quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

FIGURAS DE IMPORTÂNCIA HISTÓRICA


  1. Tenho razões profundas para ser cuidadoso perante a expressão “Herói”, uma vez que tal conceito é, na maior parte das vezes, utilizado com grande relativismo. Geralmente, não há unanimidade quando se apoda alguém de “herói”. Os ditos “heróis”, são-no para uns, e deixam de o ser para outros. Depende, pois, do ponto de vista de cada um.

  1. Os gregos antigos resolveram esse “problema” reservando a designação “herói” apenas àquele que possuía atributos capazes de fazer algo de épico. O “herói” dos gregos era alguém que, por justiça, se situava a meio caminho entre os “deuses” e os homens.

  1. Na mitologia grega, o “herói” ou era filho de um “deus” com um ser humano, portanto, mortal; ou então, era filho de uma “deusa” com um ser mortal. A dimensão do “herói grego” era quase sobrenatural. Assim, o assunto ficava resolvido: como não se disputam os “deuses”, também não se disputam aqueles que os “deuses” geraram…

  1. Os gregos atribuíam ao seu “herói” alguma ambiguidade: tinha a complexidade psicológica, social e ética da condição humana, ao mesmo tempo que a capacidade para a realização de actos inatingíveis ao ser humano. Os “heróis gregos” seriam dotados de maior capacidade de coragem, determinação e paciência que o simples ser humano. Transcendiam as capacidades humanas, porém, sem atingir o patamar das divindades. Os gregos não confundiam os “actos heróicos” com o “auto-sacrifício”. O “auto-sacrifício” era tido por “martírio”.     

  1. A um herói devem exigir-se atributos excepcionais de nobreza e altruísmo. Porém, nem sempre o “herói” de hoje é movido por tais atributos. Ele pode mesmo realizar actos de natureza egoísta, por vaidade, orgulho, ganância e até mesmo por ódio. Há quem diga que esses não são propriamente o herói mas, sim, o anti-herói.

  1. Vulgarmente, a figura do herói é confundida com a do personagem que realiza grandes feitos. Por exemplo, quem assume papel de liderança na criação de um Estado é tido por herói. O vencedor no campo de batalha é também assumido por herói. Todos os seus actos são assumidos de uma forma positiva porque tiveram em atenção o fim em vista. O herói mata e o dano causado por ele é desculpado, ou menorizado, em benefício do objectivo maior.

  1. Na política, por exemplo, será utópico encontrar a figura do herói absoluto. Para se ser herói absoluto teria que se ser bem visto por todas as partes, aceite por todos, sem excepção.

  1. Osama Bin Laden será herói para uma parte dos radicais islâmicos – nunca será para todos os islâmicos. O mesmo Bin Laden é hoje a imagem do demónio para aqueles que não partilham a sua visão do mundo.

  1. Numa guerra, todos têm motivações distintas para estarem dum lado ou do outro. Não há, pois, razões absolutas. Haverá, sim, actos de maior ou menor bravura. Há uns que são mais destemidos – por isso, destacam-se dos restantes.

  1. A concepção do mundo e da vida mudou muito, desde que a Grécia Antiga desapareceu. O “herói grego” é uma utopia. Para mim, o herói absoluto actual é outra utopia.

  1. Aqueles que hoje são tidos por heróis não são filhos de “deuses do Olimpo” com seres terrenos. Eles são seres humanos reais, com virtudes e defeitos. Possivelmente, mais virtudes que defeitos. Ou então, muitos defeitos e algumas virtudes que sobressaem e os tornam demasiado visíveis. Prefiro para esses não o título de heróis, mas, sim, o de “figuras de importância histórica”.

  1. É no grupo de “figuras de importância histórica” que enquadro aqueles que se bateram com denodo pela independência nacional; também todos quantos se bateram (ou se batem) para a criação de sociedades mais justas e equilibradas; aqueles que nas suas diversas áreas de actividade se destacam criando coisas novas, processos inovadores.

PINHEIRO DA SILVA E LUÍS GOMES SAMBO (NOMES A NÃO ESQUECER)


1.  Por razões mais do que óbvias, a questão da educação e do ensino tocam-me fundo na alma; nunca me deixam indiferente. Venho acompanhando o desenvolvimento da educação em Angola, praticamente desde que nasci. Era ainda um pirralho, mas já ouvia, por exemplo, em minha casa, falar-se de gente que dava aulas e/ou explicações; com algumas delas partilho o sangue. Era o Joaquim Pinto de Andrade que dava aulas no Seminário de Luanda. Era o Mário Pinto de Andrade que ensinara num dos poucos colégios que existiam na nossa cidade capital. Era a minha irmã Maria Henriqueta (a Miza) também a trilhar os caminhos do ensino – numa altura em que eu já não era propriamente um pirralho, pois a dinâmica do tempo que vivi obrigou-me a amadurecer muito cedo...

 

2.   Há poucos dias, despertou novamente no meu subconsciente um estridente alarme: li num semanário que uma das escolas mais emblemáticas da cidade de Benguela fora envolvida numa disputa económica que poderá mesmo levar alguém aos bancos dos réus. Era, pois, a denúncia de mais uma trafulha de interesses envolvendo responsáveis locais e agentes económicos também locais.

 

3.  Em resumo: foi aberto concurso público para a reparação de uma escola na cidade de Benguela, com a participação de 3 empresas. Nenhuma delas ficou com a obra, alegadamente por desobedecerem aos requisitos do caderno de encargos.

 

4.  A empreitada de reparação da escola foi, então, adjudicada a outra empresa, também local, mas que nem havia participado no concurso. O mais caricato é que essa empresa nem estaria inscrita no ramo da construção civil, o que veio a acontecer apenas depois de lhe ter sido adjudicada a empreitada. Com a adjudicação feita a seu favor, tratou de dobrar misteriosamente o preço.

 

5.  Estamos, agora, perante uma quase reedição da “peça” que correu na cidade de Benguela e que ficou para a história como “O Jardim Milionário”, um escândalo público de corrupção e de sobre facturação que terá feito rolar uma ou mais cabeças…

 

6.  Para mim, o recente episódio da “Escola Milionária” torna-se importante não só por levantar suspeitas de estarmos perante mais um caso de sobre facturação e de tráfico de influências, mas, muito em especial, por se tratar da escola que ostenta o nome de uma figura muito importante dos finais do século XIX e cuja fama se prolongou para a primeira metade do século XX: Luís Gomes Sambo.

 

7.  Luís Gomes Sambo que foi honrado com o seu nome gravado na frontaria da agora “Escola Milionária” de Benguela é, nem mais nem menos, que o bisavô do Dr. Luís Gomes Sambo, actual responsável máximo da Organização Mundial de Saúde (OMS) no nosso continente. Por extensão, e como é lógico, é também bisavô dos seus irmãos.

 

8.  Admiro o facto de a memória de Luís Gomes Sambo ter sido contemplada numa escola da cidade onde, creio, ele veio a falecer, depois de ter percorrido e vivido em várias outras localidades de Angola. Dar o nome Luís Gomes Sambo a essa escola, foi justa homenagem a uma figura marcante da nossa história e, em particular, de Cabinda, sua terra natal.

 

9.  Tive sempre na memória o nome de Luís Gomes Sambo, não só pela sua ligação à pesquisa medicinal (ervanária) mas, também, pelos dotes inatos para a música de que ouvi falar. Por norma, os Sambo tocam instrumentos musicais e compõem música. O Velho Sambo criou orquestras em muitas das partes de Angola por onde passou. Por isso, faz parte do património cultural e histórico do nosso país.

 

10.      O nome “Luís Gomes Sambo”, dado à “Escola Milionária” de Benguela, deve-se inteiramente à acção de uma outra figura natural de Cabinda, que marcou de um modo indelével o percurso da educação em Angola: o Dr. José Pinheiro da Silva.

 

11.      O Dr. José Pinheiro da Silva, falecido em Lisboa há precisamente 1 ano (no dia 18 de Fevereiro de 2012), foi Secretário Provincial da Educação do Governador-geral Silvino Silvério Marques. Foi ele que decidiu atribuir nomes de “figuras ultramarinas” marcantes a escolas de Angola, tais como Óscar Ribas, Honório Barreto, Luís Gomes Sambo.

 

12.      Ao Dr. José Pinheiro da Silva deve-se o fomento da integração étnica da população estudantil. Procurou espalhar por Angola as chamadas “Escolas de Habilitação de Professores de Posto”, para formar docentes para as escolas rurais. Nessas escolas ele misturou formandos de diferentes origens e não apenas da área de implantação.

 

13.      Ao Dr. Pinheiro da Silva não só se deve uma galopante expansão do parque escolar mas, também, o aumento exponencial da população escolar - que, em 1973, quase atingiu os 600.000 estudantes, nos vários níveis de ensino, numa população de cerca de 5 milhões de habitantes. Tomou também medidas que alteraram radicalmente conceitos, modelos e práticas em que o sistema educativo de então se baseava. Foi graças à acção do Dr. Pinheiro da Silva que se implementou uma melhor articulação do ensino com a realidade social que Angola vivia.

 

14.      O Dr. Pinheiro da Silva fomentou e desenvolveu a prática das bolsas de estudo para os estudantes mais carenciados. É outra dimensão social a ter em conta durante os 7 anos do seu mandato como Secretário Provincial da Educação.

 

15.      É evidente que o Dr. Pinheiro da Silva foi um actor ao serviço do modelo colonial em vigor. Não conseguiu dar o salto para a realidade que nós queríamos edificar: a nossa independência.

 

16.      Morreu praticamente isolado, rodeado, no seu velório, dos poucos que o conheceram, respeitaram e nunca o abandonaram. Mas, morreu firme nas suas convicções: duplamente monárquicas, por opção e porque a sua mãe tinha raízes nos reis do Congo.

 

17.      A acção do Dr. Pinheiro da Silva em prol da educação e do ensino em Angola de modo algum pode ser esquecida. Ao seu modo, tornou-se uma figura marcante na nossa história.

 

18.      Não há, pois, como apagar a história, mesmo que vontades circunstanciais e episódicas o queiram fazer. A terra que hoje temos em mãos não é somente um produto das acções que ocorreram depois da independência. Os angolanos sempre existiram, só que, durante séculos, sujeitos ao poder colonial. Luís Gomes Sambo e Pinheiro da Silva são dois deles.

UMA CIDADE DE SONHOS E QUIMERAS


  1. Por uma questão de princípio, quase sempre me escuso tecer comentários às posições assumidas em debates públicos nos quais participo. A razão é simples: julgo ser nesses debates que devemos esgrimir os nossos argumentos, de modo a não retirarmos vantagens indevidas pela ausência dos outros – para, afinal, ficarmos todos em pé de igualdade. Porém, excepcionalmente, estou a trazer para esta crónica algumas considerações sobre o posicionamento do representante do partido no poder, no último debate radiofónico promovido pela Rádio Ecclésia.

 

  1. O representante do partido no poder fez questão de dizer que o facto de Luanda estar hoje apinhada de gente se devia ao principal partido da oposição, pois este partido trazia deliberadamente gente do interior para Luanda, com o objectivo de dificultar a acção e manchar a imagem do governo. E que tais deslocados forçados seriam, inclusive, transportados em camiões ao serviço desse partido.

 

  1. Na ocasião, cheguei a pensar que estivéssemos apenas a viver um bom momento de humor. Que, com tal momento de humor, o homem do partido no poder quisesse apenas criar um ambiente distendido e mais descontraído. Depois, pelo que se seguiu, ficou provado que o meu primeiro raciocínio estava errado: o homem do poder estava sim a fazer uma forte e ridícula acusação de carácter político contra o partido adversário.

 

  1. Do meu ponto de vista, foi esse o melhor momento do debate radiofónico que a Rádio Ecclésia promoveu no último Sábado. Sobretudo, porque foi também o de melhor performance do representante do partido da oposição que, elegantemente, ripostou com uma frase de um fino e profundo humor: “Se isso está a sair da boca de um doutor, então, mais vale ser dona de casa…”. Com essa tirada e de um só golpe, ele “atirou ao tapete” o adversário que já o vinha há muito espicaçando com sucessivas e acintosas provocações e agressões verbais.

 

  1. Soa, pois, a ridículo descarregar em qualquer partido político totais responsabilidades sobre o superpovoamento da nossa cidade capital. No mínimo, demonstra desconhecer o modo como demograficamente evoluiu a nossa cidade. É desvalorizar as razões profundas que estão por detrás dos fenómenos migratórios, em especial, o êxodo rural.

 

  1. A cidade capital que nós herdámos do colonialismo foi quase sempre “megacéfala”, comparativamente às restantes cidades do país. Por exemplo, em 1970, haveria em Luanda à volta de 480 mil pessoas, numa população urbana de aproximadamente 850.000 em todo o país.

 

  1. Em 1973, a população total de Angola rondava os 6 milhões de almas. Luanda teria cerca de 600 mil (portanto, 1/10 do total) e estavam urbanizadas, em todo o território nacional, perto de 1 milhão de pessoas. Quer então dizer que, da população urbanizada de Angola, em 1973, perto de 60% estava concentrada em Luanda. Huambo, Lobito e Benguela eram as cidades que se seguiam, mas, em termos percentuais, muito distantes de Luanda.

 

  1. Já nessa altura se falava em êxodo rural – mas por razões distintas das que levaram a que o fenómeno da urbanização chegasse ao ponto em que estamos hoje.

 

  1. A responsabilidade pelo actual estado de coisas na nossa capital deve ser repartida pela guerra, pelos diversos conflitos que se seguiram à independência que levaram uma enorme insegurança aos meios rurais mas, também, pelas políticas económicas e sociais seguidas por quem nos governa.

 

  1. Os camponeses terão sido as principais vítimas dos conflitos violentos que eclodiram no nosso país: os seus campos de cultivo foram minados, muitos deles foram mortos ou perseguidos, acusados de terem simpatias por um ou por outro dos contendores. Há, então, que somar a isso as políticas económicas e sociais que foram implementadas, políticas essas que se fixaram essencialmente na criação de infra-estruturas em Luanda, ao ponto de até mesmo as restantes cidades do país terem sido secundarizadas. Quer então dizer que, para além do êxodo rural, tivemos ainda, durante mais de 30 anos, um verdadeiro fluxo migratório proveniente das outras cidades do país para Luanda.

 

  1. Caso persistam as políticas económicas e sociais actuais, adivinho que Luanda venha ainda a crescer mais, tornando-se o ponto para onde todos quererão convergir, em busca de um melhor conforto. Ou até mesmo, apenas para alimentarem os seus sonhos e quimeras.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

NOS EUA O FUTURO SÓ A DEUS PERTENCE…


  1. Uma das promessas eleitorais que permitiram a recente vitória eleitoral de Barack Obama, nos Estados Unidos, foi o aceno feito ao eleitorado latino (hispânico), prometendo uma profunda reforma das actuais leis migratórias – uma atitude que mereceu veemente repúdio por parte dos sectores mais conservadores alojados no seio do Partido Republicano.

 

  1.  Os hispânicos (ou latinos, excluindo os falantes de português, como os brasileiros) já constituem mais de 16% da população norte-americana. Ou seja, são aproximadamente 50 milhões de pessoas, constituindo o segundo mais volumoso grupo étnico naquele país, com uma taxa de crescimento demográfico mais vigorosa do que a dos brancos e mesmo até de outros grupos raciais ou étnicos. Os hispânicos são, sobretudo, originários do México, Porto Rico, El Salvador, Cuba, República Dominicana e Guatemala. A grande maioria, 65%, são descendentes do México.

 

  1. Na nomenclatura utilizada pelo actual censo norte-americano, os latinos são apresentados como uma etnia e não como uma raça, diferenciando-se dos “brancos” e dos “negros”. Muitos desses latinos descendem de indígenas, brancos ou negros, e até mesmo de asiáticos, fazendo com que o factor de identificação não seja a cor da pele mas, sim, de ordem sociológica, como a língua, a religião, tradições familiares, valores culturais, etc.

 

  1. A distribuição geográfica dos latinos pelo território dos EUA é diversificada, havendo, porém, estados muito povoados por gente de origem latina, como o Novo México, Califórnia, Texas, Arizona, Florida, Nevada. Na Florida, por exemplo e, em especial, em Miami, latino é sinónimo de cubano. Mas, em Nova Iorque, é sinónimo de porto-riquenho. Quando se caminha em direcção ao sudoeste norte-americano, o latino é tido por mexicano.

 

  1. Muitas figuras latinas são hoje demasiado mediáticas no cinema, no musical, ou mesmo no desporto, como Jennifer Lopez, cantora e actriz de origem porto-riquenha, Andy Garcia e Cameron Dias, actores de origem cubana, Eva Longoria, actriz de origem mexicana, Christina Aguilera, actriz de origem equatoriana.

 

  1. Pelo seu enorme prestígio, a influência dessas figuras públicas em período eleitoral já é determinante. E o candidato Barack Obama não negligenciou tal importância, já que, na Convenção do Partido Democrata do mês de Setembro de 2012, foi de ver o desfile em palco de alguns destes e de outros, manifestando ali a sua intenção de voto. O cenário repetiu-se durante o período da campanha eleitoral. Facilmente se percebe agora por que Barack Obama conseguiu arrecadar o voto de 70% do eleitorado latino.

 

  1. A postura do candidato republicano, Mitt Rommey, face aos eleitores latinos foi desastrosa. Ele prometeu deportar os imigrantes latinos ilegais, ou, na melhor das hipóteses, aconselhou a sua auto deportação. Mitt Rommey não teve em conta a própria história dos EUA, um país construído fundamentalmente por imigrantes e pelos seus descendentes.  Entrou, pois, em contradição com a história.

 

  1. Nos tempos que correm, 1 em cada 3 crianças que nascem na Califórnia é hispânica. O mesmo, ou aproximadamente o mesmo, vai sucedendo em outros estados dos EUA, relegando cada vez mais para o passado a imagem do americano “típico”: branco, loiro, protestante. Hoje, em algumas aéreas de actividade, o americano “típico” é também o afro-americano, e em não poucos locais, o latino. A tendência actual é para uma imagem de gente com forte mistura de sangues. Isso faz dos EUA o maior “laboratório sociológico” do mundo.

 

  1. Segundo estudos realizados apontam para que, a partir de 2018, a maioria das crianças que nascerem nos EUA já não serão de tez branca. Serão latinos, afro-americanos, asiáticos e de outras minorias. Quando se atingir o ano de 2043, os “brancos” deixarão de ser a maioria da população norte-americana. E em 2050, os latinos serão um terço dos norte-americanos, ou seja, à volta de 150 milhões. Isso produzirá, certamente, transformações de vária ordem.

 

  1. Se o voto dos negros e dos latinos já foi determinante para a reeleição do Presidente Barack Obama, não se estranhe se, nos próximos tempos, surgir o primeiro Presidente latino nos EUA. E o mais interessante é que ele pode vir de qualquer um dos dois campos políticos: republicano ou democrata. Embora os latinos, com excepção dos cubanos, votem cada vez mais no Partido Democrata.

 

  1. Recordo-me que, há mais de duas décadas, o meu irmão Vicente esteve nos EUA e, no regresso, disse-me que a língua espanhola estava a crescer imenso, de tal modo que, num futuro próximo, não seria uma heresia caracterizar os EUA como um país bilingue.

 

  1. O poderio económico dos latinos nos EUA também é crescente e, seguramente, sairá reforçado com o aumento dos laços comerciais entre esse país e os países latino-americanos. Está, pois, tudo em aberto na maior potência do mundo. Eu digo agora, como aprendi com a minha mãe: “Afinal, o futuro só a Deus pertence…”

BARACK OBAMA VOLTOU A FAZER HISTÓRIA


  1. A tomada de posse de Barack Obama foi, novamente, um acto espectacular. Mesmo assim, foi menos emotivo que em 2009, pois que se tratou da marcação do início do seu segundo mandato.

 

  1. O ineditismo do primeiro mandato e o simbolismo da primeira tomada de posse tiveram, sobretudo, muito a ver com o facto de Barack Obama ser o primeiro afro-americano a ascender à Presidência dos EUA, trazendo para o cimo da memória colectiva o historial da dura luta dos negros norte-americanos pela conquista dos seus direitos civis.

 

  1. No dia 20 de Janeiro de 2009, vimos Barack Obama, em apoteose, desfilar a caminho da Casa Branca. Lembrei-me, então, do percurso do Reverendo Doutor Martin Luther King Jr., em especial, do ano de 1963 quando – diante do Lincoln Memorial, em Washington, D.C., no culminar da famosa Marcha por Empregos e por Liberdade – o Doutor Martin Luther King desvendou o seu “sonho” de, no futuro, haver nos EUA uma coexistência harmoniosa entre negros e brancos. Na realidade, um Presidente afro-americano nos EUA não significa, por si só, o fim dessa longa caminhada – mas constitui uma etapa decisiva desse grande desígnio.

 

  1. Não foi por um erro acaso que o Reverendo Doutor Martin Luther King Jr. escolheu aquele local para fazer a sua histórica intervenção. Cem anos antes, em 1863, no dia 1º de Janeiro, ali mesmo naquele local, em Gettysburg, entre os estertores da “Guerra da Secessão de 1861-65”, o Presidente Abraham Lincoln discursara perante os seus concidadãos alertando para o facto de aquele conflito não envolver apenas o direito dos estados Confederados do Sul se separarem da União norte-americana. Era, sim – dizia ele – sobretudo, a luta entre o Norte anti-esclavagista e o Sul esclavagista. Era, também, uma luta que possibilitaria, ou não, a edificação na terra de uma sociedade baseada nos princípios da igualdade. Por isso, o Presidente Abraham Lincoln simboliza o combate contra a escravidão nos EUA.

 

  1. O segundo mandato de Barack Obama tem agora um significado bastante simbólico: a luta por um maior equilíbrio na sociedade norte-americana, opondo-se, frontalmente, ao conservadorismo económico e social que predomina na ala dura republicana. O Presidente Barack Obama deixou, assim, de “correr o risco” de ficar para a história apenas como “O Primeiro Presidente Negro dos EUA”.

 

  1. As facções predominantes no Partido Republicano são adeptas de uma intervenção mínima do Estado na regulamentação da economia e na criação de postos de trabalho. Defendem, ainda, a redução de impostos para os mais ricos e para os ganhos de capital, alegando que isso estimula a “actividade económica”. Contabilizam as despesas sociais como “gasto público”.

 

  1. Do lado do Partido Democrata e, em especial, para aqueles que se revêem nas propostas de Obama, é necessário uma intervenção mais activa do Estado na geração de empregos e um sistema de impostos que penalize menos a classe média e que não agrava ainda mais a débil situação dos mais pobres.

 

  1. O democrata Barack Obama defende um tratamento mais tolerante relativamente à questão dos imigrantes, contrariamente à agressividade e quase xenofobia que caracteriza o republicanismo mais radical.

 

  1. Os radicais xenófobos que existem no seio dos republicanos colocam os seus questionamentos relativamente à imigração em termos de defesa da integridade nacional, cultural e até mesmo religiosa.

 

  1. Por seu lado, os democratas que seguem as ideias de Obama são mais abertos à multiculturalidade e à miscigenação social. Foi com esse discurso que Barack Obama conseguiu penetrar mais facilmente no chamado “voto latino”, um voto cada vez mais crescente.

 

  1. Não foi por um mero acaso que uma das grandes “estrelas” da Convenção Democrata de Setembro, em Charlotte, na Carolina do Norte – que antecedeu o período eleitoral – foi precisamente Julian Castro, Prefeito de San António.

 

  1. O privilégio dado a Julian Castro terá sido um claro “sinal” dado aos latinos sobre a sua crescente importância económica, política e social. Ou até mesmo uma espécie de “passagem de testemunho”, tal como sucedeu há 8 anos, quando Barack Obama discursou na Convenção dos Democratas, passando de um quase obscuro político a uma estrela candente…

 

  1. Outro ponto de viragem, de clara demarcação ideológica deste Presidente será a questão dos direitos dos homossexuais. Ele conseguiu pôr fim à discriminação sexual no seio das Forças Armadas e, agora, no discurso de posse, tomou posição clara quanto aos direitos iguais para os gays. Com isso, Barack Obama desfez mais um tabu.

 

  1. Todo esse conjunto de facto fará dele um Presidente para ser recordado durante muito tempo – e não apenas em função da cor da sua pele.