por causa dos preços e das condições de pagamento. Mas, alteraram-se as regras e retomou o curso da esperança em alguns segmentos sociais.

  1. Porém, a “bomba” rebentou com a publicação desta ista da polémica, a que eu agora vou chamando “A Nossa Lista de Schindler”.

  1. Na “Nossa Lista de Schindler” catalogaram-se os “admitidos” a partir de critérios algo estranhos, por grupos. Há até grupos que fazem levantar suspeitas de favorecimento em função de eventuais serviços prestados... Isso retira toa seriedade ao processo de afectação das residências.

  1. Acredito que alguns dos “premiados” venham a fazer negócio com as casas, pois possuem habitação condigna e até mesmo excedentária.

  1. Não se deve aceder a uma casa do Estado por se ser cantor, deputado ou jornalista, professor, médico. Muito menos por se ser religioso. É ridículo aceder-se a uma casa por se ter estado “na campanha”…

  1. Quem decidiu com base em tais critérios cometeu um erro de palmatória. Tê-lo-á cometido, por deformação cultural: habituou-se ao favorecimento, ao tráfico de influências, a considerar o país um xitaca onde só devem ter livre acesso, os amigos e os confrades.
 
  1. Tenho pena de ter visto na nossa “Lista de Schindler” gente que prezo muito e de quem não tenho suspeitas sobre a sua idoneidade. Foram lá parar por um mero acaso – ou mesmo porque necessitam seriamente de comprar uma casa. Esses eu sei que querem comprar uma casa, e têm o direito de o querer.


  1. Mas vi também na “Nossa Lista de Schindler” os “habitués”, os que estão sempre em todas. Esses, asseguro-vos, voltarão a aparecer numa outra qualquer Lista. Por exemplo, se o governo decidir construir ao lado da “Cidade do Kilamba”, a “Cidade do Kimbanda”, lá estarão eles de novo, feitos mendigos, de mão estendida, a espera de mais uma... E, para isso, para tornar isso possível, repetirão o mesmo exercício em que se especializaram: a bajulação.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

UM SILÊNCIO MAL JUSTIFICADO


1.
A presença do Chefe de Estado na sessão de abertura da legislatura que iniciou no dia 15 de Outubro ficou, sobretudo, registada pelo seusilêncio. Tal silêncio terá violado o preceito constitucional que o obriga a dirigir-se à magna assembleia, em “mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do paísSegundo se disse na altura, o Chefe de Estado fez distribuir entre os deputados à Assembleia Nacional o texto integral do discurso que proferiu no acto de posse que lugar no dia 26 de Setembro, 20 dias antes.

2.
O argumento da não repetição de discursos, utilizado pelo Chefe de Estado, não terá convencido muita gente, dado que os dois actos – atomada de posse e o da Abertura Solene da Legislatura – de modo algum se podem confundirMesmo que revestidos de grande solenidade, eles possuem significados políticos distintos.

3.
Uma coisa é a posse de José Eduardo dos Santos como Presidente da República, em que o “novo” Presidente se dirige aos presentes e à Nação discorrendo sobre questões grande profundidade política que contribuem para a nossa identidade e unidade nacional. Outra coisaseria um discurso político programático em que o Presidente deve fazer um balanço sobre o Estado da Nação e, como diz também a Constituição, anuncia “as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país”.

4.
Pelo que me apercebi das declarações à comunicação social, somente por uma questão de decoro institucional os deputados da oposição se mantiveram na sala do Parlamento, tendo embora consciência de que estavam a pactuar com uma violação à nossa Constituição. Foi melhor que se tenham mantido, dado simbolismo e a solenidade do acto.

5.
É verdade que o modo de comunicação ao Parlamento e à Nação não está explícito no texto da Constituição, todavia, olhando para o que aconteceu na abertura da última legislatura, o Presidente da República usou o método do discurso directo e não da entrega de uma mensagem em mão.

6.
Em circunstâncias especiais, podia até ser mais aconselhável o envio de mensagem escrita e lida por alguém, talvez o Presidente do Parlamento. Mas não me parece ter sido o caso, uma vez que o Chefe de Estado esteve presente no Parlamento e, pelo menosaparentemente, está de boa saúde. O seu interesse em não repetir ideias também não me parece suficiente, dado que ele podia optar por abordar outras matérias igualmente importantes para a vida nacional.

7.
Desde o discurso da tomada de posse, ocorreram, sim, inúmerassituações para as quais os cidadãos esperam resposta adequada, quer a nível da nossa vida interna, quer a nível internacional. E mesmo antes, durante o período eleitoral, houve factos ainda não explicados.

8.
Por exemplo, no discurso de tomada de posse, José Eduardo dos Santos deixou em branco inúmeros problemas que afligem o comum dos cidadãos. Um deles é o modo como decorreram as últimas eleições, em que se verificou uma muito elevada taxa abstençãoO país ainda não recebeu qualquer explicação credível – Está tudo mergulhado no campo da especulação. Outra questão é a crescente onda de violência urbana, um tema que pode pôr em causa a paz social e perigar a estabilidade emocional dos cidadãos.

9.
Assim como a abstenção pode conduzir ao desânimo e ao descrédito no processo democrático, a insegurança urbana é sempre geradora de angústia e de incertezaE, como sabemos, uma elevada incertezadesinibe os bons investimentos.

10.
Ao dirigir-se ao Parlamento, o Presidente da República poderia fazer luz sobre a opção em persistir-se na repressão aos que se manifestam(ou pretendem manifestar-se) contra o actual estado de coisas.

11.
José Eduardo dos Santos, que é também o Chefe do Governo, deve dar ao país uma explicação correcta sobre as constantes debilidades que se verificam no fornecimento de bens e serviços básicos à população. Deve ainda esclarecer sobre o porquê de manter empastas governativas (tanto ao nível central, quanto ao nível provincial), figuras com grande desgaste de imagem, fruto do seupéssimo desempenho.

12.
Os factos atrás assinalados dariam já para ele elaborar uma intervenção pública.
13.
O Estado da Nação envolve também as nossas relações externas, as nossas opções de política externa, algumas das quais redundaram em autêntico fiasco.

14.
Vejo, sim, matéria suficientemente importante para o Chefe de Estado (e Líder do Executivo) se pronunciar perante o Parlamento e, indirectamente, se dirigir à Nação. Mas prefere escusar-se, correndo o risco de incumprir a Lei Magna que jurou cumprir e fazer cumprirnestes próximos 5 anos. Seria mais vantajoso evitar tal deslize. Poderia tê-lo feito, se tivesse sido melhor aconselhado. Mas, não foi.


UM SILÊNCIO MAL JUSTIFICADO


1.
A presença do Chefe de Estado na sessão de abertura da legislatura que iniciou no dia 15 de Outubro ficou, sobretudo, registada pelo seusilêncio. Tal silêncio terá violado o preceito constitucional que o obriga a dirigir-se à magna assembleia, em “mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do paísSegundo se disse na altura, o Chefe de Estado fez distribuir entre os deputados à Assembleia Nacional o texto integral do discurso que proferiu no acto de posse que lugar no dia 26 de Setembro, 20 dias antes.

2.
O argumento da não repetição de discursos, utilizado pelo Chefe de Estado, não terá convencido muita gente, dado que os dois actos – atomada de posse e o da Abertura Solene da Legislatura – de modo algum se podem confundirMesmo que revestidos de grande solenidade, eles possuem significados políticos distintos.

3.
Uma coisa é a posse de José Eduardo dos Santos como Presidente da República, em que o “novo” Presidente se dirige aos presentes e à Nação discorrendo sobre questões grande profundidade política que contribuem para a nossa identidade e unidade nacional. Outra coisaseria um discurso político programático em que o Presidente deve fazer um balanço sobre o Estado da Nação e, como diz também a Constituição, anuncia “as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país”.

4.
Pelo que me apercebi das declarações à comunicação social, somente por uma questão de decoro institucional os deputados da oposição se mantiveram na sala do Parlamento, tendo embora consciência de que estavam a pactuar com uma violação à nossa Constituição. Foi melhor que se tenham mantido, dado simbolismo e a solenidade do acto.

5.
É verdade que o modo de comunicação ao Parlamento e à Nação não está explícito no texto da Constituição, todavia, olhando para o que aconteceu na abertura da última legislatura, o Presidente da República usou o método do discurso directo e não da entrega de uma mensagem em mão.

6.
Em circunstâncias especiais, podia até ser mais aconselhável o envio de mensagem escrita e lida por alguém, talvez o Presidente do Parlamento. Mas não me parece ter sido o caso, uma vez que o Chefe de Estado esteve presente no Parlamento e, pelo menosaparentemente, está de boa saúde. O seu interesse em não repetir ideias também não me parece suficiente, dado que ele podia optar por abordar outras matérias igualmente importantes para a vida nacional.

7.
Desde o discurso da tomada de posse, ocorreram, sim, inúmerassituações para as quais os cidadãos esperam resposta adequada, quer a nível da nossa vida interna, quer a nível internacional. E mesmo antes, durante o período eleitoral, houve factos ainda não explicados.

8.
Por exemplo, no discurso de tomada de posse, José Eduardo dos Santos deixou em branco inúmeros problemas que afligem o comum dos cidadãos. Um deles é o modo como decorreram as últimas eleições, em que se verificou uma muito elevada taxa abstençãoO país ainda não recebeu qualquer explicação credível – Está tudo mergulhado no campo da especulação. Outra questão é a crescente onda de violência urbana, um tema que pode pôr em causa a paz social e perigar a estabilidade emocional dos cidadãos.

9.
Assim como a abstenção pode conduzir ao desânimo e ao descrédito no processo democrático, a insegurança urbana é sempre geradora de angústia e de incertezaE, como sabemos, uma elevada incertezadesinibe os bons investimentos.

10.
Ao dirigir-se ao Parlamento, o Presidente da República poderia fazer luz sobre a opção em persistir-se na repressão aos que se manifestam(ou pretendem manifestar-se) contra o actual estado de coisas.

11.
José Eduardo dos Santos, que é também o Chefe do Governo, deve dar ao país uma explicação correcta sobre as constantes debilidades que se verificam no fornecimento de bens e serviços básicos à população. Deve ainda esclarecer sobre o porquê de manter empastas governativas (tanto ao nível central, quanto ao nível provincial), figuras com grande desgaste de imagem, fruto do seupéssimo desempenho.

12.
Os factos atrás assinalados dariam já para ele elaborar uma intervenção pública.
13.
O Estado da Nação envolve também as nossas relações externas, as nossas opções de política externa, algumas das quais redundaram em autêntico fiasco.

14.
Vejo, sim, matéria suficientemente importante para o Chefe de Estado (e Líder do Executivo) se pronunciar perante o Parlamento e, indirectamente, se dirigir à Nação. Mas prefere escusar-se, correndo o risco de incumprir a Lei Magna que jurou cumprir e fazer cumprirnestes próximos 5 anos. Seria mais vantajoso evitar tal deslize. Poderia tê-lo feito, se tivesse sido melhor aconselhado. Mas, não foi.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

O MEU PROFESSOR NUNO GRANDE


  1. Estou seguro que quase todos nós fomos, de algum modo, marcados pelos nossos professores, especialmente, por professores que tivemos no ensino primário. Foram eles que nos puseram em contacto com os segredos elementares da ciência, daí que lhes devamos um grande reconhecimento. Mas, também guardamos bem na memória certos os professores com quem convivemos ao longo do ensino secundário.

 

  1. Por exemplo, ainda hoje me recordo com saudades dos tempos do Liceu Salvador Correia. Esse foi, por excelência, o período da irreverência, da contestação a valores e regras sociais que tínhamos como retrógrados. Queríamos quase sempre substitui-los, nem que fosse com o recurso a alguma força.

 

  1. Infelizmente, já não me lembro bem de como se chamava a professora com quem aprendi a ler, que me ensinou a tabuada, com quem dei os primeiros passos na escrita, nas operações aritméticas, no estudo da natureza. Mas, lembro-me que foi em Cabinda – já lá vão muitos anos. Eu tinha, então, em simultâneo, pai e mãe. Depois, aos 7 anos de idade, fiquei órfão. Mesmo assim, guardo na memória praticamente todo o espaço da minha escola, a disposição das salas de aula, o grande quintal que circundava, os campos para a prática desportiva, uma vista agradável de muitas árvores… Quando me vem à memória esse conjunto de imagens, associo-as logo ao dia em que o meu pai morreu.

 

  1. Recordo-me de ver o Sr. João Serrano a ir buscar-me à sala de aula; depois a partirmos, eu e os meus irmãos, no seu carro, a caminho da nossa casa, sem sabermos o que realmente se passara. O Sr. João Serrano disse-nos apenas que o nosso pai não se estava a sentir bem, por isso, pedira que nos fosse buscar à escola, para estarmos junto dele. Afinal, o nosso pai tinha acabado de morrer, subitamente. Dia triste. Dia inesquecível.

 

  1. Chego à casa e deparo-me com o cenário da morte…Percebi, de imediato, o porquê do rosto sofrido da minha professora, depois de ela ter falado com o Sr. João Serrano. Afinal, a minha professora, de cujo nome não me recordo, recebera disfarçadamente a informação, pelo Sr. João Serrano, de que, naquele momento, eu e os meus irmãos passáramos à condição de crianças órfãs. É verdade, há certos factos que balizam as nossas vidas… E há professores que nos marcam para sempre… Acredito também que haja alunos que, por alguma razão particular, marcam as vidas dos professores.

 

  1. Há anos, por exemplo, o meu falecido e querido familiar, Joaquim Pinto de Andrade, interpelou-me dizendo que tivera em mãos uma caderneta escolar do meu tempo de estudante do Liceu. Que vira aí a minha foto de jovem adolescente. Que lera as anotações escritas na minha página da caderneta. O Joaquim falou de mim com propriedade, dessa época da minha adolescência. No final, disse-me que toda essa informação obtivera da esposa do amigo e seu advogado, o Dr. Brochado Coelho. Falara demoradamente sobre mim com a minha antiga professora do Liceu Salvador Correia, esposa do Dr. Mário Brochado Coelho.

 

  1. A mulher do Dr. Mário Brochado Coelho guardara durante a vida inteira as cadernetas escolares com as fotos e referências dos seus alunos. As cadernetas escolares e outros documentos eram um espaço privilegiado da sua memória.

 

  1. Eu era, naturalmente, um dos alunos de que ela se recordava bem, e de que acompanhava os passos. Afinal, fiquei a saber, a minha professora seguira com interesse o meu percurso de vida. Fiquei muito sensibilizado por tanto carinho vindo de alguém que me conhecera muito jovem e que ainda nutria tanta estima por mim. Mesmo distante, na cidade do Porto, a minha antiga professora mantinha viva a chama dos tempos do Liceu.

 

  1. Tive professores excepcionais, quer como pessoas, quer como docentes. Não tenho razões de queixas. Fui sempre acarinhado. Não tenho traumas nem sou apoquentado por fantasmas do passado. Fiz as minhas opções políticas e sociais, despido de emoções. Durmo, pois, em paz com a minha consciência.

 

  1. Mas, ontem, dia 10, dormi triste. Ao princípio da noite, tinha lido uma notícia que me abalou. Na página da necrologia do Jornal de Angola estava estampada a notícia da morte, na cidade do Porto, do meu querido professor do Curso Médico-Cirúrgico dos Estudos Gerais Universitários de Angola, o Professor Doutor Nuno Grande.

 

  1. O Professor Nuno Grande foi um grande referencial para os estudantes de medicina do período colonial. Não só pela sua competência como docente, mas também pela sua valia como médico. Era ainda um grande humanista. Tenho do Professor Doutor Nuno Grande a melhor memória.

 

  1. Recordo-me bem do dia em que o conheci. Foi o Gigi Mendonça que me levou ao Teatro Anatómico, para eu tomar contacto com o Curso que decidira seguir, logo que acabasse o Liceu. Depois, o Professor Doutor Nuno Grande deu-me aulas de Anatomia Descritiva. O seu Assistente era o Doutor Cadete Leite, de quem também fiquei amigo. Professores de prestígio no meio académico da época. O Doutor Eira Rebelo. O Doutor Sodré Borges. O velho Professor João de Oliveira e Silva (o Bló), e outros.

 

  1. Fiquei amigo do Professor Doutor Nuno Grande. Partilhávamos a mesmo visão negativa contra o regime colonial e fascista da época. Com o Professor Nuno Grande, no seu gabinete, no Pavilhão de Anatomia, conversei algumas vezes sobre o regime de Salazar, e do fim inelutável que teria. Um regime fora do tempo que era necessário extinguir. Recebi palavras de solidariedade. Manifestou carinho por mim, quando já me encontrava preso, na cadeia de São Paulo, antes de partir para o Tarrafal.

 

  1. O Professor Nuno Grande era não só um homem de saber, era também um homem de causas. Sempre ao lado das boas causas – até ao fim da sua vida.

 

  1. Quando regressei do Tarrafal, passados os anos de afastamento, o Professor Nuno Grande recebeu-me novamente no seu gabinete, e pediu-me que retomasse o meu percurso académico. Disse-me que a Faculdade de Medicina me recebia de braços abertos – que eu passara a ser uma referência para aquela geração. Pensei, repensei… Mas eu já não era o mesmo Justino… Achei que o espaço dos hospitais passaria a ser muito restrito para mim. Eu precisava de mais espaço para fazer intervenção social. Não voltei. Mudei de rumo. Mudei de ciência.

 

  1. O Professor Nuno Grande foi brilhante como estudante e como professor. Fez tudo com média de 19 valores. Mas era simples e de fácil relacionamento. Veio para Angola como Médico militar e notabilizou-se no Curso Médico-Cirúrgico em Luanda. Chegou a ser Vice-Reitor da Universidade de Luanda – sucedâneo dos Estudos Gerais Universitários de Angola. Quando regressou a Portugal, ao seu querido Porto, fundou o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

 

  1. O Professor Nuno Grande também se engajou na política, como um dever de cidadania. Foi mandatário da candidatura da Dr.ª Maria de Lourdes Pintassilgo à Presidência da República Portuguesa em 1985. Foi fundador e presidente da Associação de Desenvolvimento Regional e Intervenção Cívica. Teve um grande empenho no movimento pela despenalização do aborto. Ao nível da acção partidária, esteve muito ligado ao Bloco de Esquerda, mobilizando apoios às suas candidaturas.

 

  1. Recuando agora aos velhos tempos dos Estudos Gerais Universitários de Angola e à Universidade de Luanda, apetece-me dizer que perdi um professor que soube ser solidário e mestre na intervenção social. É verdade, era mesmo “Muito Grande” o meu Professor Nuno Grande.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A VIOLÊNCIA QUE NOS AFRONTA


  1. Vive-se em todo o país um clima de grande ansiedade, muito por causa dos actos de violência urbana que se repetem no nosso quotidiano. Uma violência urbana que se materializa em assaltos a estabelecimentos bancários, a lojas e cantinas, a residências (e, em plena luz do dia), violação de jovens raparigas em locais ermos (muitas vezes seguidas de morte), agressões a estudantes à saída das aulas, vandalização e roubo de viaturas, assassinatos de gente indefesa, ajustes de contas entre integrantes de “gangs” (que, não poucas vezes, culminam em mortes). Somos, por isso, tomados pela sensação de que os criminosos estão em vantagem sobre as autoridades, e até mesmo que eles tomaram os cidadãos comuns como seus reféns.

 

  1. Nos últimos dias, o país foi “acordando” com a notícia de três crimes hediondos ocorridos num curto período de tempo: a violação (seguida de tentativa de assassinato) de uma jovem rapariga num prédio situado no Bairro Prenda; a morte, em circunstâncias trágicas, de um jovem estudante universitário, de nome Jorge Valério Coelho da Cruz; mais recentemente, a morte de uma professora na cidade do Lubango, esquartejada pelo colega e suposto namorado.

 

  1. Pela enormidade e barbaridade dos crimes, o país está tomado por grande comoção, ao ponto de alguns jovens em Luanda terem mobilizado uma manifestação púbica de repúdio à violência, querendo pedir, naturalmente, uma maior atenção às autoridades públicas. A sua mensagem terá sido de um sério alerta para os riscos que, afinal, todos corremos, caso não se actue em tempo e na medida adequada… A passeata organizada em Luanda valeu, sobretudo, pela intenção, e a sua força não pode ser vista propriamente a partir do volume de gente que a incorporou. É a indignação feita em termos serenos mas indubitáveis.

 

  1. Todos os três crimes que abalaram as consciências dos nossos concidadãos tiveram lugar no casco urbano de cidades, e um deles envolveu pessoas ligadas a famílias conhecidas.

 

  1. Que eu saiba, o crime que vitimou o jovem Jorge Valério terá sido praticado por gente que vive muito próximo do conforto e do bem-estar. São também pessoas letradas. O morto era estudante, tal como o principal acusado que era mesmo mais jovem que a vítima. Todos, pois, na flor da idade. Talvez tenha sido isso a contribuir para a sua maior mediatização, dado que, por norma, a sociedade está mais habituada a ver imagens de marginais oriundos de outros segmentos sociais.

 

  1. A frequente repetição dessas imagens e de relatos de crimes em que o agressor é, quase sempre, gente de origem pobre, poderá conduzir à conclusão de que a violência urbana tem a marca da pobreza. E que a pobreza é, por si própria, a grande geradora de violência. Isso não é verdade. Se assim fosse, concluiríamos, precipitadamente, que os populares vivendo em estado de pobreza serão, pura e simplesmente, potenciais criminosos.

 

  1. As estatísticas assinalam quase sempre demasiados crimes nas áreas urbanas mais carenciadas. Porém, a violência e, especialmente, a violência urbana pode também ter origem na desestruturação familiar. A ausência de afecto é capaz de empurrar uma criança (ou um adolescente) para a marginalidade. A violência doméstica (e, também, a fora do lar) pode, igualmente, gerar desestruturação familiar. Estudos sociológicos feitos em diversos países conduzem a esse resultado.

 

  1. Há crianças e adolescentes que se tornam marginais por falta de êxito escolar. Essa falta torna-os frustrados, gera um ímpeto de vingança sobre professores, sobre os funcionários do estabelecimento escolar, e mesmo até sobre os colegas. Recordo-me de ter lido relatos de crimes hediondos, crimes em massa cometidos por ex-alunos de determinada escola. São crimes congeminados durante algum tempo – até que os seus autores espreitem a melhor oportunidade para os cometer. Os criminosos deixam registos magnéticos dos actos de preparação.

 

  1. O desemprego também gera frustração. Se demasiado prolongado, o desemprego provoca uma perda progressiva de auto-estima. Daí pode-se ir por um curto caminho até à prática de actos marginais. Não haja dúvidas que o desemprego é um dos grandes cancros das sociedades urbanas.
  2. Se conjugado o desemprego com a propagação de certos modelos de consumo, estão criadas as condições para a disseminação, entre os jovens, de métodos ilícitos alternativos que lhes permitem obter recursos para o desejado consumo. É a prática da expressão “quem não tem cão, caça com gato…”.

 

  1. As estatísticas policiais evidenciam a violência urbana associada ao desenvolvimento de uma economia paralela assente no tráfico de drogas e de mercadorias roubadas. É aí que se cometem dos crimes mais hediondos, sobretudo quando os membros de “gangs” rivais lutam pelo domínio do mercado. Esses “gangs” usam armamento sofisticado e, não poucas vezes, têm cumplicidade de agentes das polícias. Julgo não ser esse, ainda, o nosso caso. Publicamente, nada foi apresentado, de forma inequívoca, que documente tal situação.

 

  1. Determinados produtos exibidos em certos meios de comunicação social têm igualmente uma quota de responsabilidade na cultura de violência que hoje se propaga entre nós. São produtos de consumo massivo e de difícil controlo, e geram um “efeito imitação” nos jovens ávidos de encontrar “heróis” em filmes e jogos. Os “heróis” que encontram são, afinal, muitos deles bandidos, marginais.

 

  1. A toxicodependência é outra fonte segura de violência. Não é possível pôr em causa esta afirmação, se nos lembrarmos que, em grande número de vezes, os marginais apresentados ao público pela polícia se assumem como consumidores de drogas, muitas delas drogas pesadas.

 

  1. A nossa sociedade deixou há muito de ser “virgem”, no que diz respeito ao crime. A realidade confronta-nos com crimes cada vez mais violentos. Por norma, o crime de hoje é mais hediondo que o crime anterior.

 

  1. Desde a independência, a sociedade foi assimilando “valores” que não valorizam devidamente o esforço e o mérito. É a época do ganho fácil e da opulência. Do desrespeito pelo esforço alheio. Do endeusamento dos cargos de nomeação. Do atropelo às regras mais elementares, quando se pretende ascender a cargos de responsabilidade.

 

  1. A violência que se pratica na nossa sociedade em grande medida fica impune. Há muitos crimes sem castigo. Por isso, o povo tem razão, quando diz que muitos criminosos estão protegidos e encobertos. Não pode haver dúvidas de que, sistematicamente, são cometidas violações contra direitos elementares e constitucionais dos cidadãos.

 

  1. De forma misteriosa e suspeita, desaparecem da circulação cidadãos, sem que se dê uma explicação pública – Onde estão, por exemplo, os jovens Isaías Cassule e Kamulingue, cujo paradeiro se desconhece há vários meses? Sabe-se apenas que terão sido detidos quando pretendiam manifestar-se publicamente, reclamando direitos. Neste e noutros casos, qual tem sido a resposta das autoridades policiais e, sobretudo, políticas? Silêncio cúmplice – sem dúvidas.

 

  1. Tudo isso conduz ao crime e estimula os criminosos. Faz deles aliados e não inimigos. A “sensação de impunidade” faz com que os criminosos actuem sem restrições e reincidam. Políticos e filhos de políticos. Militares e filhos de militares. Empresários e filhos de empresários. Gestores e filhos de gestores. Há, sim, entre nós, demasiada gente que se julga acima da lei…

 

  1. Estamos agora a perceber por que a violência não mora, pois, apenas, nas periferias da cidade. A falta de infra-estrutura urbana e a pobreza não são a única causa da violência. Engana-se quem pensa o contrário. O crime e a violência também moram em mansões e passeiam-se em viaturas de alta cilindrada.

 

  1. Se, de facto, queremos combater a violência e o crime, não nos basta abrir mais cadeias. Temos, sim, que olhar para a nossa sociedade com mais atenção, atacando com coragem todos os factores geradores da violência e do crime.

A VIOLÊNCIA QUE NOS AFRONTA


  1. Vive-se em todo o país um clima de grande ansiedade, muito por causa dos actos de violência urbana que se repetem no nosso quotidiano. Uma violência urbana que se materializa em assaltos a estabelecimentos bancários, a lojas e cantinas, a residências (e, em plena luz do dia), violação de jovens raparigas em locais ermos (muitas vezes seguidas de morte), agressões a estudantes à saída das aulas, vandalização e roubo de viaturas, assassinatos de gente indefesa, ajustes de contas entre integrantes de “gangs” (que, não poucas vezes, culminam em mortes). Somos, por isso, tomados pela sensação de que os criminosos estão em vantagem sobre as autoridades, e até mesmo que eles tomaram os cidadãos comuns como seus reféns.

 

  1. Nos últimos dias, o país foi “acordando” com a notícia de três crimes hediondos ocorridos num curto período de tempo: a violação (seguida de tentativa de assassinato) de uma jovem rapariga num prédio situado no Bairro Prenda; a morte, em circunstâncias trágicas, de um jovem estudante universitário, de nome Jorge Valério Coelho da Cruz; mais recentemente, a morte de uma professora na cidade do Lubango, esquartejada pelo colega e suposto namorado.

 

  1. Pela enormidade e barbaridade dos crimes, o país está tomado por grande comoção, ao ponto de alguns jovens em Luanda terem mobilizado uma manifestação púbica de repúdio à violência, querendo pedir, naturalmente, uma maior atenção às autoridades públicas. A sua mensagem terá sido de um sério alerta para os riscos que, afinal, todos corremos, caso não se actue em tempo e na medida adequada… A passeata organizada em Luanda valeu, sobretudo, pela intenção, e a sua força não pode ser vista propriamente a partir do volume de gente que a incorporou. É a indignação feita em termos serenos mas indubitáveis.

 

  1. Todos os três crimes que abalaram as consciências dos nossos concidadãos tiveram lugar no casco urbano de cidades, e um deles envolveu pessoas ligadas a famílias conhecidas.

 

  1. Que eu saiba, o crime que vitimou o jovem Jorge Valério terá sido praticado por gente que vive muito próximo do conforto e do bem-estar. São também pessoas letradas. O morto era estudante, tal como o principal acusado que era mesmo mais jovem que a vítima. Todos, pois, na flor da idade. Talvez tenha sido isso a contribuir para a sua maior mediatização, dado que, por norma, a sociedade está mais habituada a ver imagens de marginais oriundos de outros segmentos sociais.

 

  1. A frequente repetição dessas imagens e de relatos de crimes em que o agressor é, quase sempre, gente de origem pobre, poderá conduzir à conclusão de que a violência urbana tem a marca da pobreza. E que a pobreza é, por si própria, a grande geradora de violência. Isso não é verdade. Se assim fosse, concluiríamos, precipitadamente, que os populares vivendo em estado de pobreza serão, pura e simplesmente, potenciais criminosos.

 

  1. As estatísticas assinalam quase sempre demasiados crimes nas áreas urbanas mais carenciadas. Porém, a violência e, especialmente, a violência urbana pode também ter origem na desestruturação familiar. A ausência de afecto é capaz de empurrar uma criança (ou um adolescente) para a marginalidade. A violência doméstica (e, também, a fora do lar) pode, igualmente, gerar desestruturação familiar. Estudos sociológicos feitos em diversos países conduzem a esse resultado.

 

  1. Há crianças e adolescentes que se tornam marginais por falta de êxito escolar. Essa falta torna-os frustrados, gera um ímpeto de vingança sobre professores, sobre os funcionários do estabelecimento escolar, e mesmo até sobre os colegas. Recordo-me de ter lido relatos de crimes hediondos, crimes em massa cometidos por ex-alunos de determinada escola. São crimes congeminados durante algum tempo – até que os seus autores espreitem a melhor oportunidade para os cometer. Os criminosos deixam registos magnéticos dos actos de preparação.

 

  1. O desemprego também gera frustração. Se demasiado prolongado, o desemprego provoca uma perda progressiva de auto-estima. Daí pode-se ir por um curto caminho até à prática de actos marginais. Não haja dúvidas que o desemprego é um dos grandes cancros das sociedades urbanas.
  2. Se conjugado o desemprego com a propagação de certos modelos de consumo, estão criadas as condições para a disseminação, entre os jovens, de métodos ilícitos alternativos que lhes permitem obter recursos para o desejado consumo. É a prática da expressão “quem não tem cão, caça com gato…”.

 

  1. As estatísticas policiais evidenciam a violência urbana associada ao desenvolvimento de uma economia paralela assente no tráfico de drogas e de mercadorias roubadas. É aí que se cometem dos crimes mais hediondos, sobretudo quando os membros de “gangs” rivais lutam pelo domínio do mercado. Esses “gangs” usam armamento sofisticado e, não poucas vezes, têm cumplicidade de agentes das polícias. Julgo não ser esse, ainda, o nosso caso. Publicamente, nada foi apresentado, de forma inequívoca, que documente tal situação.

 

  1. Determinados produtos exibidos em certos meios de comunicação social têm igualmente uma quota de responsabilidade na cultura de violência que hoje se propaga entre nós. São produtos de consumo massivo e de difícil controlo, e geram um “efeito imitação” nos jovens ávidos de encontrar “heróis” em filmes e jogos. Os “heróis” que encontram são, afinal, muitos deles bandidos, marginais.

 

  1. A toxicodependência é outra fonte segura de violência. Não é possível pôr em causa esta afirmação, se nos lembrarmos que, em grande número de vezes, os marginais apresentados ao público pela polícia se assumem como consumidores de drogas, muitas delas drogas pesadas.

 

  1. A nossa sociedade deixou há muito de ser “virgem”, no que diz respeito ao crime. A realidade confronta-nos com crimes cada vez mais violentos. Por norma, o crime de hoje é mais hediondo que o crime anterior.

 

  1. Desde a independência, a sociedade foi assimilando “valores” que não valorizam devidamente o esforço e o mérito. É a época do ganho fácil e da opulência. Do desrespeito pelo esforço alheio. Do endeusamento dos cargos de nomeação. Do atropelo às regras mais elementares, quando se pretende ascender a cargos de responsabilidade.

 

  1. A violência que se pratica na nossa sociedade em grande medida fica impune. Há muitos crimes sem castigo. Por isso, o povo tem razão, quando diz que muitos criminosos estão protegidos e encobertos. Não pode haver dúvidas de que, sistematicamente, são cometidas violações contra direitos elementares e constitucionais dos cidadãos.

 

  1. De forma misteriosa e suspeita, desaparecem da circulação cidadãos, sem que se dê uma explicação pública – Onde estão, por exemplo, os jovens Isaías Cassule e Kamulingue, cujo paradeiro se desconhece há vários meses? Sabe-se apenas que terão sido detidos quando pretendiam manifestar-se publicamente, reclamando direitos. Neste e noutros casos, qual tem sido a resposta das autoridades policiais e, sobretudo, políticas? Silêncio cúmplice – sem dúvidas.

 

  1. Tudo isso conduz ao crime e estimula os criminosos. Faz deles aliados e não inimigos. A “sensação de impunidade” faz com que os criminosos actuem sem restrições e reincidam. Políticos e filhos de políticos. Militares e filhos de militares. Empresários e filhos de empresários. Gestores e filhos de gestores. Há, sim, entre nós, demasiada gente que se julga acima da lei…

 

  1. Estamos agora a perceber por que a violência não mora, pois, apenas, nas periferias da cidade. A falta de infra-estrutura urbana e a pobreza não são a única causa da violência. Engana-se quem pensa o contrário. O crime e a violência também moram em mansões e passeiam-se em viaturas de alta cilindrada.

 

  1. Se, de facto, queremos combater a violência e o crime, não nos basta abrir mais cadeias. Temos, sim, que olhar para a nossa sociedade com mais atenção, atacando com coragem todos os factores geradores da violência e do crime.