quinta-feira, 16 de maio de 2013

SERÁ UM CISMA NA UNIÃO EUROPEIA?


  1. A permanência (ou não) do Reino Unido na União Europeia foi o tema que, nesta última semana, mais despertou a minha atenção.

 

  1. Durante a visita que, recentemente, efectuou aos EUA, o Primeiro-ministro britânico, David Cameron, destapou, finalmente, o véu, ao declarar que prevê a organização de um referendo para que a população se pronuncie sobre se quer (ou não) continuar a ver o seu país dentro do actual Bloco Europeu.

 

  1. A necessidade de uma profunda revisão do actual quadro europeu é já insistentemente colocada no seio da sociedade britânica, e a classe política parece não ter formas de contornar o problema. Para ilustrar as reticências britânicas, basta recordar a inflexibilidade do Reino Unido em manter-se fora da Zona Euro, mesmo que, estando na União Europeia, tenha que obedecer a muitas das restantes regras vigentes neste espaço. É visível que, em demasiados casos, fá-lo com evidente desagrado. O Reino Unido entrou na União em 1973, são já então passados 40 anos de uma permanência cheia de desencontros.

 

  1. O crescente cepticismo britânico relativamente à União Europeia vai agora, seguramente, ganhar novo fôlego e relançar o debate europeu em moldes cada vez mais sérios, prevendo-se que venha mesmo a pôr em causa a sua actual estrutura política e económica que condicionam a actividade governativa dentro de cada um dos países membros.

 

  1. De qualquer forma, eu julgo que o debate no seio da sociedade britânica terá já algumas balizas bem definidas. Os limites da participação do Reino Unido estão no futuro relacionamento económico e comercial, mesmo que diga não abdicar de uma actuação conjunta em determinadas matérias de carácter político e de defesa. Manterá reticências à livre circulação de pessoas e bens, ao Espaço Schengen e, claro, de modo algum abandonará a libra como moeda nacional.

 

  1. A Europa vive agora em clara turbulência política, económica e social, com resultados visíveis no modo como os governos instalados são contestados nas ruas e penalizados nas mesas de voto, quer ao nível central, quer ao nível local. A economia da União deixou de crescer, até mesmo em algumas das mais fortes.

 

  1. Os observadores internacionais menos optimistas começam já a prever um próximo desmoronamento da União Europeia, caso se dê o regresso às antigas moedas nacionais nos países da Zona Euro. Será, então, posto em causa o modelo de construção europeia idealizado por Jean Monnet e Robert Schuman – tidos justamente como os pais-fundadores da Europa Comunitária.

 

  1. Por tudo isso, fiz questão de voltar a ler o discurso proferido por Jean Monnet, na Câmara Municipal da Cidade do Luxemburgo, perante o Príncipe do Luxemburgo e outras autoridades, um discurso no qual fez questão de enunciar a sua profunda crença numa Europa unida, capaz de dissipar todos os fantasmas das frequentes guerras que o continente enfrentara. Ele mostrou almejar uma completa unidade política europeia, subordinada a uma só Constituição.

 

  1. Jean Monnet e Robert Schuman acreditavam, por exemplo, que a melhor forma de pôr termo à rivalidade entre a França e a Alemanha no controlo da importante região industrial da Renânia, onde se produzia aço e carvão, era a criação de uma Comunidade Europeia. E começaram pela institucionalização da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, quando 6 países europeus decidiram tornar interdependentes os seus sectores de produção do carvão e do aço, as alavancas do desenvolvimento industrial. Assim, nenhum desses países teria a pretensão de mobilizar as suas forças armadas sem que os outros tivessem conhecimento. Desse modo, pensavam eles que assim se dissipariam as desconfianças e tensões decorrentes da Segunda Guerra Mundial. Poucos anos depois, seguiu-se a institucionalização da Comunidade Europeia da Energia Atómica e, depois, a Comunidade Económica Europeia.

 

  1. Da associação da Comunidade Económica Europeia (CEE) com a Associação Europeia do Comércio Livre (EFTA) – onde se situavam o Reino Unido, Dinamarca, Portugal, Suécia, Áustria, Noruega e Suíça – emergiu o Espaço Económico Europeu (EEE), uma Zona de Comércio Livre com quase 400 milhões de consumidores. Foi esta possibilidade de alargamento do espaço comercial europeu que estimulou, sobretudo, os seus agentes económicos privados mais fortes e poderosos, que viram no processo de integração económica e comercial o terreno fértil para o seu crescimento. Se beneficiou os mais competitivos, retirou do mercado os mais débeis, como se viu, e gerou desemprego, um fenómeno que arrasa muitos países e põe em perigo constante alguns governos.

 

  1. As regras financeiras, entretanto, sobrevindas e, em especial, o processo de integração política estão a fazer descarrilar o comboio que Jean Monnet e Robert Schuman puseram em andamento… A Europa Comunitária está a sair dos carris e não tenho dúvidas de que um maior desengajamento do Reino Unido pode ser o elemento que faltava para provocar um verdadeiro “cisma”, enterrando, assim, sem popa e circunstância, o sonho de Jean Monnet e Robert Schuman. E talvez fazer reacender as velhas rivalidades europeias que sempre desestabilizaram o mundo.

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