quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A QUESTÃO DAS PARCERIAS ESTRATÉGICAS


  1. O discurso do Sr. Presidente da República, do dia 15 de Outubro na Assembleia Nacional introduziu definitivamente no debate nacional o jargão da “Parceira Estratégica”, com o anúncio público da suspensão de uma projectada parceria estratégica com Portugal.

 

  1. Alguns analistas fizeram uma leitura bastante simplista dessa decisão, passando a ideia de estarmos no limiar de uma ruptura de relações com Portugal e, consequentemente, da hostilização dos seus cidadãos aqui residentes e da perseguição dos investimentos económicos portugueses em Angola. Embora haja agora sinais de alguma “revanche” estou, porém, convencido que, dentro em breve, esse receio se dissipará e que a discussão ganhará contornos mais sérios, mais equilibrados, construtivos e realistas.

 

  1. A confusão que se instalou decorre do facto de nem todos terem uma noção clara do que é uma Parceria Estratégica. Há quem a confunda com o mero relacionamento entre os Estados, mas ela, na verdade, corresponde a um nível de relacionamento superior e mais estruturado.

 

  1. Face à globalização dos mercados, ao aumento da agressividade da concorrência empresarial e à aceleração do ritmo das mudanças tecnológicas, as empresas são, por vezes, impelidas a encontrar métodos engenhosos e estratégias expeditas para garantirem o êxito dos seus negócios. Podem fazê-lo, precisamente, pelo estabelecimento de alianças com outras empresas – a que chamam parceiras. As alianças estratégicas entre as empresas situam-se no espaço compreendido entre o simples acordo de subcontratação e a fusão ou a aquisição.

 

  1. A subcontratação não implica o desaparecimento de qualquer das partes, e traduz-se numa prestação que uma empresa faz à outra mediante remuneração. Na fusão e na aquisição, ou as duas partes dão origem a um novo ente jurídico, ou apenas um dos entes jurídicos sobrevive.

 

  1. À semelhança do que sucede no mundo empresarial, as alianças estratégicas entre os Estados são uma forma de minimizar custos e potencializar ganhos, face à crescente globalização das relações internacionais. Por essa via, os Estados podem expandir as suas actividades e tornarem-se mais competitivos. Tais alianças estratégicas devem assentar no princípio da igualdade e da partilha de competências. Deve, ainda, haver confiança recíproca, com a definição de objectivos claros e atender às necessidades e interesses comuns.

 

  1. Não se pode formalizar uma parceria estratégica para apenas uma das partes ganhar. Os ganhos devem ser repartidos de um modo equilibrado, sob pena de, a breve trecho, a parceria ser rompida. As parcerias estratégicas devem ainda apontar para horizontes temporais relativamente longos, para que se possam explorar todas as potencialidades das partes.

 

  1. As parcerias estratégicas tanto podem relativamente globais, como ser meramente sectoriais. Nas relações entre Estados, pode optar-se por envolver diversos ramos de actividade, mas nada impede que se articulem somente algumas áreas como, por exemplo, a área militar, com o fornecimento de equipamentos, preparação dos efectivos, logística, etc., de que nos serve de exemplo o nosso relacionamento com a Rússia, que envolveu o fornecimento de equipamentos e a preparação dos efectivos dos escalões superiores.

 

  1. Com o fim da guerra civil, o governo definiu a China como seu parceiro estratégico no quadro da reconstrução das infra-estruturas. São visíveis parcerias na ampliação do sistema de produção e distribuição de energia e até mesmo no domínio das águas, em que entram a Rússia e o Brasil.

 

  1. Em Junho de 2010, em Luanda, os Chefes de Estado de Angola e de Portugal acordaram em alargar e aprofundar o relacionamento e a cooperação entre os dois países, e decidiram fazê-lo de uma forma mais estruturada, com a definição de prioridades, programação, calendarização e criação dos instrumentos jurídicos para a sua viabilização. Foi desse encontro que nasceu a ideia da concretização da “Parceria Estratégica” de que agora tanto se fala e que, pelas palavras do Presidente da República pronunciadas no dia 15 de Outubro, pode ficar adiada.

 
 Não creio que estejamos diante de uma ruptura de relações entre os Estados mas, sim, perante a hipótese de ver, sim, adiada a formalização de um conjunto de instrumentos de cooperação que ajudarão a elevar o nível dessas relações para patamares mais estruturados. A segunda hipótese é, realisticamente, a mais desejável.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O NOVO MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES


  1. A imprensa espanhola reportou o facto de a filha mais nova do Rei de Espanha, Dom Juan Carlos, a Infanta Cristina, estar a ser investigada pela justiça fiscal do seu país por, eventualmente, ter efectuado pagamentos ilícitos com cartões de crédito de uma sociedade patrimonial que detém conjuntamente com o seu marido, Iñaki Urdargarin, para onde este terá desviado dinheiros públicos. Nos últimos tempos, o marido da Princesa tem sido muito seguido pela justiça por utilização irregular da fundação que detinha e pela qual fazia passar todo um conjunto de acções irregulares.

 

  1. Sobre a Infanta espanhola pesam suspeitas de ter feito, entre 2007 e 2008, pagamentos com dinheiros públicos de, por exemplo, 4 livros da saga Harry Porter, ter comprado alguma roupa, feito assinatura de revistas, adquirido um par de botas em Nova Iorque, pernoitado num hotel de Moçambique, ter comprado flores, pago os encargos da estadia de um fim-de-semana em Roma, assim como ter comprado um chocolate numa passagem pelo aeroporto de Genebra, entre outros gastos.

 

  1. Arrolados os custos dos diversos custos, os investigadores constataram que os gastos dos duques espanhóis excedem em muito o nível normal dos seus rendimentos. Daí que Infanta possa vir a ser indiciada por ilicitude na manipulação de recursos. As autoridades políticas espanholas de forma alguma têm competência para interferir no processo de investigação. Elas deixam a justiça realizar a tarefa para que está vocacionada.

 

  1. Mesmo que tais acontecimentos causem um dano de imagem à monarquia, a sociedade espanhola acompanha os seus desenvolvimentos com serenidade. E o Rei de Espanha não saiu à rua para dar “um puxão de orelhas” seja a quem for. Essas são as regras de uma sociedade democrática, inclusive, na monarquia constitucional como a espanhola.

 

  1. Os actos de corrupção e outros demais ilícitos previstos na lei são perseguidos, com os órgãos competentes a tomarem conta deles. São investigados e, quando julgados, recebem a punição equivalente, doa a quem doer…

 

  1. No dia 15 deste mês, o Presidente da República de Angola fez uma intervenção na Assembleia Nacional, em que discorreu sobre o estado da Nação. Uma das passagens do seu discurso na Assembleia Nacional que mais prendeu a atenção da sociedade foi aquela em que reafirmou o empenho do Executivo em promover a introdução e a adopção de leis internacionais sobre o combate à corrupção, designadamente a Convenção das Nações Unidas sobre a Corrupção. Porém, logo de seguida, o PR alertou para aquilo que apodou de uma “confusão deliberada” feita por organizações de alguns países ocidentais com o intuito de passar a ideia de que “o africano rico é corrupto ou suspeito de corrupção”.

 

  1. Quer dizer que o Presidente da República transitou facilmente de uma clara declaração de boas intenções para a denúncia também clara de haver má-fé por parte de alguns na compreensão de certo enriquecimento que hoje se verifica no nosso continente.

 

  1. Nesse seu vertiginosos embalo, o PR procurou teorizar sobre tal enriquecimento, e socorreu-se da abordagem clássica do fenómeno da acumulação do capital, a que Adam Smith chamou “previous acumulation” e, depois, Karl Marx consagrou como a “acumulação primitiva do capital” ou “acumulação originária do capital”.

 

  1. Karl Marx, no seu trabalho seminal, “O Capital”, analisou o fenómeno na Europa, entre os séculos XVI e XVIII. Karl Marx tomou a Inglaterra como o seu modelo, concluindo que foi o processo de acumulação primitiva do capital que originou as grandes transformações da Revolução Industrial na Europa. Para esse ilustre estudioso, a acumulação originária decorreu nos seguintes termos: i) uma grande concentração de recursos (dinheiro, ouro, prata e terra) nas mãos de um pequeno grupo de proprietários; ii) formação de um enorme contingente de indivíduos desprovidos de bens e obrigados a trabalhar para outrem, para os proprietários de terras e donos de manufacturas.

 

  1. Essa circunstância terá resultado, historicamente, das riquezas acumuladas pelos negociantes europeus com o tráfico de escravos, com o saque colonial e a apropriação privada das terras comunais dos camponeses, assim como o proteccionismo às manufacturas nacionais. Um processo em que intervém também o confisco e a venda a baixo preço das terras pertencentes à Igreja pelos governos revolucionários. De acordo com Karl Marx, o advento da Revolução Industrial fez com que a acumulação primitiva fosse substituída pela acumulação capitalista.

 

  1. No seu discurso, o PR não explicitou o modo como as novas burguesias africanas e, em particular, a angolana conseguiram a proeza de enriquecer tão rápida e facilmente. Limitou-se, sim, a dizer que há aqui um modelo próprio de acumulação. Mas não nos disse nada sobre as consequências económicas, sociais e políticas desse enriquecimento. Seria interessante se o fizesse, para pudermos, então, perceber melhor a sua originalidade.

 

  1. No modelo original a que o PR fez referência, já é bem fácil perceber que há, tendencialmente, grande concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos, tal como é crescente o contingente de desprovidos de bens que já perderam a esperança de vir a partilhar o bem-estar que o país podia proporcionar aos seus filhos.

 

  1. Creio, também, que o Sr. Presidente da República não desconhece que a acumulação primitiva do capital que ele glorifica e que se está a processar em Angola não tem por base o mérito mas, sim, a cor partidária que se veste, as afinidades familiares, ou cumplicidade com o poder. Sabe ainda que ela não redundará numa melhoria do bem-estar geral mas, sim, no fausto de uns poucos. E sabe mais: que esse fausto só se manterá enquanto o poder estiver nas mesmas mãos. Depois, quando o país se democratizar e os grandes gigantes de pés de barro se confrontarem com a concorrência leal, tais impérios desmoronarão, como um baralho de cartas…

 

  1. O Sr. Presidente da República manifestou vontade teórica de ver aplicadas, de modo rigoroso, as leis angolanas contra a corrupção. Porém, deixou claro que, na sua perspectiva, o modo como se constituíram os grandes grupos económicos em Angola nada tem a ver com actos de corrupção, com o desvio de fundos públicos para fins pessoais, ou com o tráfico de influências.

 

  1. Por isso, eu também gostaria que ele nos ajudasse a perceber como foi possível, em tão pouco tempo, ter-se assistido a esse verdadeiro “milagre da multiplicação dos pães”… Pois, de uma forma mais ou menos geral, todos tivemos como ponto de partida a pobreza... Uma pobreza que até foi aprofundada pelas políticas sociais e económicas que, sob a sua orientação, foram aplicadas durante muitos anos e de um modo implacável.

 

  1. Recordo, apenas para avivar a memória de alguns que, há pouco mais de 20 anos, quem guardasse em casa um saco de açúcar, podia ser preso sob a acusação de açambarcamento. E quem fosse apanhado com uma nota de 100 dólares no bolso, era considerado inimigo da revolução e julgado em tribunal popular revolucionário.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O GRANDE ESTRATEGA MILITAR VO NGUYEN GIAP


  1. No dia 4 de Outubro, o meu irmão Vicente enviou-me uma mensagem por SMS, dando notícia da morte de Vo Nguyen Giap, o general vietnamita que será para sempre lembrado como o estratega militar que derrotou as tropas francesas na emblemática “Batalha de Dien Bien Phu” e, depois, comandou a chamada “Ofensiva do Tet” que conseguiu estremecer o poderio militar norte-americano, numa sucessão de combates que conduziram à reunificação do Vietname.

 

  1. As acções militares do general Vo Nguyen Giap motivaram os povos até então colonizados. Daí que se tenha transformado num referencial e seja património histórico comum de várias gerações.

 

  1. A minha geração política tomou conhecimento histórico da “Batalha de Dien Bien Phu”, mas teve já o privilégio de acompanhar com enorme ansiedade os pontos mais altos dos encarniçados combates travados no Vietname entre os homens comandados pelo general Vo Nguyen Giap e as tropas norte-americanas.

 

  1. Na “Batalha de Dien Bien Phu” colocaram-se em campos opostos os guerrilheiros do Viêt Minh – o movimento independentista do Vietname dirigido por Ho Chi Minh – e as forças expedicionárias francesas do Extremo Oriente.

 

  1. A “Batalha de Dien Bien Phu” foi o culminar de um combate desigual entre um exército irregular asiático, pobre e praticamente parco de recursos, contra o poderio militar da França, naquela que ficou então conhecida como a mais longa e a mais mortífera batalha do pós-Segunda Guerra Mundial.

 

  1. Embora os norte-americanos não tenham ido verdadeiramente em socorro dos franceses, a “Batalha de Dien Bien Phu” transformou-se num dos pontos culminantes da Guerra-fria e marcou praticamente o fim do colonialismo francês no Sudeste Asiático, passando a vez à influência americana.

                   

  1. O colapso militar francês deu-se no dia 7 de Maio de 1954, após várias semanas de cerco e aniquilamento levados a cabo pelos cerca de 80.000 homens comandados pelo general Vo Nguyen Giap. Reza a história que a França envolveu um efectivo militar composto por mais de 14.000 homens, integrando diversas armas, com equipamentos dos mais sofisticados para a época, incluindo aviação, artilharia pesada, pára-quedistas, blindados e cavalaria. As forças expedicionárias francesas perderam perto de 3.000 homens. Os restantes 11.700 foram feitos prisioneiros, dos quais apenas 3.290 regressaram vivos à França. Por sua vez, os efectivos vietnamitas perderam 23.000 homens.

 

  1. A “Batalha de Dien Bien Phu” tem o seu início com a ocupação da planície com o mesmo nome por parte de efectivos do exército francês. A região, até então detida pelos homens do Viêt Minh, era de grande importância estratégica devido ao facto de possuir uma pista de aterragem construída pelos japoneses, além de ser rica do ponto vista agrícola e, assim, servir de fonte de abastecimento logístico aos guerrilheiros. Com a pista de aterragem, Dien Bien Phu serviria de ponto de ligação com Hanói, a capital.

 

  1. Vo Nguyen Giap percebeu a importância estratégica da região e decidiu fazer o envolvimento das forças francesas. Para isso, socorreu-se também de cerca de 250.000 populares que transportaram pela selva e às costas material de guerra pesado e desmontado peça por peça através de uma rota prévia e cuidadosamente traçada.

 

  1. Com Dien Bien Phu cercada, os homens do general Giap efectuaram um bombardeamento massivo com peças de artilharia, dizimando os ocupantes. Os combates terminaram num épico confronto corpo-a-corpo, com armas brancas, deixando no terreno um verdadeiro tapete de mortos, de um lado e do outro.

 

  1. Foram pormenores dessa batalha que alimentaram e estimularam o espírito combativo das gerações de revolucionários que, entretanto, emergiram em todos os continentes, tendo como referencial o general Vo Nguyen Giap. Foi ele também que se transformou, posteriormente, no estratega de outro grande momento da história da luta dos povos contra a ocupação estrangeira – a famosa “Ofensiva do Tet”, já com os norte-americanos como adversários.

 

  1. A “Ofensiva do Tet” – assim chamada porque teve lugar no primeiro dia do ano do calendário lunar tradicional vietnamita (31 de Janeiro de 1968) – envolveu efectivos norte-americanos e de outros seus aliados, assim como o exército sul-vietnamita, contra os guerrilheiros vietcongs (comunistas do Vietname do Sul) e tropas regulares do Vietname do Norte. Travaram-se combates em 36 cidades do Sul do Vietname, inclusive, na capital Saigão e na antiga capital imperial Hué. Nem a própria embaixada americana em Saigão foi poupada.

 

  1. Do ponto de vista militar, não se pode dizer que os revolucionários vietnamitas tenham obtido uma vitória, como sucedera 14 anos antes com os Viêt Minh contra os franceses. Os vietcongs e os seus aliados do Norte perderam 3 dezenas e meia de milhar de homens, contra os 1.100 mortos norte-americanos e perto de 3.000 mortos militares sul-vietnamitas. Só na Batalha de Hué, os vietcongs perderam mais de 5 mil homens durante um mês de combates.

 

  1. O mérito da “Ofensiva do Tet” mede-se mais pelo forte impacto político que teve na opinião pública norte-americana e mesmo na opinião pública mundial. À “Ofensiva do Tet” seguiu-se um período de conversações em Paris, na busca de uma “retirada honrosa” dos norte-americanos e à “vietnamização” da guerra que culminou com a derrota do Sul e a unificação forçado das duas partes do Vietname.

 

  1. Mais uma vez esteve em destaque na estratégia militar o génio de Vo Nguyen Giap – esse pequeno mas grande homem, professor de História – que, juntamente com Ho Chi Minh, se transformou em uma das grandes memórias do povo do Vietname.

 

  1. Ele morreu agora, aos 102 anos de idade, envolvido por um sentimento de grande carinho e reconhecimento por todos aqueles que transportaram dentro de si o sentimento de verdadeiro apego à Liberdade.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A UTOPIA DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


  1. O Ministro das Relações Exteriores, George Chicoti, declarou, em Nova Iorque, que “em Angola, não há violação dos direitos humanos”. Admitiu, porém, “haver, naturalmente, incidentes que podem, por vezes, ferir algumas pessoas”. Mas, acrescentou que tais factos não devem ser imputado ao Governo angolano.

 

  1. As afirmações do Ministro são, no mínimo, cínicas e ridículas, mesmo que ele as tenha pronunciado no momento em que empreende uma clara e inequívoca campanha diplomática para promover a imagem do Governo. Recordo que o Governo está vivamente empenhado em fazer Angola aceder ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e integrar a Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

 

  1. O Conselho de Segurança das Nações Unidas é composto por 15 membros, dos quais 5 são membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – e os restantes são rotativos, com um mandato de 2 anos, e escolhidos pela Assembleia Geral em função de critérios específicos da organização, nomeadamente: contribuição para a manutenção da paz e segurança internacional, e distribuição regional equitativa. Aos membros permanentes e rotativos do Conselho de Segurança não se exigem, pois, credenciais democráticas.

 

  1. De igual modo, a forma de acesso ao Conselho dos Direitos Humanos não impõe algum comprometimento com o respeito desses Direitos. Ao ponto de, em 2003, a Líbia ter presidido tal Conselho – na altura ainda designado Comissão dos Direitos Humanos. Os assentos no Conselho são afectados por distribuição regional, tal como sucede com os membros não permanentes do Conselho de Segurança.

 

  1. Compete ao Conselho dos Direitos Humanos examinar, vigiar e elaborar relatório público sobre a situação dos direitos humanos em países ou territórios específicos, assim como os principais fenómenos mundiais que colidam com os direitos humanos.

 

  1. O nosso Governo e o partido que o suporta buscam, neste frenesim diplomático, encontrar um assento no Conselho dos Direitos Humanos, não propriamente porque tenham assumido forte compromisso com o respeito por esses mesmos direitos ao nível interno, mas, sim, porque, estando lá dentro, podem de algum modo influenciar o conteúdo dos seus relatórios. Além de que poderão fazer traduzir em dividendos políticos internos, uma presença que não condiz com a sua prática corrente.

 

  1. A actividade humana deve pautar-se por princípios e valores. E deve, também, ter limites. Uns desses limites serão ditados pela necessidade de garantir a sobrevivência das espécies, para a manutenção da vida com qualidade e diversidade; outros limites deverão ser estabelecidos a partir de critérios de ordem moral e ética, visando garantir uma sã convivência, como forma de preservar a harmonia social.

 

  1. É o respeito destes últimos limites que nos inibe de fazer da arena política “o campo onde tudo vale”. Quando se violam tais limites, visando preservar interesses egoístas de determinados grupos, destapa-se a “Caixa de Pandora”. E corre-se o risco da perda de qualquer réstia de credibilidade.

 

  1. Todos os dias somos confrontados com notícias de atropelos e violações dos mais básicos direitos humanos, em actos praticadas por agentes públicos, quer sejam actores políticos, quer sejam elementos ligados aos órgãos de defesa, segurança e ordem pública. Poucas (ou nenhumas) são as vezes que tais actos são repudiados publicamente – de forma inequívoca e contundente – pelas altas hierarquias do poder.

 

  1. Nos casos em que os atropelos e violações dos direitos humanos têm carácter eminentemente político, via de regra, segue-se um silêncio ensurdecedor… O poder político emudece, o que me leva legitimamente a pensar que não passam, afinal, de actos perfeitamente consentidos e enquadrados numa estratégia mais geral de intimidação e amordaçamento da sociedade.

 

  1. Se é verdade que são práticas generalizadas por todo o pais, também é verdade que, à medida que nos afastamos da cidade capital, a incidência e a gravidade das violações dos direitos políticos dos cidadãos ainda se tornam maiores, levando-nos a pressupor que, nesses territórios mais distantes, o que impera, de facto, é o caciquismo na sua versão mais primária… Aí o poder político impõe-se à cacetada, como se os cidadãos fossem simples rebanho…

 

  1. Ultimamente, e fruto da acção e crescente mediatização das redes sociais, vemos ilustrados publicamente diversos actos de vandalismo praticados por agentes policiais, que ocorrem quer em hasta pública, quer no interior das esquadras. Em consequência dessa importuna e demasiado incomodativa exposição pública, ao Ministro do Interior não tem restado outra alternativa que não seja a abertura de inquéritos para o apuramento de responsabilidades e para a consequente punição administrativa dos agentes envolvidos na barbárie.

 

  1. Porém, face à inconclusiva penalização criminal, a sociedade vê goradas as suas expectativas de justiça. O exemplo mais chocante foi o do chamado “Massacre da Frescura” que terminou por passar a ideia de que, afinal, todos os polícias envolvidos nos assassinatos eram, apenas e tão-somente, “bons rapazes”…

 

  1. A opacidade dos procedimentos do passado – que tornou rotineiras as agressões contra cidadãos – e a ineficácia das medidas do presente, geraram o descrédito que se apossou da população. Daí que um bom número de agentes policiais se sinta cada vez mais alheio às consequências das leis, e prossiga violando, contínua e flagrantemente, os direitos mais elementares dos cidadãos.

 

  1. A cumplicidade implícita (ou explícita) por parte de quem tem a obrigação política de ser um agente público comprometido com a garantia dos direitos humanos, faz com que reine o descrédito nas autoridades. Para a maioria, o Estado de Direito Democrático é apenas ilusório, não se colando com a realidade.

 

  1. O caso mais evidente do desencontro entre a realidade e a ficção é o impedimento de manifestações públicas que não visem louvor o poder instituído e o seu mais alto mandatário. As manifestações de sinal contrário são sempre selvaticamente reprimidas – mesmo ainda antes de elas terem lugar, com ameaças, raptos e prisões dos seus organizadores.

 

  1. Tornaram-se vulgares imagens de jovens feitos mártires da sanha repressiva de agentes à paisana ou fardados. Uma repressão que se constitui, no final, num estímulo a novas adesões ao já muito mediático Movimento Revolucionário.

 

  1. Aos mais diversos níveis, as autoridades vão dando verdadeiros tiros nos pés… Falam em diálogo com a juventude mas, quando os elementos contestatários da juventude se expõem, o poder acusa-os de subversivos e de pretenderem alterar violentamente a ordem pública. Inclusive, fabricam-se panfletos a instigar à violência que, depois, são exibidos nos órgãos de difusão massiva pública como sendo da autoria dos manifestantes. Essa é uma prática mafiosa e fascista que só desacredita o Estado.

 

  1. O caso mais caricato de descrédito das instituições foi o recente espectáculo de péssimo gosto protagonizado pela polícia. Libertados provisoriamente por determinação do tribunal, a polícia decidiu, com descarada arbitrariedade, devolver à prisão os jovens do chamado Movimento Revolucionário. Decidiu também deter e praticar sevícias sobre jornalistas, quer em público, quer nas esquadras. Que “crime” teriam, então, cometido os jornalistas? Muito simples: quiseram tão-somente ouvir declarações dos jovens anteriormente libertados por ordem do tribunal. E que novo “crime” terão cometido os jovens? Muito mais simples ainda: estarem a conversar com os jornalistas.

 

  1. O elemento mais “interessante” de todo aquele “teatro” e que lança para o charco o discurso diplomático do Sr. Ministro das Relações Exteriores, foi a detenção e o maltrato infringido a um jovem empresário que, do seu gabinete de trabalho, tomava imagens da barbárie policial a que assistia a poucos metros de distância.

 

  1. O quê que as entidades públicas e políticas fizeram para debelar o mal e punir os violadores da lei? Nada. Silêncio sepulcral. Ficaram calados, como se nada de grave tivesse acontecido, o que evidencia o seu não comprometimento com o Estado de Direito. E que a Democracia é um regime político que não lhes diz respeito. E mais: que o Sistema Político Multipartidário é tão-somente um expediente para a venda de imagem.