quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

NELSON MANDELA – UM HOMEM SINGULAR


  1. A morte de Nelson Mandela foi, seguramente, o facto que, nos últimos dias, mais prendeu a atenção da opinião pública internacional, tendo relegado para plano secundário, quer a crítica situação vivida na Síria, a tensão política e militar prevalecente no Pacífico – em torno das ilhas Diaoyu (Senkaku, para os japoneses), disputadas pela China, Japão e Coreia do Sul – ou mesmo até, os tumultos que varrem a Ucrânia, depois da recusa das autoridades deste país a aderir à União Europeia.

 

  1. A morte de Nelson Mandela despoletou dois factos contraditórios: por um lado, grande pesar pela sua perda; por outro, uma expressiva homenagem à sua longa vida.

 

  1. Foi, pois, perceptível que os sul-africanos e o Mundo viveram com emoção este duplo acontecimento. E, tal como se esperava, assistiu-se nos últimos dias a uma verdadeira peregrinação a caminho da África do Sul, com emissários partidos de todas as paragens, o que fez da África do Sul o alvo de todas as atenções.

 

  1. Penso que não houve qualquer exagero na forma como o Mundo se despediu do grande líder da luta contra o Apartheid, cotando-o, assim, como “O Melhor Líder Político do séc. XX”. Esse foi o sentimento que o Presidente norte-americano, Barack Obama, soube exprimir, quando disse, no discurso que pronunciou nas suas exéquias: “Foi Mandela que nos ensinou que tudo parece impossível… até que seja feito”.

 

  1. Com a sua mestria, Mandela realizou aquilo que parecia impossível: conseguiu conduzir em paz um país que mais parecia um barril de pólvora… Tais eram as clivagens introduzidas pelo regime de segregação racial…

 

  1. Em homenagem a Nelson Mandela, quase todos os países colocaram a meia-haste as suas bandeiras nacionais Houve mesmo quem, como o Brasil, decretou Luto Nacional por 7 dias. Moçambique fê-lo por 6 dias. De um modo geral, foram decretados 3 dias de Luto Nacional.

 

  1. O nosso país optou por nem um Dia de Luto dedicar à memória de Nelson Mandela, um facto que nos terá, certamente, distinguido pela negativa. Não me parece justo desprezar de modo tão triste a perda do homem mais valioso que o Mundo criou no último século. Considero isso um erro político que se poderia ter evitado e que em nada ajudará a consolidar os laços de fraternidade que deveremos cultivar com o povo sul-africano. Certamente que todo o Mundo se terá apercebido desta tremenda gafe…

 

  1. O simbolismo do homem que a partir do dia 5 de Dezembro deixou de estar entre nós pode ser medido pelo número de delegações e participações internacionais presentes nas suas exéquias. Foram Chefes de Estado e de Governo idos de todas as partes, com as mais diversas colorações políticas. Foram figuras das Artes e da Cultura, também do Desporto. As organizações da Sociedade Civil fizeram-se presentes em massa. Cidadãos anónimos partiram para a África do Sul, com o intuito de homenagear Nelson Mandela e, assim, manifestarem a estima e consideração que por ele nutriam.

 

  1. Mesmo na morte, Mandela conseguiu novamente o mérito de unir o que parecia impossível…Proporcionou o primeiro aperto de mão entre o Presidente norte-americano, Barack Obama, e o líder cubano, Raul Castro – um facto observado com enorme curiosidade por todos.

 

  1. Um outro facto demasiado perceptível nas exéquias de Nelson Mandela foi a composição das delegações oficiais que se fizeram presentes, sobretudo, de Chefes de Estado e de Governo.

 

  1. As delegações oficiais dos países democráticos foram plurais e exprimiram a história recente desses países. Elas incluiram não apenas os Presidentes em exercício, mas também os seus antecessores. Foi assim com a caravana de Barack Obama, onde se viram Bill Clinton, George W. Bush, Jimmy Carter, mas, também, a ex-Secretária de Estado da Administração Clinton, Madelene Albright. O mesmo sucedeu com o actual Primeiro-Ministro britânico, David Cameron que foi à África do Sul na companhia de vários ex-Primeiro-Ministros, como Gordon Brown, James Major. A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, fez-se acompanhada dos antecessores, Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Fernando Collor de Melo. As principais realezas europeias afluíram em massa para assistirem, em Joanesburgo, à despedida oficial de Nelson Mandela. O Presidente francês, François Hollande, esteve sentado lado-a-lado com o seu predecessor, Nicolas Sarkozy.

 

  1. É tristemente notório como os líderes africanos (e de países pouco ou nada apostados na democracia) se fazem acompanhar apenas dos seus mais próximos., uma imagem que só pode ser interpretada de duas formas: ou os líderes actuais pretendem apagar a história dos seus países, lançando para a penumbra os que os antecederam; ou então, os líderes do passado estão encarcerados ou foram simplesmente eliminados.

 

  1. Felizmente, a África do Sul é das poucas excepções no que diz respeito ao respeito pela história. E isso deve-se a Nelson Mandela que soube estender a mão a todos, criando a “Nação do Arco-Íris” e da Tolerância Política.

 

  1. Já que são excepções os casos em que há antecessores vivos (ou em liberdade) nos nossos países, poderíamos introduzir o princípio de, nesses actos de grande exposição pública, os Chefes de Estado africanos se fazerem acompanhar pelos principais líderes das Oposições e também por figuras da Sociedade Civil. Tudo isso, sem equívocos ou manipulações. Com isso, dava-se uma outra imagem à política e aos políticos. E a politica deixaria de ser vista como um jogo de vida ou de morte. Passar-se-ia a encarar a diversidade política com naturalidade e como uma forma de enriquecimento das ideias. Hoje, como sabemos, ser de Oposição é algo que implica alto risco, mesmo até, de morte eminente…

 

  1. Outro realce bem visível na derradeira homenagem a Mandela – a Tolerância Religiosa. O acto oficial da sua despedida foi marcado por um Culto Ecuménico exprimindo a liberdade religiosa por que ele sempre pugnou. No país que ele deixou coexistem cristãos, budistas, muçulmanos, e outras confissões religiosas. Todos se fizeram presentes, num preito de homenagem singular que exprime a real possibilidade de se viver em harmonia na diversidade.

 

  1. A Nação sul-africana não pode ser assumida apenas por uns e para uns mas, sim, por todos e para todos. A ninguém cabe o direito de encarar um país que é de todos como se fosse seu. Foram essas as ilações que retirámos da vida e da obra de Nelson Mandela e que, por isso, justamente, o tornaram um Homem Singular.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

UMA RIQUEZA POTENCIALMENTE GERADORA DE CONFLITOS


  1. Nos últimos tempos, Moçambique saltou para os principais espaços noticiosos internacionais, por dois motivos aparentemente não ligados entre si, mas que, como veremos, poderão ter alguma articulação: i) a tensão política e militar que opõe o governo da Frelimo e a Renamo; ii) a descoberta e exploração de enormes jazidas de hidrocarbonetos no seu território.

 

  1.  A tensão política e militar decorre da circunstância de a Renamo ter reivindicado uma maior participação nos órgãos de gestão eleitoral, visivelmente dominados pela Frelimo, o que fez com que o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, se tivesse retirado para o seu antigo quartel-general, na serra da Gorongosa. Foi aí que ele se resguardou no último ano e de onde se viu obrigado a retirar por força da pressão militar exercida pelas Forças Armadas. Esta conjuntura reacendeu o receio do retorno a uma guerra generalizada que poderá pôr em causa o desenvolvimento de que o povo moçambicano tanto almeja e necessita, e que tem sido recentemente estimulado com a descoberta e a exploração de valiosas jazidas de hidrocarbonetos.

 

  1. A pesquisa por hidrocarbonetos em Moçambique data do início do século XX. Porém, foi no início da década de 1960 que foram descobertos campos de gás em alguns pontos da parte terrestre da Bacia de Moçambique, nomeadamente, os campos de Pande, Buzi e Temane. Mais recentemente, fizeram-se prospecções e obtiveram-se acentuados êxitos na sua costa marítima, com destaque para os enormes reservatórios de gás natural encontrados nos níveis areníticos do Oligoceno, Eoceno e Paleoceno, na Bacia do Rovuma, norte do país. Com essas descobertas, Moçambique passou a ser cotado entre os quatro países do mundo com maiores reservas de gás natural, uma alteração bastante acentuada se nos ativermos aos dados apresentados há ainda poucos anos atrás, quando Moçambique era colocado numa posição bastante secundária no ranking internacional dos países em termos de reservas de gás natural.

 

  1. Em 2009, por exemplo, aquele país nosso irmão nem figurava entre os vinte países com maiores reservas conhecidas de gás natural. À cabeça dessa lista vinha então a Rússia, seguida do Irão, Qatar, Arábia Saudita e Estados Unidos. No final dessa curta tabela víamos a China, Uzbequistão, Kuwait, Egipto e Canadá, por ordem decrescente de importância.

 

  1. Presentemente, grandes gigantes do sector dos hidrocarbonetos estão interessados na exploração do gás natural moçambicano, com destaque para a italiana ENI e para a norte-americana ANADARKO Petroleum. Além destas duas companhias, estão também envolvidas na pesquisa e produção de gás natural no offshore de Moçambique, a PETONAS, da Malásia e a STATOIL, da Noruega, entre outras. As perspectivas do desenvolvimento da indústria dos hidrocarbonetos em Moçambique são, pois, enormes – o que transformará aquele país numa peça importante na geopolítica da região austral do nosso continente.

 

  1. Face aos recentes acontecimentos, começa a generalizar-se a ideia de que a descoberta de hidrocarbonetos e outros recursos minerais em Moçambique, tanto poderá gerar desenvolvimento, como poderá ser causadora de conflitos.

 

  1. Os exemplos mais conhecidos de países que conheceram ou conhecem graves conflitos alimentados pelos recursos provenientes da exploração de recursos naturais são a Serra Leoa, Nigéria, Angola e República Democrática do Congo.

 

  1. Os actuais sinais que podem ser lidos a partir do modelo de desenvolvimento adoptado em Moçambique permitem vislumbrar indícios de que, infelizmente, aquele país poderá seguir a verdadeira “regra geral” que tem causado tanto dano a certos países africanos ricos em recursos naturais. Ou seja: o desenvolvimento de uma classe de novos-ricos forjados a partir de ligações estreitas ao aparelho de Estado; uma subida exponencial dos níveis de corrupção; apego ao poder por parte dos políticos governantes como forma de prosseguirem a sua corrida desenfreada ao enriquecimento ilícito; marginalização relativamente ao bem-estar de largos segmentos da sociedade; insegurança permanente nos centros urbanos e também nos campos e o aumento dos níveis de criminalidade; desenvolvimento de redes mafiosas de todo o tipo; constante instabilidade política roçando mesmo as paredes do conflito armado.

 

  1. Tenho fundadas razões para pensar que a actual situação de Moçambique, e em especial o clima de verdadeira pré-guerra a que se assiste, pode ter sido estimulada pelo seu reconhecido potencial de recursos de todo tipo, mas, sobretudo, pelo modo com se processa a repartição dos seus rendimentos.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A QUEDA DE UM “ANJO”…


  1. Levado pela curiosidade despoletada pela denúncia pelas autoridades policiais do Estado de São Paulo, no Brasil, do desmantelamento e prisão de elementos de uma rede de traficantes de prostitutas (também de outros tráficos), decidi consultar o “site” da INTERPOL para verificar a veracidade da informação sobre o estado do cidadão angolano Bento dos Santos “Kangamba” perante aquele órgão de polícia internacional. Encontrei, então, junto ao seu nome, a seguinte frase: “Procurado pelas autoridades judiciais do Brasil para acusação / Cumprir uma sentença”. Seguiam os seus elementos de identificação, a sua fotografia e também esta mensagem: “Se você tiver alguma informação, entre em contacto com a Polícia Nacional ou Local”. Sucedeu o mesmo o espaço dedicado a um outro cidadão angolano, de nome Fernando Vasco Inácio Republicano, tal como o anterior, igualmente alvo de procura internacional por suposto crime de associação criminosa e tráfico de mulheres para a prática de prostituição.


  1. Para termos um melhor entendimento, deixo aqui a norma praticada pela INTERPOL para diferenciar os 5 tipos de notícias referentes a pessoas. Devo acrescentar que INTERPOL age a pedido dos Estados-Membros, por intermédio do seu Secretariado Geral, socorrendo-se de cores diferentes, conforme a qualidade do assunto:

 

·        Canto Vermelho – Pessoas procuradas para detenção provisória com vista à extradição;

·        Canto Azul – Procuras para localização, identificação, antecedentes;

·        Canto Verde – Informação sobre pessoas susceptíveis de desenvolver uma actividade criminosa;

·        Canto Amarelo – Informação sobre pessoas desaparecidas ou pessoas a identificar em razão da sua incapacidade;

·        Canto Preto – Informação sobre cadáveres por identificar.

 

  1. Não conheço pessoalmente qualquer dos cidadãos angolanos atrás citados. Mas, é inegável que, desde há alguns anos a esta parte, o cidadão Bento dos Santos “Kangamba” é uma figura notória na nossa sociedade, sobretudo pelo seu envolvimento no dirigismo desportivo – é proprietário do Clube Kabuscorp. Daí que a notícia ligando-o a um acto delituoso tenha corrido tão célere e chamado a atenção de muita gente.


  1. A atenção sobre a pessoa de Bento “Kangamba” saiu reforçada pelo facto de ele se ter tornado um autêntico “pronto-socorro”, para acudir a situações de tensão social, e também pelo seu nome ser várias vezes associado à repressão de manifestantes desafectos ao governo. Acresça-se ainda a sua recente ligação familiar indirecta com o Chefe de Estado, transformando-o numa verdadeira “estrela” para a comunicação social, que não poupa esforços para lhe proporcionar “momentos de glória”…


  1. O cidadão Bento “Kangamba” – agora foragido à justiça internacional – faz regularmente capa de jornais que, com frequência, dão destaque aos seus actos mais vulgares, tecendo-lhe, inclusive, rasgados elogios. Por quem o atura, passou a ser designado por “Empresário da Juventude”, fazendo doações de recursos para eventos sociais, geralmente de qualidade social duvidosa. Afirmou-se ainda como mobilizador de massas e é frequentemente utilizado pelo seu partido como uma espécie de “pau para toda obra”. Tido como homem rico, faz questão de afirmar que não tem que dar satisfação pública sobre a origem da sua riqueza – daí que ela se mantenha dentro de uma nebulosa…


  1. A Organização Internacional de Polícia Criminal, mais conhecida por INTERPOL, que agora procura o cidadão Bento “Kangamba” e o seu parceiro Republicano, tem por missão estabelecer cooperação com polícias dos diferentes países, para as ajudar a investigar matéria criminal de qualquer tipo que ultrapasse a jurisdição nacional. Tem, por isso, um vasto historial de êxitos no deslindar de casos tidos como complexos. Angola é um dos 181 Estados-Membros da INTERPOL.


  1. É tal a importância internacional da INTERPOL, que lhe permite ter assento, com o estatuto de observador, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Porém, os seus Estatutos interditam-na de se imiscuir em questões de carácter político, militar, religioso ou racial. A INTERPOL possui Gabinetes nos países membros, através dos quais coopera com os organismos nacionais na luta contra a criminalidade. Existe, pois, um Gabinete da INTERPOL em Angola que coordena a sua acção entre nós.
 

  1. Os objectivos da INTERPOL estão discriminados no art.º 2.º do seu Estatuto: Assegurar e desenvolver a assistência recíproca entre todas as autoridades de polícia criminal no quadro da legislação existente nos diferentes países e no espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem; estabelecer e desenvolver todas as instituições capazes de contribuir eficazmente para a prevenção e repressão das infracções de direito comum.


  1. Os nossos compatriotas agora procurados pela INTERPOL, Bento “Kangamba” e Fernando Republicano, não são passíveis de extradição pelas autoridades angolanas, conforme disposto no n.º 1 do art.º 70.º da nossa Constituição. O n.º 2 do art.º 70.º dispõe o mesmo para os “cidadãos estrangeiros que sejam procurados por motivos políticos ou por factos passíveis de condenação à pena de morte e sempre que se admita, com fundamento, que o extraditado possa vir a ser sujeito a tortura, tratamento desumano, cruel ou de que resulte lesão irreversível de integridade física, segundo o direito do Estado requisitante”.


  1. Contudo, o n.º 3 do art.º 70.º diz que “Os Tribunais angolanos conhecem, nos termos da lei, os factos de que sejam acusados os cidadãos cuja extradição não seja permitida de acordo com o disposto nos números anteriores do presente artigo”. Quer dizer que, desde que devidamente oficiados, os nossos Tribunais não podem “fazer vista grossa” perante os factos de sejam acusados os nossos compatriotas ou os cidadãos estrangeiros referidos nos números anteriores.

 
  1. Afirmando-se Angola como um Estado de Direito Democrático, é lícito que, tão logo os nossos Tribunais conheçam os factos de que são acusados aqueles nossos compatriotas, ajam em conformidade, dado que o estímulo à prostituição é considerado matéria criminal no ordenamento jurídico angolano. A não ser que a designação “Estado de Direito Democrático” seja apenas um artifício linguístico e um ornamento para enfeitar a noiva… Se não for somente um artifício, então, possivelmente, estejamos já perante a eminência da “Queda de um Anjo”, parafraseando aqui o título do célebre romance do português Camilo Castelo Branco.


  1. Este caso pode permitir-nos decifrar vários enigmas e testar a consistência das nossas instituições. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A QUESTÃO DAS PARCERIAS ESTRATÉGICAS


  1. O discurso do Sr. Presidente da República, do dia 15 de Outubro na Assembleia Nacional introduziu definitivamente no debate nacional o jargão da “Parceira Estratégica”, com o anúncio público da suspensão de uma projectada parceria estratégica com Portugal.

 

  1. Alguns analistas fizeram uma leitura bastante simplista dessa decisão, passando a ideia de estarmos no limiar de uma ruptura de relações com Portugal e, consequentemente, da hostilização dos seus cidadãos aqui residentes e da perseguição dos investimentos económicos portugueses em Angola. Embora haja agora sinais de alguma “revanche” estou, porém, convencido que, dentro em breve, esse receio se dissipará e que a discussão ganhará contornos mais sérios, mais equilibrados, construtivos e realistas.

 

  1. A confusão que se instalou decorre do facto de nem todos terem uma noção clara do que é uma Parceria Estratégica. Há quem a confunda com o mero relacionamento entre os Estados, mas ela, na verdade, corresponde a um nível de relacionamento superior e mais estruturado.

 

  1. Face à globalização dos mercados, ao aumento da agressividade da concorrência empresarial e à aceleração do ritmo das mudanças tecnológicas, as empresas são, por vezes, impelidas a encontrar métodos engenhosos e estratégias expeditas para garantirem o êxito dos seus negócios. Podem fazê-lo, precisamente, pelo estabelecimento de alianças com outras empresas – a que chamam parceiras. As alianças estratégicas entre as empresas situam-se no espaço compreendido entre o simples acordo de subcontratação e a fusão ou a aquisição.

 

  1. A subcontratação não implica o desaparecimento de qualquer das partes, e traduz-se numa prestação que uma empresa faz à outra mediante remuneração. Na fusão e na aquisição, ou as duas partes dão origem a um novo ente jurídico, ou apenas um dos entes jurídicos sobrevive.

 

  1. À semelhança do que sucede no mundo empresarial, as alianças estratégicas entre os Estados são uma forma de minimizar custos e potencializar ganhos, face à crescente globalização das relações internacionais. Por essa via, os Estados podem expandir as suas actividades e tornarem-se mais competitivos. Tais alianças estratégicas devem assentar no princípio da igualdade e da partilha de competências. Deve, ainda, haver confiança recíproca, com a definição de objectivos claros e atender às necessidades e interesses comuns.

 

  1. Não se pode formalizar uma parceria estratégica para apenas uma das partes ganhar. Os ganhos devem ser repartidos de um modo equilibrado, sob pena de, a breve trecho, a parceria ser rompida. As parcerias estratégicas devem ainda apontar para horizontes temporais relativamente longos, para que se possam explorar todas as potencialidades das partes.

 

  1. As parcerias estratégicas tanto podem relativamente globais, como ser meramente sectoriais. Nas relações entre Estados, pode optar-se por envolver diversos ramos de actividade, mas nada impede que se articulem somente algumas áreas como, por exemplo, a área militar, com o fornecimento de equipamentos, preparação dos efectivos, logística, etc., de que nos serve de exemplo o nosso relacionamento com a Rússia, que envolveu o fornecimento de equipamentos e a preparação dos efectivos dos escalões superiores.

 

  1. Com o fim da guerra civil, o governo definiu a China como seu parceiro estratégico no quadro da reconstrução das infra-estruturas. São visíveis parcerias na ampliação do sistema de produção e distribuição de energia e até mesmo no domínio das águas, em que entram a Rússia e o Brasil.

 

  1. Em Junho de 2010, em Luanda, os Chefes de Estado de Angola e de Portugal acordaram em alargar e aprofundar o relacionamento e a cooperação entre os dois países, e decidiram fazê-lo de uma forma mais estruturada, com a definição de prioridades, programação, calendarização e criação dos instrumentos jurídicos para a sua viabilização. Foi desse encontro que nasceu a ideia da concretização da “Parceria Estratégica” de que agora tanto se fala e que, pelas palavras do Presidente da República pronunciadas no dia 15 de Outubro, pode ficar adiada.

 
 Não creio que estejamos diante de uma ruptura de relações entre os Estados mas, sim, perante a hipótese de ver, sim, adiada a formalização de um conjunto de instrumentos de cooperação que ajudarão a elevar o nível dessas relações para patamares mais estruturados. A segunda hipótese é, realisticamente, a mais desejável.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O NOVO MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES


  1. A imprensa espanhola reportou o facto de a filha mais nova do Rei de Espanha, Dom Juan Carlos, a Infanta Cristina, estar a ser investigada pela justiça fiscal do seu país por, eventualmente, ter efectuado pagamentos ilícitos com cartões de crédito de uma sociedade patrimonial que detém conjuntamente com o seu marido, Iñaki Urdargarin, para onde este terá desviado dinheiros públicos. Nos últimos tempos, o marido da Princesa tem sido muito seguido pela justiça por utilização irregular da fundação que detinha e pela qual fazia passar todo um conjunto de acções irregulares.

 

  1. Sobre a Infanta espanhola pesam suspeitas de ter feito, entre 2007 e 2008, pagamentos com dinheiros públicos de, por exemplo, 4 livros da saga Harry Porter, ter comprado alguma roupa, feito assinatura de revistas, adquirido um par de botas em Nova Iorque, pernoitado num hotel de Moçambique, ter comprado flores, pago os encargos da estadia de um fim-de-semana em Roma, assim como ter comprado um chocolate numa passagem pelo aeroporto de Genebra, entre outros gastos.

 

  1. Arrolados os custos dos diversos custos, os investigadores constataram que os gastos dos duques espanhóis excedem em muito o nível normal dos seus rendimentos. Daí que Infanta possa vir a ser indiciada por ilicitude na manipulação de recursos. As autoridades políticas espanholas de forma alguma têm competência para interferir no processo de investigação. Elas deixam a justiça realizar a tarefa para que está vocacionada.

 

  1. Mesmo que tais acontecimentos causem um dano de imagem à monarquia, a sociedade espanhola acompanha os seus desenvolvimentos com serenidade. E o Rei de Espanha não saiu à rua para dar “um puxão de orelhas” seja a quem for. Essas são as regras de uma sociedade democrática, inclusive, na monarquia constitucional como a espanhola.

 

  1. Os actos de corrupção e outros demais ilícitos previstos na lei são perseguidos, com os órgãos competentes a tomarem conta deles. São investigados e, quando julgados, recebem a punição equivalente, doa a quem doer…

 

  1. No dia 15 deste mês, o Presidente da República de Angola fez uma intervenção na Assembleia Nacional, em que discorreu sobre o estado da Nação. Uma das passagens do seu discurso na Assembleia Nacional que mais prendeu a atenção da sociedade foi aquela em que reafirmou o empenho do Executivo em promover a introdução e a adopção de leis internacionais sobre o combate à corrupção, designadamente a Convenção das Nações Unidas sobre a Corrupção. Porém, logo de seguida, o PR alertou para aquilo que apodou de uma “confusão deliberada” feita por organizações de alguns países ocidentais com o intuito de passar a ideia de que “o africano rico é corrupto ou suspeito de corrupção”.

 

  1. Quer dizer que o Presidente da República transitou facilmente de uma clara declaração de boas intenções para a denúncia também clara de haver má-fé por parte de alguns na compreensão de certo enriquecimento que hoje se verifica no nosso continente.

 

  1. Nesse seu vertiginosos embalo, o PR procurou teorizar sobre tal enriquecimento, e socorreu-se da abordagem clássica do fenómeno da acumulação do capital, a que Adam Smith chamou “previous acumulation” e, depois, Karl Marx consagrou como a “acumulação primitiva do capital” ou “acumulação originária do capital”.

 

  1. Karl Marx, no seu trabalho seminal, “O Capital”, analisou o fenómeno na Europa, entre os séculos XVI e XVIII. Karl Marx tomou a Inglaterra como o seu modelo, concluindo que foi o processo de acumulação primitiva do capital que originou as grandes transformações da Revolução Industrial na Europa. Para esse ilustre estudioso, a acumulação originária decorreu nos seguintes termos: i) uma grande concentração de recursos (dinheiro, ouro, prata e terra) nas mãos de um pequeno grupo de proprietários; ii) formação de um enorme contingente de indivíduos desprovidos de bens e obrigados a trabalhar para outrem, para os proprietários de terras e donos de manufacturas.

 

  1. Essa circunstância terá resultado, historicamente, das riquezas acumuladas pelos negociantes europeus com o tráfico de escravos, com o saque colonial e a apropriação privada das terras comunais dos camponeses, assim como o proteccionismo às manufacturas nacionais. Um processo em que intervém também o confisco e a venda a baixo preço das terras pertencentes à Igreja pelos governos revolucionários. De acordo com Karl Marx, o advento da Revolução Industrial fez com que a acumulação primitiva fosse substituída pela acumulação capitalista.

 

  1. No seu discurso, o PR não explicitou o modo como as novas burguesias africanas e, em particular, a angolana conseguiram a proeza de enriquecer tão rápida e facilmente. Limitou-se, sim, a dizer que há aqui um modelo próprio de acumulação. Mas não nos disse nada sobre as consequências económicas, sociais e políticas desse enriquecimento. Seria interessante se o fizesse, para pudermos, então, perceber melhor a sua originalidade.

 

  1. No modelo original a que o PR fez referência, já é bem fácil perceber que há, tendencialmente, grande concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos, tal como é crescente o contingente de desprovidos de bens que já perderam a esperança de vir a partilhar o bem-estar que o país podia proporcionar aos seus filhos.

 

  1. Creio, também, que o Sr. Presidente da República não desconhece que a acumulação primitiva do capital que ele glorifica e que se está a processar em Angola não tem por base o mérito mas, sim, a cor partidária que se veste, as afinidades familiares, ou cumplicidade com o poder. Sabe ainda que ela não redundará numa melhoria do bem-estar geral mas, sim, no fausto de uns poucos. E sabe mais: que esse fausto só se manterá enquanto o poder estiver nas mesmas mãos. Depois, quando o país se democratizar e os grandes gigantes de pés de barro se confrontarem com a concorrência leal, tais impérios desmoronarão, como um baralho de cartas…

 

  1. O Sr. Presidente da República manifestou vontade teórica de ver aplicadas, de modo rigoroso, as leis angolanas contra a corrupção. Porém, deixou claro que, na sua perspectiva, o modo como se constituíram os grandes grupos económicos em Angola nada tem a ver com actos de corrupção, com o desvio de fundos públicos para fins pessoais, ou com o tráfico de influências.

 

  1. Por isso, eu também gostaria que ele nos ajudasse a perceber como foi possível, em tão pouco tempo, ter-se assistido a esse verdadeiro “milagre da multiplicação dos pães”… Pois, de uma forma mais ou menos geral, todos tivemos como ponto de partida a pobreza... Uma pobreza que até foi aprofundada pelas políticas sociais e económicas que, sob a sua orientação, foram aplicadas durante muitos anos e de um modo implacável.

 

  1. Recordo, apenas para avivar a memória de alguns que, há pouco mais de 20 anos, quem guardasse em casa um saco de açúcar, podia ser preso sob a acusação de açambarcamento. E quem fosse apanhado com uma nota de 100 dólares no bolso, era considerado inimigo da revolução e julgado em tribunal popular revolucionário.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O GRANDE ESTRATEGA MILITAR VO NGUYEN GIAP


  1. No dia 4 de Outubro, o meu irmão Vicente enviou-me uma mensagem por SMS, dando notícia da morte de Vo Nguyen Giap, o general vietnamita que será para sempre lembrado como o estratega militar que derrotou as tropas francesas na emblemática “Batalha de Dien Bien Phu” e, depois, comandou a chamada “Ofensiva do Tet” que conseguiu estremecer o poderio militar norte-americano, numa sucessão de combates que conduziram à reunificação do Vietname.

 

  1. As acções militares do general Vo Nguyen Giap motivaram os povos até então colonizados. Daí que se tenha transformado num referencial e seja património histórico comum de várias gerações.

 

  1. A minha geração política tomou conhecimento histórico da “Batalha de Dien Bien Phu”, mas teve já o privilégio de acompanhar com enorme ansiedade os pontos mais altos dos encarniçados combates travados no Vietname entre os homens comandados pelo general Vo Nguyen Giap e as tropas norte-americanas.

 

  1. Na “Batalha de Dien Bien Phu” colocaram-se em campos opostos os guerrilheiros do Viêt Minh – o movimento independentista do Vietname dirigido por Ho Chi Minh – e as forças expedicionárias francesas do Extremo Oriente.

 

  1. A “Batalha de Dien Bien Phu” foi o culminar de um combate desigual entre um exército irregular asiático, pobre e praticamente parco de recursos, contra o poderio militar da França, naquela que ficou então conhecida como a mais longa e a mais mortífera batalha do pós-Segunda Guerra Mundial.

 

  1. Embora os norte-americanos não tenham ido verdadeiramente em socorro dos franceses, a “Batalha de Dien Bien Phu” transformou-se num dos pontos culminantes da Guerra-fria e marcou praticamente o fim do colonialismo francês no Sudeste Asiático, passando a vez à influência americana.

                   

  1. O colapso militar francês deu-se no dia 7 de Maio de 1954, após várias semanas de cerco e aniquilamento levados a cabo pelos cerca de 80.000 homens comandados pelo general Vo Nguyen Giap. Reza a história que a França envolveu um efectivo militar composto por mais de 14.000 homens, integrando diversas armas, com equipamentos dos mais sofisticados para a época, incluindo aviação, artilharia pesada, pára-quedistas, blindados e cavalaria. As forças expedicionárias francesas perderam perto de 3.000 homens. Os restantes 11.700 foram feitos prisioneiros, dos quais apenas 3.290 regressaram vivos à França. Por sua vez, os efectivos vietnamitas perderam 23.000 homens.

 

  1. A “Batalha de Dien Bien Phu” tem o seu início com a ocupação da planície com o mesmo nome por parte de efectivos do exército francês. A região, até então detida pelos homens do Viêt Minh, era de grande importância estratégica devido ao facto de possuir uma pista de aterragem construída pelos japoneses, além de ser rica do ponto vista agrícola e, assim, servir de fonte de abastecimento logístico aos guerrilheiros. Com a pista de aterragem, Dien Bien Phu serviria de ponto de ligação com Hanói, a capital.

 

  1. Vo Nguyen Giap percebeu a importância estratégica da região e decidiu fazer o envolvimento das forças francesas. Para isso, socorreu-se também de cerca de 250.000 populares que transportaram pela selva e às costas material de guerra pesado e desmontado peça por peça através de uma rota prévia e cuidadosamente traçada.

 

  1. Com Dien Bien Phu cercada, os homens do general Giap efectuaram um bombardeamento massivo com peças de artilharia, dizimando os ocupantes. Os combates terminaram num épico confronto corpo-a-corpo, com armas brancas, deixando no terreno um verdadeiro tapete de mortos, de um lado e do outro.

 

  1. Foram pormenores dessa batalha que alimentaram e estimularam o espírito combativo das gerações de revolucionários que, entretanto, emergiram em todos os continentes, tendo como referencial o general Vo Nguyen Giap. Foi ele também que se transformou, posteriormente, no estratega de outro grande momento da história da luta dos povos contra a ocupação estrangeira – a famosa “Ofensiva do Tet”, já com os norte-americanos como adversários.

 

  1. A “Ofensiva do Tet” – assim chamada porque teve lugar no primeiro dia do ano do calendário lunar tradicional vietnamita (31 de Janeiro de 1968) – envolveu efectivos norte-americanos e de outros seus aliados, assim como o exército sul-vietnamita, contra os guerrilheiros vietcongs (comunistas do Vietname do Sul) e tropas regulares do Vietname do Norte. Travaram-se combates em 36 cidades do Sul do Vietname, inclusive, na capital Saigão e na antiga capital imperial Hué. Nem a própria embaixada americana em Saigão foi poupada.

 

  1. Do ponto de vista militar, não se pode dizer que os revolucionários vietnamitas tenham obtido uma vitória, como sucedera 14 anos antes com os Viêt Minh contra os franceses. Os vietcongs e os seus aliados do Norte perderam 3 dezenas e meia de milhar de homens, contra os 1.100 mortos norte-americanos e perto de 3.000 mortos militares sul-vietnamitas. Só na Batalha de Hué, os vietcongs perderam mais de 5 mil homens durante um mês de combates.

 

  1. O mérito da “Ofensiva do Tet” mede-se mais pelo forte impacto político que teve na opinião pública norte-americana e mesmo na opinião pública mundial. À “Ofensiva do Tet” seguiu-se um período de conversações em Paris, na busca de uma “retirada honrosa” dos norte-americanos e à “vietnamização” da guerra que culminou com a derrota do Sul e a unificação forçado das duas partes do Vietname.

 

  1. Mais uma vez esteve em destaque na estratégia militar o génio de Vo Nguyen Giap – esse pequeno mas grande homem, professor de História – que, juntamente com Ho Chi Minh, se transformou em uma das grandes memórias do povo do Vietname.

 

  1. Ele morreu agora, aos 102 anos de idade, envolvido por um sentimento de grande carinho e reconhecimento por todos aqueles que transportaram dentro de si o sentimento de verdadeiro apego à Liberdade.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A UTOPIA DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


  1. O Ministro das Relações Exteriores, George Chicoti, declarou, em Nova Iorque, que “em Angola, não há violação dos direitos humanos”. Admitiu, porém, “haver, naturalmente, incidentes que podem, por vezes, ferir algumas pessoas”. Mas, acrescentou que tais factos não devem ser imputado ao Governo angolano.

 

  1. As afirmações do Ministro são, no mínimo, cínicas e ridículas, mesmo que ele as tenha pronunciado no momento em que empreende uma clara e inequívoca campanha diplomática para promover a imagem do Governo. Recordo que o Governo está vivamente empenhado em fazer Angola aceder ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e integrar a Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

 

  1. O Conselho de Segurança das Nações Unidas é composto por 15 membros, dos quais 5 são membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – e os restantes são rotativos, com um mandato de 2 anos, e escolhidos pela Assembleia Geral em função de critérios específicos da organização, nomeadamente: contribuição para a manutenção da paz e segurança internacional, e distribuição regional equitativa. Aos membros permanentes e rotativos do Conselho de Segurança não se exigem, pois, credenciais democráticas.

 

  1. De igual modo, a forma de acesso ao Conselho dos Direitos Humanos não impõe algum comprometimento com o respeito desses Direitos. Ao ponto de, em 2003, a Líbia ter presidido tal Conselho – na altura ainda designado Comissão dos Direitos Humanos. Os assentos no Conselho são afectados por distribuição regional, tal como sucede com os membros não permanentes do Conselho de Segurança.

 

  1. Compete ao Conselho dos Direitos Humanos examinar, vigiar e elaborar relatório público sobre a situação dos direitos humanos em países ou territórios específicos, assim como os principais fenómenos mundiais que colidam com os direitos humanos.

 

  1. O nosso Governo e o partido que o suporta buscam, neste frenesim diplomático, encontrar um assento no Conselho dos Direitos Humanos, não propriamente porque tenham assumido forte compromisso com o respeito por esses mesmos direitos ao nível interno, mas, sim, porque, estando lá dentro, podem de algum modo influenciar o conteúdo dos seus relatórios. Além de que poderão fazer traduzir em dividendos políticos internos, uma presença que não condiz com a sua prática corrente.

 

  1. A actividade humana deve pautar-se por princípios e valores. E deve, também, ter limites. Uns desses limites serão ditados pela necessidade de garantir a sobrevivência das espécies, para a manutenção da vida com qualidade e diversidade; outros limites deverão ser estabelecidos a partir de critérios de ordem moral e ética, visando garantir uma sã convivência, como forma de preservar a harmonia social.

 

  1. É o respeito destes últimos limites que nos inibe de fazer da arena política “o campo onde tudo vale”. Quando se violam tais limites, visando preservar interesses egoístas de determinados grupos, destapa-se a “Caixa de Pandora”. E corre-se o risco da perda de qualquer réstia de credibilidade.

 

  1. Todos os dias somos confrontados com notícias de atropelos e violações dos mais básicos direitos humanos, em actos praticadas por agentes públicos, quer sejam actores políticos, quer sejam elementos ligados aos órgãos de defesa, segurança e ordem pública. Poucas (ou nenhumas) são as vezes que tais actos são repudiados publicamente – de forma inequívoca e contundente – pelas altas hierarquias do poder.

 

  1. Nos casos em que os atropelos e violações dos direitos humanos têm carácter eminentemente político, via de regra, segue-se um silêncio ensurdecedor… O poder político emudece, o que me leva legitimamente a pensar que não passam, afinal, de actos perfeitamente consentidos e enquadrados numa estratégia mais geral de intimidação e amordaçamento da sociedade.

 

  1. Se é verdade que são práticas generalizadas por todo o pais, também é verdade que, à medida que nos afastamos da cidade capital, a incidência e a gravidade das violações dos direitos políticos dos cidadãos ainda se tornam maiores, levando-nos a pressupor que, nesses territórios mais distantes, o que impera, de facto, é o caciquismo na sua versão mais primária… Aí o poder político impõe-se à cacetada, como se os cidadãos fossem simples rebanho…

 

  1. Ultimamente, e fruto da acção e crescente mediatização das redes sociais, vemos ilustrados publicamente diversos actos de vandalismo praticados por agentes policiais, que ocorrem quer em hasta pública, quer no interior das esquadras. Em consequência dessa importuna e demasiado incomodativa exposição pública, ao Ministro do Interior não tem restado outra alternativa que não seja a abertura de inquéritos para o apuramento de responsabilidades e para a consequente punição administrativa dos agentes envolvidos na barbárie.

 

  1. Porém, face à inconclusiva penalização criminal, a sociedade vê goradas as suas expectativas de justiça. O exemplo mais chocante foi o do chamado “Massacre da Frescura” que terminou por passar a ideia de que, afinal, todos os polícias envolvidos nos assassinatos eram, apenas e tão-somente, “bons rapazes”…

 

  1. A opacidade dos procedimentos do passado – que tornou rotineiras as agressões contra cidadãos – e a ineficácia das medidas do presente, geraram o descrédito que se apossou da população. Daí que um bom número de agentes policiais se sinta cada vez mais alheio às consequências das leis, e prossiga violando, contínua e flagrantemente, os direitos mais elementares dos cidadãos.

 

  1. A cumplicidade implícita (ou explícita) por parte de quem tem a obrigação política de ser um agente público comprometido com a garantia dos direitos humanos, faz com que reine o descrédito nas autoridades. Para a maioria, o Estado de Direito Democrático é apenas ilusório, não se colando com a realidade.

 

  1. O caso mais evidente do desencontro entre a realidade e a ficção é o impedimento de manifestações públicas que não visem louvor o poder instituído e o seu mais alto mandatário. As manifestações de sinal contrário são sempre selvaticamente reprimidas – mesmo ainda antes de elas terem lugar, com ameaças, raptos e prisões dos seus organizadores.

 

  1. Tornaram-se vulgares imagens de jovens feitos mártires da sanha repressiva de agentes à paisana ou fardados. Uma repressão que se constitui, no final, num estímulo a novas adesões ao já muito mediático Movimento Revolucionário.

 

  1. Aos mais diversos níveis, as autoridades vão dando verdadeiros tiros nos pés… Falam em diálogo com a juventude mas, quando os elementos contestatários da juventude se expõem, o poder acusa-os de subversivos e de pretenderem alterar violentamente a ordem pública. Inclusive, fabricam-se panfletos a instigar à violência que, depois, são exibidos nos órgãos de difusão massiva pública como sendo da autoria dos manifestantes. Essa é uma prática mafiosa e fascista que só desacredita o Estado.

 

  1. O caso mais caricato de descrédito das instituições foi o recente espectáculo de péssimo gosto protagonizado pela polícia. Libertados provisoriamente por determinação do tribunal, a polícia decidiu, com descarada arbitrariedade, devolver à prisão os jovens do chamado Movimento Revolucionário. Decidiu também deter e praticar sevícias sobre jornalistas, quer em público, quer nas esquadras. Que “crime” teriam, então, cometido os jornalistas? Muito simples: quiseram tão-somente ouvir declarações dos jovens anteriormente libertados por ordem do tribunal. E que novo “crime” terão cometido os jovens? Muito mais simples ainda: estarem a conversar com os jornalistas.

 

  1. O elemento mais “interessante” de todo aquele “teatro” e que lança para o charco o discurso diplomático do Sr. Ministro das Relações Exteriores, foi a detenção e o maltrato infringido a um jovem empresário que, do seu gabinete de trabalho, tomava imagens da barbárie policial a que assistia a poucos metros de distância.

 

  1. O quê que as entidades públicas e políticas fizeram para debelar o mal e punir os violadores da lei? Nada. Silêncio sepulcral. Ficaram calados, como se nada de grave tivesse acontecido, o que evidencia o seu não comprometimento com o Estado de Direito. E que a Democracia é um regime político que não lhes diz respeito. E mais: que o Sistema Político Multipartidário é tão-somente um expediente para a venda de imagem.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O DILEMA DO EGIPTO


  1. Depois da queda de Hosni Mubarak, o Egipto entrou numa verdadeira vertigem de violência política cujo desfecho é ainda imprevisível.

 

  1. No início – para os mais optimistas – a queda do regime de Hosni Mubarak uniria os egípcios em torno de um desígnio comum: o estabelecimento de um estado democrático. Porém, retirado do caminho o inimigo comum, Hosni Mubarak, ficaram mais visíveis outras fracturas que a sociedade e o estado egípcio ainda não conseguiram superar, colocando de um lado os adeptos do estado democrático e laico e, do outro, os que preferem um estado mais confessional – os islamistas mais radicais.

 

  1. Os islamistas radicais identificados agora, sobretudo, com a Irmandade Muçulmana, são os seguidores contemporâneos dos ensinamentos de Hassan al-Banna, o jovem clérigo que, em 1928, fundou o grupo. Eles opõem-se à secularização do Estado, tal como ele hoje funciona em países como a Turquia, Líbano ou em Marrocos, pretendendo regressar aos fundamentos do Corão.

 

  1. Nenhum dos poderes egípcios que se seguiram à sua fundação conseguiram extirpar definitivamente a influência da Irmandade Muçulmana. Nem o Rei Farouk, nem Nasser, nem Anwar Al Sadat, nem Hosni Mubarak. Com a queda de Mubarak, a Irmandade Muçulmana conseguiu fazer eleger um Presidente da República, Mohamed Morsi, cujo derrube pelos militares acabou agora por despoletar o rastilho que incendeia o Egipto.

 

  1. Para os fundamentalistas islâmicos, o Islão não é apenas uma religião. Constitui sim, também, um sistema de imperativos políticos, económicos, sociais e culturais que devem sustentar o estado, com vista a assegurar a harmonia e a felicidade dos muçulmanos. Essa é a sua principal contraposição ao estado laico prevalecente nos estados ocidentais e que se vem generalizando como o paradigma do estado democrático.

 

  1. Para os fundamentalistas islâmicos, a felicidade só pode ser uma decorrência da providência divina e os muçulmanos devem evitar a democracia. Os muçulmanos devem viver de acordo com a charia, a doutrina inspirada por Deus. O fundador da Irmandade Muçulmana, Hassan al-Banna, foi dos primeiros a invocar a jihad (guerra santa) contra todos aqueles que não fossem seguidores do Islão.

 

  1. O que se veio a constatar no Egipto pós-Mubarak, com a vitória eleitoral de Mohamed Morsi, foi, pois, a tentativa dos islamistas subverterem os fundamentos do estado democrático que se pretendia constituir. Por isso, foram-se aprovando normas bastante restritivas às liberdades individuais e colectivas. Conseguiram, pois, os islamistas fundamentalistas dividir ainda mais a sociedade egípcia, fazendo temer o pior por parte dos adeptos do secularismo do estado, eles que foram também protagonistas do movimento de revolta que conduziu ao derrube de Hosni Mubarak.

 

  1. Os militares que derrubaram Mohamed Morsi, colocaram-se do lado dos que se lhe opunham, impedindo que o Presidente usasse a violência. Colocando-se frontalmente contra Morsi, os militares atiraram para o extremo oposto os seus correligionários que decidiram barricar-se, despoletando a violência e um verdadeiro massacre de populares afiliados à Irmandade Muçulmana.

 

  1. O golpe militar – estimulado pelo primeiro levantamento popular de inspiração secular e democrático – criou as condições para que os fundamentalistas se barricassem. O morticínio que se seguiu veio, porém, perturbar as consciências mais sensíveis e colocar os democratas perante um facto que é inegável: foi derrubado um poder legitimado pelo voto popular. E coloca agora, também, uma interrogação: será que a democracia, quando está a ser subvertida por alguém que se aproveitou dela com fins inconfessos, não tem o direito de se defender?

 

  1. Salvaguardadas as devidas dimensões, o contexto actual do Egipto remete-nos para uma reflexão sobre um período da história de há precisamente 80 anos: a chegada ao poder de Adolf Hitler na Alemanha.

 

  1. Depois de ter ganho eleições – com legitimidade popular mesmo que questionada – Adolf Hitler formou um governo de coligação, pois não tinha maioria; de imediato, decidiu domesticar completamente a comunicação social, tornando-a apenas um eco das suas “maravilhas” e das “virtudes” do nazismo; passou ao aniquilamento selectivo dos poderes constituídos; prendeu os seus principais adversários políticos; desencadeou o processo de extermínio dos judeus e de outras minorias. E, finalmente, despoletou a Segunda Guerra Mundial, com as consequências por todos nós conhecidas.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

PDM – UM DESÍGNIO A ASSINALAR


  1. A manifesta vontade do Chefe do Executivo angolano de ver o nosso país transitar do escalão dos Países de Desenvolvimento Baixo (PDB) para o dos Países de Desenvolvimento Médio (PDM) vai concitando a atenção de parte da nossa opinião pública. Do meu ponto de vista, o meu ponto de vista,  o desígnio do Presidente José Eduardo dos Santos tem muito a ver com o modo como ele se pretende despedir da vida política activa, legando uma marca para a história, que possa simbolizar positivamente o seu longo consulado.

 

  1. A subida de escalão no ranking internacional de desenvolvimento funcionaria, pois, como uma espécie de “ponto de honra”, já que se tornam cada vez mais perceptíveis certos sinais de mudança, sobretudo, porque se fala, com crescente frequência, do aproximar do seu abandono do cargo de Chefe de Estado. JES teria, pois, guardado na manga, para si, um trunfo que, pela certa, não quererá repartir com ninguém…

 

  1. Geralmente, o mérito da colocação dos países em escalões de desenvolvimento mais confortáveis é partilhado por várias gerações de líderes. Um exemplo dessa partilha é o do Botswana, mas, também, de Cabo Verde e Maurícias, países sucessivamente governados por líderes que se foram revezando no poder por via democrática.

 

  1. Acho interessante o facto de, em comum, esses 3 países serem parcos em recursos naturais. Dois deles são, inclusive, insulares, e os três potenciaram o turismo como sustentáculo do seu desenvolvimento, o que pressupõe grande estabilidade política e social. Possuem também um sistema político democrático e transparente, e a sua governação económica tem sido eficaz e bastante virtuosa. Não são, pois, o mero resultado de um qualquer dom extraordinário da natureza.

 

  1. Para a subida de escalão, no ranking internacional de desenvolvimento avaliado pelo sistema das Nações Unidas, concorrem em simultâneo três critérios: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Rendimento per capita e o índice de Vulnerabilidade Económica. Por sua vez, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado, sobretudo, com base no nível do rendimento, longevidade e educação.

 

  1. Os países de fraco desenvolvimento humano serão os que possuem um IDH inferior a 0,499; os de médio desenvolvimento serão os com um IDH situado entre 0,500 e 0,799; e os de alto desenvolvimento os que se situam acima de 0,800.

 

  1. O critério da educação é avaliado pela taxa de alfabetização e pela taxa de matrícula, a longevidade pela expectativa de vida ao nascer e o critério do rendimento tem a ver com o nível do PIB per capita. Portanto, o desenvolvimento humano é visto numa perspectiva multifacetada, esbatendo-se, assim, a mera visão economicista do passado.

 

  1. De acordo com as estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, apresentadas em Março de 2013, o nosso país ocupou a posição 148, entre os 186 países considerados, e foi cotado como país de desenvolvimento humano baixo. Nesse ponto de vista, o actual nível de bem-estar da nossa população é ainda bastante reduzido, em especial, o bem-estar infantil.

 

  1. Sem pretender desvalorizar os avanços que se produziram no país desde que terminou a guerra, eu penso que o melhoramento do nosso IDH se deveu muito à subida do nível do rendimento per capita, um indicador que pode esconder, por vezes, realidades trágicas. Por isso, ele deve ser relativizado, uma vez que tem subido muito a custa do aumento das receitas provenientes da exportação do petróleo. Seria interessante também avaliar-se a evolução do nosso IDH, desagregando-o nos seus diversos parâmetros.

 

  1. Por exemplo, é por demais evidente o crescimento das desigualdades no modo como a riqueza está distribuída no nosso país. Isso pode ser feito pela análise do chamado Coeficiente de Gini, quer ao nível nacional, quer ao nível regional (em especial, o provincial). O mesmo se poderia fazer quanto à educação e à longevidade. Isso dar-nos-ia uma perspectiva mais realista do país que temos e do modo como o bem-estar se distribui entre nós. E porque não mesmo termos uma melhor noção do que se passa nas cidades, nos municípios e nas zonas rurais?

 

  1. A perspectiva global nacional é fundamental, mas a sua desagregação nos mais diversos parâmetros serviria de um valioso instrumento para a correcção das assimetrias que, por norma, são factores desagregadores que, por vezes, põem em causa os próprios fundamentos do Estado unitário.