quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

UMA CIDADE DE SONHOS E QUIMERAS


  1. Por uma questão de princípio, quase sempre me escuso tecer comentários às posições assumidas em debates públicos nos quais participo. A razão é simples: julgo ser nesses debates que devemos esgrimir os nossos argumentos, de modo a não retirarmos vantagens indevidas pela ausência dos outros – para, afinal, ficarmos todos em pé de igualdade. Porém, excepcionalmente, estou a trazer para esta crónica algumas considerações sobre o posicionamento do representante do partido no poder, no último debate radiofónico promovido pela Rádio Ecclésia.

 

  1. O representante do partido no poder fez questão de dizer que o facto de Luanda estar hoje apinhada de gente se devia ao principal partido da oposição, pois este partido trazia deliberadamente gente do interior para Luanda, com o objectivo de dificultar a acção e manchar a imagem do governo. E que tais deslocados forçados seriam, inclusive, transportados em camiões ao serviço desse partido.

 

  1. Na ocasião, cheguei a pensar que estivéssemos apenas a viver um bom momento de humor. Que, com tal momento de humor, o homem do partido no poder quisesse apenas criar um ambiente distendido e mais descontraído. Depois, pelo que se seguiu, ficou provado que o meu primeiro raciocínio estava errado: o homem do poder estava sim a fazer uma forte e ridícula acusação de carácter político contra o partido adversário.

 

  1. Do meu ponto de vista, foi esse o melhor momento do debate radiofónico que a Rádio Ecclésia promoveu no último Sábado. Sobretudo, porque foi também o de melhor performance do representante do partido da oposição que, elegantemente, ripostou com uma frase de um fino e profundo humor: “Se isso está a sair da boca de um doutor, então, mais vale ser dona de casa…”. Com essa tirada e de um só golpe, ele “atirou ao tapete” o adversário que já o vinha há muito espicaçando com sucessivas e acintosas provocações e agressões verbais.

 

  1. Soa, pois, a ridículo descarregar em qualquer partido político totais responsabilidades sobre o superpovoamento da nossa cidade capital. No mínimo, demonstra desconhecer o modo como demograficamente evoluiu a nossa cidade. É desvalorizar as razões profundas que estão por detrás dos fenómenos migratórios, em especial, o êxodo rural.

 

  1. A cidade capital que nós herdámos do colonialismo foi quase sempre “megacéfala”, comparativamente às restantes cidades do país. Por exemplo, em 1970, haveria em Luanda à volta de 480 mil pessoas, numa população urbana de aproximadamente 850.000 em todo o país.

 

  1. Em 1973, a população total de Angola rondava os 6 milhões de almas. Luanda teria cerca de 600 mil (portanto, 1/10 do total) e estavam urbanizadas, em todo o território nacional, perto de 1 milhão de pessoas. Quer então dizer que, da população urbanizada de Angola, em 1973, perto de 60% estava concentrada em Luanda. Huambo, Lobito e Benguela eram as cidades que se seguiam, mas, em termos percentuais, muito distantes de Luanda.

 

  1. Já nessa altura se falava em êxodo rural – mas por razões distintas das que levaram a que o fenómeno da urbanização chegasse ao ponto em que estamos hoje.

 

  1. A responsabilidade pelo actual estado de coisas na nossa capital deve ser repartida pela guerra, pelos diversos conflitos que se seguiram à independência que levaram uma enorme insegurança aos meios rurais mas, também, pelas políticas económicas e sociais seguidas por quem nos governa.

 

  1. Os camponeses terão sido as principais vítimas dos conflitos violentos que eclodiram no nosso país: os seus campos de cultivo foram minados, muitos deles foram mortos ou perseguidos, acusados de terem simpatias por um ou por outro dos contendores. Há, então, que somar a isso as políticas económicas e sociais que foram implementadas, políticas essas que se fixaram essencialmente na criação de infra-estruturas em Luanda, ao ponto de até mesmo as restantes cidades do país terem sido secundarizadas. Quer então dizer que, para além do êxodo rural, tivemos ainda, durante mais de 30 anos, um verdadeiro fluxo migratório proveniente das outras cidades do país para Luanda.

 

  1. Caso persistam as políticas económicas e sociais actuais, adivinho que Luanda venha ainda a crescer mais, tornando-se o ponto para onde todos quererão convergir, em busca de um melhor conforto. Ou até mesmo, apenas para alimentarem os seus sonhos e quimeras.

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