quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A VIOLÊNCIA QUE NOS AFRONTA


  1. Vive-se em todo o país um clima de grande ansiedade, muito por causa dos actos de violência urbana que se repetem no nosso quotidiano. Uma violência urbana que se materializa em assaltos a estabelecimentos bancários, a lojas e cantinas, a residências (e, em plena luz do dia), violação de jovens raparigas em locais ermos (muitas vezes seguidas de morte), agressões a estudantes à saída das aulas, vandalização e roubo de viaturas, assassinatos de gente indefesa, ajustes de contas entre integrantes de “gangs” (que, não poucas vezes, culminam em mortes). Somos, por isso, tomados pela sensação de que os criminosos estão em vantagem sobre as autoridades, e até mesmo que eles tomaram os cidadãos comuns como seus reféns.

 

  1. Nos últimos dias, o país foi “acordando” com a notícia de três crimes hediondos ocorridos num curto período de tempo: a violação (seguida de tentativa de assassinato) de uma jovem rapariga num prédio situado no Bairro Prenda; a morte, em circunstâncias trágicas, de um jovem estudante universitário, de nome Jorge Valério Coelho da Cruz; mais recentemente, a morte de uma professora na cidade do Lubango, esquartejada pelo colega e suposto namorado.

 

  1. Pela enormidade e barbaridade dos crimes, o país está tomado por grande comoção, ao ponto de alguns jovens em Luanda terem mobilizado uma manifestação púbica de repúdio à violência, querendo pedir, naturalmente, uma maior atenção às autoridades públicas. A sua mensagem terá sido de um sério alerta para os riscos que, afinal, todos corremos, caso não se actue em tempo e na medida adequada… A passeata organizada em Luanda valeu, sobretudo, pela intenção, e a sua força não pode ser vista propriamente a partir do volume de gente que a incorporou. É a indignação feita em termos serenos mas indubitáveis.

 

  1. Todos os três crimes que abalaram as consciências dos nossos concidadãos tiveram lugar no casco urbano de cidades, e um deles envolveu pessoas ligadas a famílias conhecidas.

 

  1. Que eu saiba, o crime que vitimou o jovem Jorge Valério terá sido praticado por gente que vive muito próximo do conforto e do bem-estar. São também pessoas letradas. O morto era estudante, tal como o principal acusado que era mesmo mais jovem que a vítima. Todos, pois, na flor da idade. Talvez tenha sido isso a contribuir para a sua maior mediatização, dado que, por norma, a sociedade está mais habituada a ver imagens de marginais oriundos de outros segmentos sociais.

 

  1. A frequente repetição dessas imagens e de relatos de crimes em que o agressor é, quase sempre, gente de origem pobre, poderá conduzir à conclusão de que a violência urbana tem a marca da pobreza. E que a pobreza é, por si própria, a grande geradora de violência. Isso não é verdade. Se assim fosse, concluiríamos, precipitadamente, que os populares vivendo em estado de pobreza serão, pura e simplesmente, potenciais criminosos.

 

  1. As estatísticas assinalam quase sempre demasiados crimes nas áreas urbanas mais carenciadas. Porém, a violência e, especialmente, a violência urbana pode também ter origem na desestruturação familiar. A ausência de afecto é capaz de empurrar uma criança (ou um adolescente) para a marginalidade. A violência doméstica (e, também, a fora do lar) pode, igualmente, gerar desestruturação familiar. Estudos sociológicos feitos em diversos países conduzem a esse resultado.

 

  1. Há crianças e adolescentes que se tornam marginais por falta de êxito escolar. Essa falta torna-os frustrados, gera um ímpeto de vingança sobre professores, sobre os funcionários do estabelecimento escolar, e mesmo até sobre os colegas. Recordo-me de ter lido relatos de crimes hediondos, crimes em massa cometidos por ex-alunos de determinada escola. São crimes congeminados durante algum tempo – até que os seus autores espreitem a melhor oportunidade para os cometer. Os criminosos deixam registos magnéticos dos actos de preparação.

 

  1. O desemprego também gera frustração. Se demasiado prolongado, o desemprego provoca uma perda progressiva de auto-estima. Daí pode-se ir por um curto caminho até à prática de actos marginais. Não haja dúvidas que o desemprego é um dos grandes cancros das sociedades urbanas.
  2. Se conjugado o desemprego com a propagação de certos modelos de consumo, estão criadas as condições para a disseminação, entre os jovens, de métodos ilícitos alternativos que lhes permitem obter recursos para o desejado consumo. É a prática da expressão “quem não tem cão, caça com gato…”.

 

  1. As estatísticas policiais evidenciam a violência urbana associada ao desenvolvimento de uma economia paralela assente no tráfico de drogas e de mercadorias roubadas. É aí que se cometem dos crimes mais hediondos, sobretudo quando os membros de “gangs” rivais lutam pelo domínio do mercado. Esses “gangs” usam armamento sofisticado e, não poucas vezes, têm cumplicidade de agentes das polícias. Julgo não ser esse, ainda, o nosso caso. Publicamente, nada foi apresentado, de forma inequívoca, que documente tal situação.

 

  1. Determinados produtos exibidos em certos meios de comunicação social têm igualmente uma quota de responsabilidade na cultura de violência que hoje se propaga entre nós. São produtos de consumo massivo e de difícil controlo, e geram um “efeito imitação” nos jovens ávidos de encontrar “heróis” em filmes e jogos. Os “heróis” que encontram são, afinal, muitos deles bandidos, marginais.

 

  1. A toxicodependência é outra fonte segura de violência. Não é possível pôr em causa esta afirmação, se nos lembrarmos que, em grande número de vezes, os marginais apresentados ao público pela polícia se assumem como consumidores de drogas, muitas delas drogas pesadas.

 

  1. A nossa sociedade deixou há muito de ser “virgem”, no que diz respeito ao crime. A realidade confronta-nos com crimes cada vez mais violentos. Por norma, o crime de hoje é mais hediondo que o crime anterior.

 

  1. Desde a independência, a sociedade foi assimilando “valores” que não valorizam devidamente o esforço e o mérito. É a época do ganho fácil e da opulência. Do desrespeito pelo esforço alheio. Do endeusamento dos cargos de nomeação. Do atropelo às regras mais elementares, quando se pretende ascender a cargos de responsabilidade.

 

  1. A violência que se pratica na nossa sociedade em grande medida fica impune. Há muitos crimes sem castigo. Por isso, o povo tem razão, quando diz que muitos criminosos estão protegidos e encobertos. Não pode haver dúvidas de que, sistematicamente, são cometidas violações contra direitos elementares e constitucionais dos cidadãos.

 

  1. De forma misteriosa e suspeita, desaparecem da circulação cidadãos, sem que se dê uma explicação pública – Onde estão, por exemplo, os jovens Isaías Cassule e Kamulingue, cujo paradeiro se desconhece há vários meses? Sabe-se apenas que terão sido detidos quando pretendiam manifestar-se publicamente, reclamando direitos. Neste e noutros casos, qual tem sido a resposta das autoridades policiais e, sobretudo, políticas? Silêncio cúmplice – sem dúvidas.

 

  1. Tudo isso conduz ao crime e estimula os criminosos. Faz deles aliados e não inimigos. A “sensação de impunidade” faz com que os criminosos actuem sem restrições e reincidam. Políticos e filhos de políticos. Militares e filhos de militares. Empresários e filhos de empresários. Gestores e filhos de gestores. Há, sim, entre nós, demasiada gente que se julga acima da lei…

 

  1. Estamos agora a perceber por que a violência não mora, pois, apenas, nas periferias da cidade. A falta de infra-estrutura urbana e a pobreza não são a única causa da violência. Engana-se quem pensa o contrário. O crime e a violência também moram em mansões e passeiam-se em viaturas de alta cilindrada.

 

  1. Se, de facto, queremos combater a violência e o crime, não nos basta abrir mais cadeias. Temos, sim, que olhar para a nossa sociedade com mais atenção, atacando com coragem todos os factores geradores da violência e do crime.

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