quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O ACTUAL PREÇO DO PETRÓLEO E AS MULTINACIONAIS


1.  Os preços internacionais do petróleo prosseguem em trajectória descendente. Vão mesmo já acumulando cerca de 30% de subida face, por exemplo, aos preços registados em Julho deste ano. Tal percentagem constitui uma muito significativa perda de valor naquela que é ainda a mais importante fonte de energia da sociedade moderna.

 

2.  Os impactos da descida do preço estão a provocar distintos reflexos sobre os diversos países, no caso de uns serem importadores e outros serem exportadores de petróleo.

 

3.  Como é evidente, aos países importadores de petróleo interessa um preço do petróleo mais baixo, resultando daí alívio nas suas contas. Aos países exportadores, sem sombra de dúvidas que interessará preços mais elevados, melhorando as suas receitas.

 

4.  Todavia, essa é uma perspectiva de certo modo redutora, uma vez que existem outros actores em cena, as empresas, com o seu interesse particular que nem sempre é completamente coincidente com o dos estados. Vale, pois, a pena dar uma ligeira olhadela para a posição das multinacionais ligadas à extracção e comercialização do petróleo, colocadas agora no âmago destes interesses contraditórios.

 

5.  Na maior parte das vezes, as multinacionais são originárias de países importadores de petróleo. O que não implica que não haja nesse negócio empresas de grande porte sedeadas em países exportadores. Mesmo assim, a todas elas interessará, seguramente, preços mais elevados, independentemente do interesse geral dos seus países.

 

6.  Com os actuais preços do crude, as principais multinacionais ocidentais, Exxon, Chevron, Shell e BP PLC vão vendo reduzidos os seus lucros a níveis inferiores aos de dez anos antes, quando até estavam a vender o petróleo e o gás natural a preços iguais a metade dos actuais. Esta diferença de resultados deriva, sobretudo, do aumento dos custos de produção, pois as novas explorações são feitas em condições cada vez menos favoráveis. Segundo dados recentes, as margens de lucro das multinacionais do petróleo baixaram dos 35% obtidos na última década, para 26% registados nos últimos 12 meses.

 

7.   Os níveis de produção da Shell já são idênticos aos que tinha dez anos antes. Perspectiva-se que continuem a descer. O mesmo sucederá com a Chevron. A Exxon está com níveis de produção aproximados dos de há cinco anos.

 

8.  Fruto desse estado de coisas, não são poucas as multinacionais que decidiram não só adiar investimentos que tinham em carteira, como, inclusive, realizar desinvestimentos nos campos petrolíferos menos lucrativos.

 

9.  Se é verdade que o adiamento dos investimentos em carteira e os desinvestimentos terão implicações sobre a actividade económica dos respectivos países, não deixa de ser verdade que eles também se reflectirão na responsabilidade social dessas mesmas empresas, alguns dos quais serão demasiado importantes para o bem-estar das suas populações.

 

10.                    A queda dos preços do petróleo está a afectar muito negativamente países como a Venezuela, Irão, Rússia, Iraque, Nigéria, e até mesmo Angola, podendo, porém, ter impactos positivos sobre os maiores importadores de petróleo, nomeadamente, países europeus e a China.

 

11.                    A situação da Venezuela é das mais sensíveis. Está mesmo a forçar o Presidente Nicolas Maduro a alterar a política de hostilização das multinacionais, que foi o cavalo de batalha de Hugo Chavez. Caso Nicolas Maduro adopte uma política de maior cooperação para com as multinacionais, terá, então, que enfrentar a animosidade dos “bolivarianistas” mais radicais.

 

12.                    A Rússia não vive momentos muito melhores, engajada que está num conflito que pode, inclusive, descarrilar, obrigando-a a grandes encargos.

 

13.                    Temos também que ficar atentos aos maus momentos que se avizinham para nós, pois o sector não mineral da nossa economia está ainda muito dependente dos resultados obtidos no sector petrolífero. E esta dependência manter-se-á por muito tempo, até que ele se realimente, criando a sua própria dinâmica.

O DIREITO À MANIFESTAÇÃO


1.  O direito à manifestação tem sido bárbara e sistematicamente reprimido em Angola, violando, assim, um dos preceitos constitucionais que mais dá forma e substância à democracia e aos regimes democráticos.

 

2.  Temos assistido a uma muito ridícula cobertura mediática das manifestações públicas, sempre que sejam protagonizadas por sectores ligados, directa ou indirectamente, ao poder. Temos também assistido à diabolização – por vezes, antecipada - daquelas manifestações inspiradas por sectores ligados às oposições, ou então, por jovens contestatários sem partido, activistas cívicos assumidamente críticos do poder actual.

 

3.  Não poucas vezes, a mídia estatal alerta a sociedade contra supostas “intenções de agentes provocadores, movidos por uma perigosa vontade de desestabilizar o nosso país, semeando o caos”. Logo de imediato, são “accionados” os analistas e os comentaristas do costume, assim como figuras públicas de variados estratos sociais e diversas vocações profissionais que emprestam, alegremente, o seu testemunho, numa maratona de depoimentos acusatórios. Fazem questão da dar pois, a ideia de que a pátria está em perigo de colapsar, de se mergulhar o país num abismo infindável.

 

4.  A dissuasão às manifestações tem sido acompanhada de uma onda de repressão sem precedentes. A cada nova vez, ela aumenta de tom e, também, de sofisticação.

 

5.  De início, os manifestantes (ou putativos manifestantes) eram previamente molestados nas suas casas. E os que escapassem a essa moléstia prévia, sovados no espaço público escolhido (ou nos seus arredores). Agora a moda passou a ser “despejá-los” a dezenas de quilómetros de distância, em locais ermos ou mesmo perigosos. As redes sociais estão cada vez mais pejadas de imagens de jovens feridos, arrastados por indivíduos fardados ou à paisana, numa verdadeira orgia de sangue.

 

6.  A última acção repressiva abateu-se sobre 3 jovens contestatários, sendo um deles uma jovem rapariga, estudante universitária, de nome Laurinda Manuel Gouveia, cujo depoimento têm chocado a opinião pública, pela agressividade com que foi molestada.

 

7.  A jovem Laurinda Manuel Gouveia não só relatou ao pormenor o sucedido, como também identificou parte dos agressores. Quer então dizer que não se trata de gente estranha e de difícil localização. Os seus agressores são pessoas físicas perfeitamente identificáveis.

 

8.  Se as autoridades quisessem responsabilizá-los pelo acto bárbaro cometido, facilmente o fariam. E, inclusive, teriam provas bastantes do modo selvagem como eles agrediram a jovem Laurinda Manuel Gouveia. Para isso, bastava visionarem os registos que os próprios fizeram. A vítima declarou, inclusive, que alguns deles estariam munidos de câmaras de filmagem, tendo registado as cerca de 2 horas que durou a agressão.

 

9.   A inacção das autoridades policiais e políticas só pode ser assumida como um silêncio cúmplice. Logo, concordam. Não há outra forma de o ver. Num verdadeiro Estado de Direito Democrático, a Procuradoria-Geral da República entraria imediatamente em campo, apurando as responsabilidades que levariam à punição dos infractores.

 

10.                  Também não se ouviu qualquer repúdio público e inequívoco por parte do partido político que assume a governação do país. Continua a manter um silêncio ensurdecedor, o que demonstra a sua insensibilidade quando se trata de vítimas que não são seus apoiantes declarados.

 

11.                  Estamos, sim, a caminhar por um trilho perigoso, dando livre curso a agentes policiais que agem sem limites, violando os direitos mais elementares dos cidadãos.

 

12.                  O direito à manifestação tem que ser garantido e protegido, independentemente das opções políticas de cada um. E isso deve ser feito sem equívocos, sob pena de virmos a pôr também em causa outros direitos igualmente plasmados na nossa Constituição.

 

13.                  O uso do direito de expressão e de manifestação permite avaliar o sentimento das pessoas, da sociedade. Entre dois actos eleitorais, a sociedade que legitimou um determinado poder deve possuir diversas formas de expressão da sua vontade. A manifestação pública é uma delas e não pode ser negligenciada, pois é uma forma de evidenciar a dinâmica social.

 

14.                  Um regime que não aceita ouvir vozes discordantes, de modo algum é democrático. Quem tenta circunscrever o regime democrático ao sistema multipartidário, está a estimular a busca de soluções violentas para as transformações políticas. Eu, pessoalmente, penso que esse não é o caminho certo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O “ANÁTEMA” DE FREDERICK CHILUBA


  1. O afastamento do poder do Presidente do Burquina Faso, Blaise Campaoré, tornou-se, seguramente, o facto mais marcante da política africana da última semana, relegando mesmo para plano secundário a morte, por doença, na Inglaterra, do Presidente da Zâmbia, Michael Sata que, com isso, se tornou o segundo Presidente daquele país a morrer na vigência do seu mandato, depois de Levy Mwanawassa.

 

  1. Se é verdade que a morte de Michael Sata chocou a opinião pública africana – já que notícias como esta passam quase sempre desapercebidas no resto do mundo – não é, porém, menos verdade que ela estimulou um outro motivo de atenção e interesse: a probabilidade de Michael Sata vir a ser substituído, mesmo que interinamente, pelo Vice-Presidente, Guy Scott, cidadão zambiano branco, filho de pais escoceses.

 

  1. Foi assim despoletada a histórica “armadilha constitucional” montada, em 1966, pelo também já falecido Presidente zambiano Frederick Chiluba, que a engendrou para limitar o raio de acção do seu antecessor, Kenneth Kaunda, que mostrava uma aparente vontade de se candidatar, tão logo terminasse o mandato presidencial de Frederick Chiluba.

 

  1. De acordo com a “armadilha constitucional” de Chiluba, só poderia concorrer à Presidência da República quem pudesse provar ter ascendência “zambiana genuína” de, pelo menos, duas últimas gerações. Ou seja, quem fosse sucessivamente neto e filho de “zambianos puros”… Com esse verdadeiro “garrote constitucional” Chiluba apertou o “pescoço” de Kenneth Kaunda, filho de pais originários do Malawi e, seguramente, de avós com a mesma origem, ou coisa parecida.

 

  1. O Presidente Kenneth Kaunda foi quem mais se destacou no processo de luta – não armada, pois esta não houve – pela independência da Zâmbia, através do partido político por si fundado, a União Nacional para a Independência, que ganhou as eleições realizadas na então Rodésia do Norte (o nome que antecedeu a Zâmbia, sob domínio colonial britânico), em 1962. Dois anos depois, em 1964, veio a tornar-se Presidente da Zâmbia.

 

  1. Antes de fundar a União Nacional para a Independência da então Rodésia do Norte, o Presidente Kenneth David Kaunda ainda militou no ANC (Congresso Nacional Africano) da Rodésia, de Harry Nkumbula, de quem divergiu e se separou.

 

  1. A batalha pela separação relativamente ao Reino Unido iniciou ainda no quadro da Federação da Rodésia e Niassalândia, uma entidade política semi-autónoma instituída em 1953, sob a forma de Federação, tutelada pelo Reino Unido até 1963. A Federação da Rodésia e Niassalândia incluía quer a Rodésia do Norte (actual Zâmbia), quer a Rodésia do Sul (Zimbabwe) e a Niassalândia (Malawi).

 

  1. O estatuto dessa Federação de estados face ao Reino Unido não era nem de colónia, nem de domínio, embora tivesse como representante do Reino Unido um Governador-Geral, tal como sucede com os domínios.

 

  1. Kenneth Kaunda terá nascido num território hoje integrado no Malawi, e foi isso que serviu de argumento político para o seu sucessor o assinalar com essa espécie de “anátema geracional”.

 

  1. O “garrote constitucional” de Frederick Chiluba serve agora para apertar o “pescoço político” do Vice-Presidente Guy Scott, elevado já à condição de Presidente Interino do país, mas sem hipóteses de concorrer à Presidência da República, pelo facto de ser filhos de país britânicos, mais concretamente, escoceses.

 

  1. A “maldição de Chiluba” lançada contra Kenneth Kaunda continua a produzir vítimas, mesmo depois da sua morte em 2011. Caso não se lhe dê um outro destino – ou melhor se, a seu tempo, não for retirada da Constituição zambiana – as ondas de choque que desencadeou propagar-se-ão por muito mais tempo, podendo, inclusive, atingir descendentes mais próximos da actual classe política daquele país, seguramente ela já entrecruzada com pessoas originárias de outros países, africanos ou não.

 

  1. Se essa “norma chilubiana” tivesse sido imitada, por exemplo, no Botswana, o seu actual Presidente da República (reeleito nos últimos dias), Ian Khama, nunca o poderia ser, pois é filho de mãe britânica. O que sucede igualmente com o Presidente Kabila da RDC, filho de mãe Tutsi não congolesa.

 

  1. As normas jurídicas – sobretudo, as de implicações essencialmente políticas – não podem ser pensadas numa perspectiva de mero curto prazo, muito menos para atingir interesses políticos imediatos. Elas devem ser elaboradas com base na boa-fé, atendendo as diversas dinâmicas, inclusive, as dinâmicas humanas, neste mundo cada vez mais globalizado.

 

  1. Mantendo na Constituição a “norma chilubiana”, um dia talvez seja necessário o recurso a uma qualquer “lupa política” para se encontrar um “zambiano genuíno” que possa, “sem mácula”, tornar-se Presidente da República.

 

  1. Seria bom que todos aprendêssemos esta lição vinda de fora. De não muito longe…

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A CONTROVÉRSIA DOS “PRÉMIOS NOBEL”


  1. Em testamento escrito em 1885 – portanto, um ano antes da sua morte – o Engenheiro químico sueco, Alfred Nobel, apontou para a criação de uma Fundação que, anualmente, viesse a premiar quem tivesse contribuído mais para o desenvolvimento da humanidade. Quatro anos após a sua morte, foi instituída a “Fundação Nobel” que assumiu a responsabilidade de premiar 5 áreas distintas do saber, nomeadamente, Química, Física, Fisiologia (ou Medicina), Literatura e a Paz Mundial.

 

  1. O Prémio Nobel da Química e o Prémio Nobel da Física passaram a ser nomeados por especialistas escolhidos pela Academia Real de Ciências da Suécia. O Prémio Nobel da Literatura ficou sob s responsabilidade da Academia Sueca. O Prémio Nobel da Medicina sob s alçada da chamada Assembleia Nobel do Instituto Karolinska. Enquanto que a nomeação do Prémio Nobel da Paz passou para a responsabilidade de um comissão do Parlamento da Noruega, designada Comité Norueguês do Nobel.

 

  1. O Prémio Nobel da Economia (na verdade, denominado “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel”) surgiu em 1968, já muitos anos após a criação da “Fundação Nobel”, sendo suportado com dinheiro público do Banco Central da Suécia. A responsabilidade do seu escrutínio é de um júri designado pela Academia Real de Ciências da Suécia.

 

  1. Embora todos eles sejam popularmente conhecidos por “Prémios Nobel”, a responsabilidade da sua nomeação não é comum, e um deles, o Prémio Nobel da Paz, provém até da Noruega.

 

  1. Por curiosidade, resolvi pesquisar os nomes e as nacionalidades de todos os laureados com os “Prémios Nobel”. E verifiquei o seguinte:

 

i)                   Desde 1901, a esmagadora maioria dos laureados com o Prémio Nobel da Química é originária dos EUA – mas, também, da Europa Ocidental (Alemanha, Reino Unido e França, etc.). De fora da Europa, encontrei um número razoável de cientistas do Japão. Esporadicamente, lá foram surgindo cientistas de outras paragens;

 

ii)                O panorama dos laureados com o Prémio Nobel da Física é idêntico ao do Prémio Nobel da Química;

 

iii)              No que diz respeito ao Prémio Nobel da Medicina, mantém-se a mesma hegemonia norte-americana, seguida de cientistas europeus ocidentais. Porém, vê-se que a África do Sul também se insere no “Quadro de Honra” deste Prémio, com dois cientistas: Max Theiler, em 1951, pelo seu contributo para o desenvolvimento de vacinas contra a febre-amarela, e Sydney Brenner, em 2002, pela investigação do fenómeno da apoptose com os nemátodos caenorhabditis elegans;

 

iv)              Nessas três áreas científicas, um pormenor importante é o facto de muitos dos laureados norte-americanos terem nascido em outros países – sejam europeus, sejam não-europeus. Em 1979, por exemplo, um dos laureados com o Prémio Nobel de Medicina, o norte-americano Allan Cormack, era natural da África do Sul.

 

  1. Não tenho quaisquer dúvidas sobre o porquê da evidente hegemonia norte-americana no domínio dessas Ciências. Dever-se-á à expressão do seu investimento em pesquisa científica, assim como ao modo como têm conseguido absorver emigrantes de qualidade, a quem proporcionam meios de trabalho e de investigação que muito dificilmente obteriam nos seus países de origem.

 

  1. Olhando também para o “Quadro de Honra” do Prémio Nobel da Economia, vejo um domínio norte-americano quase absoluto: desde 1969 – o ano em que foi atribuído o primeiro Prémio – até aos dias de hoje, de entre os 74 laureados, 50 são norte-americanos.

 

  1. Tais números evidenciam, pois, uma realidade. E ela não pode ser relativizada com considerações de ordem subjectiva ou emocional. Nessas áreas da Ciência, vemos os contributos dos estados e das nações para o desenvolvimento e, consequentemente, para a libertação progressiva da dependência humana relativamente à natureza.

 

  1. É verdade que o mundo que herdámos e o que vamos construindo é tributário de todos os povos e de todas as gerações – passadas e presentes. Mas não deixa de ser verdade que sempre houve homens e mulheres que se destacaram mais, em todos os domínios, inclusive, na Paz e na Guerra.

 

  1. Daí que um dos “Prémios Nobel” que, por norma, envolve maior emoção e desencadeia mais entusiasmo seja o Prémio Nobel da Paz. Ele procura exaltar o maior contributo individual ou colectivo para a Paz Mundial.

 

  1. Ao contrário dos anteriores, o Prémio Nobel da Paz pode, inclusive, ser atribuído a organizações e a instituições. Em 1904, ele recaiu, por exemplo, no Instituto de Direito Internacional, da Bélgica, pelo seu contributo para o desenvolvimento de temas respeitantes à salvaguarda dos direitos humanos e para a resolução pacífica de conflitos. Em 1963, quem o recebeu foi o Comité Internacional da Cruz Vermelha e a Liga Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha. Em 1977, tal honra coube à Amnistia Internacional. Em 2005, a Agência Internacional de Energia Atómica repartiu a distinção com seu responsável máximo de então, o egípcio Mohamed Elbaradai.

 

  1. O Prémio Nobel da Paz é tido como demasiado controverso, pois o conceito de Paz vem, não poucas vezes, associado ao fenómeno da Guerra, ou a diversas formas de Violência.

 

  1. A exclusão das mulheres do sistema de ensino, defendida e praticada pelos radicais islâmicos no Paquistão, e a persistência do trabalho infantil na Índia são formas de violência que perigam a Paz Social naqueles países. Foi a luta contra esses dois males sociais que fez com que a jovem paquistanesa, Malala Yousafzai, e o activista indiano, Kailash Satyarthi, fossem este ano laureados com o Prémio Nobel da Paz, merecendo aprovação quase unânime por parte da opinião pública mundial.

 

  1. Mesmo que os norte-americanos continuem ter um maior destaque também nesse “Quadro de Honra” – com muitas reticências, pelo carácter eminentemente político do Prémio – é facilmente observável que há nele uma distribuição “geográfica mais democrática”, pois, dos 128 laureados até hoje, 18 são asiáticos (contando com Israel), 10 são africanos Albert Lutuli, Desmond Tutu, Nelson Mandela, Frederik de Klerk, (da África do Sul), Kofi Annan (Ghana), Ellen Sirleaf e Leymah Ghboee (Libéria), Mohamed Elbaradai e Anwar Al Sadat (Egipto), Wangari Maathai (Quénia), 6 são latino-americanos.

 

  1. Por fim, o Prémio Nobel da Literatura, aquele que é eminentemente intelectual. Seguramente, o de mais difícil mensuração, pois envolve, sobretudo, qualidade do texto e o seu impacto social.

 

  1. Para Alfred Nobel, o Prémio da Literatura deverá ser outorgado “ao autor de qualquer nacionalidade que tenha produzido, através do campo literário, o mais magnífico trabalho em uma direcção ideal”. Com a expressão “trabalho”, ele quis significar a obra inteira do autor, seus principais livros, sua mentalidade, seu estilo e suas filosofias, não distinguindo uma obra em particular. Alguém assim soube interpretar.

 

  1. Nesta categoria, os EUA perdem a hegemonia face à Europa, mesmo que tenha celebrizado nomes como Sinclair Lewis, Pear S. Buck, William Faulkner, Ernest Hemingway ou John Steinbeck.

 

  1. Na edição de 2013, o Prémio Nobel da Literatura foi outorgado ao escritor chinês Mo Yan. Mas em anos anteriores outros autores asiáticos foram distinguidos, como o chinês Gao Xingjian, ou o japonês Kenzaburo Oe.

 

  1. Tal como a categoria da Paz, o Prémio Nobel da Literatura é “geograficamente mais democrático”. Sobretudo, nos últimos 50 anos, com a sua outorga a consagrados autores de diversas partes do mundo: Guatemala, Japão, Chile, Turquia, Colômbia, México. O nosso continente viu inscritos no Prémio Nobel da Literatura nomes como os de Wole Soyinka (Nigéria), Naguib Mahfouz (Egipto), Nadine Gordimer (África do Sul), J. M. Coetzee (África do Sul).

 

  1. Coube agora a vez de figurar na “Lista de Honra” do Prémio Nobel da Literatura ao francês Patrick Modiano que, em resumo, tem o seguinte curriculum: Grande Prémio do Romance da Academia Francesa, com o livro Les Boulevards de Ceinture, Prémio Goncourt, com o livro Rue des Boutiques Obscures, Prémio Mundial Cino Del Duca, atribuído pelo Instituto de França, Prémio Austríaco da Literatura Europeia.

 

  1. O vencedor deste ano do Prémio Nobel da Literatura não é, pois, um ilustre desconhecido. Nem acredito que tenha ganho tal Prémio pelo simples facto de ser um “homem branco”, como, infelizmente, li algures nas redes sociais.

 

  1. Espero que algum dia chegue a vez de o Prémio Nobel da Literatura ser entregue ao escritor queniano Ngugi wa Thiong’o, pois tem mérito para o receber. Seria, porém, desonroso para ele e para a condição humana, se, alguma vez, o Prémio lhe fosse outorgado apenas na condição de “escritor negro”, para assim “equilibrar” o “Quadro de Honra”…

 

  1. Nessa altura, eu teria legitimidade para manifestar, por escrito, o meu protesto ao Comité Nobel, por terem, afinal, praticado aquilo que posso chamar de “racismo ao contrário…”, como, infelizmente, ainda há quem não queira reconhecer…

terça-feira, 7 de outubro de 2014

SUBSÍDIOS – UMA QUESTÃO DEMASIADO POLÉMICA


1.  Os subsídios estão intimamente articulados com os impostos – são o contrário um do outro. Nas economias de mercado, os impostos pagos pelas empresas privadas – e, também, os de outras origens – são a principal fonte de arrecadação de receitas para que os estados possam realizar as suas obrigações públicas. Nas economias estatizadas, os recursos financeiros do estado provêem, com particular realce, dos resultados das empresas públicas. Por sua vez, os subsídios são um dos instrumentos de que os estados se socorrem para apoiar determinadas actividades.

 

2.  Os subsídios aos preços são um caso particular e muito relevante dos subsídios. Com a sua aplicação, os estados comparticipam na formação dos preços dos bens e serviços, aliviando, assim, os encargos dos consumidores. Em determinadas situações, os estados subsidiam também os preços dos produtos de exportação, tornando-os mais competitivos.

 

3.  Para a teoria económica liberal, os subsídios aos preços provocam uma distorção no funcionamento do mercado, gerando uma alocação não eficiente dos factores produtivos.

 

4.  Por vezes, os estados socorrem-se desse instrumento de intervenção com outros fins que não os estritamente económicos. Fazem-no, por exemplo, com objectivos sociais e até mesmo políticos. Não poucas vezes, todos esses objectivos podem interligar-se.

 

5.  É sabido que o recurso ao subsídio como instrumento de política agrícola é corrente nas economias mais desenvolvidas. Os exemplos mais mediáticos são os Estados Unidos da América, França, Reino Unido, ou até ainda o Japão, Rússia, China e Índia.

 

6.  Nos países desenvolvidos, dados abalizados apontam para um peso do subsídio não inferior a 18% no valor bruto das receitas agrícolas, mas também na ordem dos 17% na economia agrícola da China, 15% na da Índia, e 22% na da Rússia. Esse é dos temas mais recorrentes no seio da Organização Mundial do Comércio.

 

7.  Os subsídios ao sector agro-pecuário pelos países mais fortes são tidos como factor inibidor do desenvolvimento das economias mais fracas que, assim, enfrentam enormes dificuldades para colocar, com êxito, naqueles mercados os seus produtos de exportação. A actual crise que vive a Europa tem estimulado a manutenção e até mesmo o incremento dessas políticas proteccionistas.

 

8.  O Brasil, uma das economias emergentes mais destacadas, fez e ainda faz recurso aos subsídios para o sector agro-pecuário, embora em menor escala que os países anteriormente citados. Para desenvolver a sua indústria de etanol – de que é líder mundial – não se coibiu de recorrer ao uso desse instrumento proteccionista.

 

9.  Entre nós, a questão dos subsídios não se coloca nos termos anteriormente citados, pois o subsídio aos combustíveis concedido pelo Estado angolano tem apenas um impacto considerável no consumo interno, quer individual, quer colectivo, quer doméstico, quer produtivo.

 

10.            O subsídio aos combustíveis pode ser, pois, objecto das diversas abordagens, de ordem económica, social, política e até mesmo ambiental. No domínio ambiental, por exemplo, pode colocar-se o problema de um combustível barato estimular o uso mais agressivo do automóvel. Mas, será que já temos alternativas viáveis e seguras ao automóvel? E sobre a disseminação dos geradores, também eles causadores do aumento da poluição? Face à habitual intermitência no fornecimento da energia eléctrica, para uso doméstico e para uso industrial, será, penso, extemporâneo encaminharmo-nos por aí…

 

11.            Resta-nos, pois, a abordagem social e política, Sem, contudo, descurar a sempre recorrente abordagem orçamental, afinal, a que mais chama a atenção dos decisores, dado o elevado peso dos subsídios aos combustíveis na despesa pública.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

DE NOVO A MAKA DOS COMBUSTÍVEIS


1.  Por norma, a problemática dos preços dos combustíveis gera comentários de diversos tons.

 

2.  Nas economias de mercado mais desenvolvidas, as variações nos preços internos dos combustíveis são resultantes de oscilações no preço internacional do petróleo, que, por sua vez, são consequência de contracções na oferta, ou então, de aumentos sensíveis na procura global. É, pois, o império da lei da oferta e da procura sobre o mercado.

 

3.  As contracções na oferta advêm, quase sempre, de constrangimentos nos países produtores. Umas vezes, são guerras, outras, são conflitos políticos internos agudos. Os aumentos na procura global por petróleo têm, geralmente, como principal razão uma expansão na actividade económica, com centro de gravidade nos países que marcam a agenda da economia mundial.

 

4.  São, pois, os grandes produtores e os grandes consumidores os responsáveis pelas alterações do preço do petróleo nos mercados internacionais. Os mais pequenos limitam-se a absorver (a internalizar), à sua maneira, os impactos causados pelos demais.

 

5.  Estamos hoje a viver uma acentuada redução na procura internacional de petróleo, pelo facto de a economia norte-americana se ter tornado praticamente auto-suficiente – não só em petróleo mas, também, em gás. Mas ainda devido à estagnação das principais economias europeias. E por a economia chinesa estar em desaceleração. Essas grandes economias – e outras emergentes – são quem determina o comportamento da procura.

 

6.  No lado da oferta há um conjunto restrito de países a marcarem o compasso do mercado, com destaque para os países integrantes da OPEP. O leque desses vendedores é incomensuravelmente mais pequeno que o leque dos compradores. Daí que os compradores se sujeitem aos interesses dos vendedores, que até fazem coalizões, como é o caso da OPEP.

 

7.  Mas economias desenvolvidas os Estados primam pela ausência na tomada de decisão sobre os preços dos combustíveis a praticar internamente. Como há concorrência, só episodicamente se vêem diferenças de preço – mínimas – entre os vendedores. Eles convergem e nunca são subsidiados.

 

8.  Em Angola, a política de subsídio aos combustíveis é uma prática corrente e tem, para já, um duplo efeito: atrai fornecedores pouco competitivos (respaldados num ganho seguro à custa do OGE) e também afugenta potenciais fornecedores competitivos (mais habituados ao jogo do mercado, e sempre muito receosos de prováveis incumprimentos por parte do Estado).

 

9.  No nosso caso, os subsídios aos combustíveis têm um peso não negligenciável na despesa do OGE (fala-se em cerca de 12%), percentagem atingida no ano de 2013. A cifra de 5,5 mil milhões de usd que o Estado direcciona para os subsídios aos combustíveis corresponderá a 4% do PIB.

 

10.                São valores preocupantes quando comparados com os encargos do Estado para com sectores importantes, quer no campo económico, quer no campo social. Os exemplos geralmente mais referidos são a agricultura, a saúde e a educação.

 

11.                A opinião mais generalizada entre os analistas é de que esse desvio de recursos do Orçamento Geral do Estado prejudica grandemente o exercício das demais funções sociais do Estado. Fica-se, assim, com a ideia de que o efeito imediato de um alívio da carga dos subsídios aos combustíveis seria uma canalização de mais recursos financeiros para os sectores sociais.

 

12.                Não acredito que tal venha a ser feito de um modo linear, pois as decisões sobre a repartição do “bolo orçamental” obedecem ainda a outros critérios, entre os quais a capacidade real de absorção e de uso eficaz desses recursos. O aumento dos recursos e o seu uso eficaz estarão interligados.

 

13.                O alívio da carga dos subsídios aos combustíveis deve fazer-se de um modo suave e gradual, sem grandes roturas, para que os resultados esperados sejam os mais convenientes. Tal como o aumento das dotações orçamentais para os sectores carentes deve obedecer a critérios de eficácia na sua utilização, pois não basta construir escolas e hospitais ou centros de saúde, se eles não forem dotados dos meios materiais e humanos que permitam o seu funcionamento em boas condições.

 

14.                O argumento geralmente esgrimido pelos adeptos de uma retirada – brusca e total – dos subsídios é o de que, no final, eles beneficiam os mais ricos. Esquecem-se, porém, que a nossa sociedade é constituída maioritariamente por pobres, e que, no caso de se optar por desampará-los – retirando bruscamente os subsídios – serão os mais prejudicados.

 

15.                Para que os preços dos combustíveis sejam competitivos, primeiro que tudo, há que desenvolver políticas efectivas de competição, o que não sucede entre nós, sendo a prática mais corrente a do estímulo aos monopólios ou aos oligopólios restritos. Quer uns, quer os outros, sempre respaldados nos interesses dos os agentes económicos, que são, cumulativamente, decisores políticos.

E ASSIM PARTIU O PINTO JOÃO…


  1. Morreu um Amigo de longa data, o Paulino Pinto João, com quem convivi de perto, já lá vão muitos anos. Conhecemo-nos ainda no período colonial, como estudantes – eu no Liceu Salvador Correia, e ele já mais adiantado, no Instituto Comercial de Luanda.

 

  1. O Paulino Pinto João era bem mais velho que eu – talvez uns 4 ou 5 anos – o que na nossa juventude poderia corresponder a uma diferença de gerações. Tal só não aconteceu entre nós, pelo facto de termos mantido sempre uma boa relação de proximidade, fruto da constante partilha de ideias sobre o mundo de então. Em especial, sobre os rumos do nosso continente.

 

  1. Vivemos o efervescente período das independências africanas, um facto inédito que, ainda jovens, seguíamos com atenção e com entusiasmo. Na altura, éramos apenas alguns, não tantos como, por vezes, agora se quer fazer parecer. Mas éramos em número suficiente para marcarmos a diferença. Estávamos do mesmo lado, participando da dinâmica da vida que indicava novos caminhos para os povos colonizados.

 

  1. Na altura em que conheci o Paulino Pinto João, ele era também uma referência de jovem interessado no saber. E o facto de estudar no Instituto Comercial, sinalizava uma boa perspectiva. Víamos nele um futuro quadro técnico de referência.

 

  1. O Pinto João sempre me disse que o seu desejo era prosseguir os estudos ao nível superior, o que só veio a suceder muito mais tarde. Nessa altura, quem quisesse prosseguir os seus estudos na área das economias, ou afins, tinha que seguir para Portugal, pois ainda não existia entre nós uma Faculdade de Economia. Daí que o Paulino Pinto João tenha ficado pelo curso de Perito Contabilista, de nível médio, mas de reconhecida competência, muito requisitado e respeitado.

 

  1. A dinâmica da economia colonial e da nossa sociedade da época fizerem requerer capacidades técnicas cada vez maiores. As autoridades portuguesas perceberam, então, que era imperioso incorporar na formação dos técnicos qualificados um número cada vez maior de africanos, dando especial realce aos quadros médios que serviriam, depois, de suporte aos poucos quadros superiores.

 

  1. O Paulino Pinto João foi dos primeiros da nossa geração a tornar-se Perito Contabilista. Mas ele não era apenas isso. Ele era, como já disse, “um dos nossos”, um dos que partilhava comigo o “sonho” de ver a África independente. Esse era um tema recorrente nos nossos encontros. O que, afinal, aprofundou a nossa amizade, uma amizade nunca perturbada pelos desencontros do pós-independência.

 

  1. Jamais fomos contaminados pelo “vírus” da disputa sem regras e sem princípios que se apossou da nossa sociedade. O Paulino Pinto João sempre procurou preservar a amizade pessoal. Foi ministro, ocupou um lugar destacado no seio do MPLA, o que o colocou num degrau capaz de inspirar certo medo.

 

  1. Alguns o guardarão na memória como ”O homem da ideologia”… Daquela ideologia que separava os angolanos em “camaradas” e “inimigos”. Mas, na minha memória ele será para sempre o meu Amigo, que nunca me marginalizou, sempre solidário até ao fim.

 

  1. Vou, pois, ter muitas saudades do Paulino Pinto João!

DOIS CASOS PARADIGMÁTICOS DE MÁ GESTÃO


1.  O público leitor de jornais e, também, todos quantos seguem atentamente os noticiários depararam-se com informações alarmantes a respeito de uma das instituições bancárias tidas como das mais robustas e melhor cotadas no nosso mercado financeiro – o BESA. Já antes, e não há muito tempo, tínhamos sido surpreendidos com o desmoronamento da seguradora nacional “AAA”, o que, pela certa, terá causado dano em muitos dos que nela confiaram. Que eu saiba, as verdadeiras razões do desmoronamento da “AAA” ficaram como que no chamado “segredo dos deuses”. Por isso, no grande público permanecem ainda imensas dúvidas, face ao comportamento sigiloso de quem tem a obrigação de gerir a sociedade com grande transparência.

 

2.  Veio ao de cima agora o chamado “Caso BESA”, cujo desenvolvimento terá ajudado a despoletar o ainda mais complexo “Caso BES”, que envolve um dos grupos familiares mais mediáticos no panorama financeiro português, com fortes ramificações no nosso país.

 

3.  Há muito que se espalhavam pequenos sinais de que o Grupo Espírito Santo estava envolvido em actos pouco claros e nada transparentes. Alguns  dos seus tentáculos internacionais passaram por vistorias policiais e periciais que indiciavam que algo não corria bem no seu seio. Porém, o alerta mais estridente soou com a informação do iminente colapso do BESA – veiculada pela comunicação social portuguesa – resultante do desconhecimento do paradeiro de cerca de 5,7 mil milhões de dólares norte-americanos atribuídos por aquele banco a clientes “supostamente” desconhecidos. Quase em simultâneo, foi também veiculada a notícia de que o Presidente da República decidira conceder uma garantia soberana ao BESA, para cobrir os eventuais danos causados pelo crédito malparado causado pela atribuição de dinheiros a figuras principalmente ligadas à nomenklatura que orbita em torno do partido no poder.

 

4.  Esse “suposto” desconhecimento da identidade dos beneficiários dos aludidos fundos é um facto demasiado grave, pois, qualquer instituição bancária que se preze – e, com maioria de razão, uma entidade com o histórico bancário herdado do BES – não pode ter facultado tão elevados recursos a “desconhecidos”. Muito menos deveria prestar tal benefício a quem não provou possuir garantias reais capazes de servir de respaldo ao crédito, em caso de incumprimento das respectivas obrigações.

 

5.  Corre ainda a notícia de que um dos que mais proveito retirou dessa forma perdulária de aceder ao crédito bancário, terá sido o próprio Presidente da Comissão Executiva do BESA, na altura, Álvaro Sobrinho, o que configura uma clara prática de improbidade e de enorme promiscuidade: ser juiz em causa própria.

 

6.  A alegada conexão do anterior PCE do BESA com altas figuras do regime beneficiárias dos créditos – hoje tidos como “activos tóxicos” – que provocaram o desmoronamento do BESA, terá sido facilitada por entidades de proa da ESCOM (Espírito Santo Commerce), uma das mais complexas alavancas dos interesses do Grupo Espírito Santo no nosso país.

 

7.  O BES, com mais de 50% do capital é ainda, até agora, o principal accionista do BESA, tendo como parceiros a Portmill (24%), o Grupo Geni (18,99%), e uma pequena percentagem do seu capital está distribuída por accionistas individuais.

 

8.  À Portmill estarão ligados altas figuras da política nacional, como o actual Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, “Kopelipa” e o General Dino. À Geni estará ligada à filha mais velha do Presidente da República, Isabel dos Santos.

 

9.  Em Portugal, o BES foi desmantelado, por determinação do Banco de Portugal, atirando os chamados “activos tóxicos” para o agora chamado “Banco Mau”, entre os quais o BESA. O Banco de Portugal constituiu também um “Banco Bom”, com o nome provisório de “Novo Banco”. Ao tomarem conhecimento dessa decisão, as autoridades angolanas retiraram a garantia soberana anteriormente concedida pelo Presidente da República, sem a qual o BESA ficou exposto às contingências do mercado.

 

10.      Sabe-se que o governo de Angola pretende dar um novo rumo ao BESA, remodelando a sua estrutura accionista. Para isso, colocam-se alternativas, uma das quais seria a sua distribuição por entidades bancárias estatais, o BPC e o BCI. Talvez não seja essa a melhor, dado que se trata de entidades bancárias cuja “saúde” suscita muitas dúvidas. E onde mais facilmente se poderiam repetir os erros de avaliação do risco de crédito cometidos pelo BESA…

 

11.      O tratamento a dar ao “Caso BESA” tem que ser devidamente ponderado, pois terá implicações em diversas áreas de actividade. Por exemplo, o BESA detém 62% do capital social do BESAACTIF, uma sociedade gestora de fundos de investimentos. Dos restantes, 35% pertencem à ESAF – Espírito Santo Participações Internacionais – uma das maiores sociedades gestoras de fundos de investimento portuguesas. E os 3% residuais são detidos por pequenos investidores.

 

12.      A ESCOM, maioritariamente participada pelo Grupo Espírito Santo, desenvolve múltiplas funções no nosso país, nomeadamente, mineração, imobiliário, energia, obras públicas, cimentos, oil & gás, etc. Uma eventual falência que se venha a verificar na ESCOM porá em causa um número bastante grande de interesses, gerando, inclusive, um significativo aumento no nível do desemprego.

 

13.      Tudo isso me leva a pensar que seria aconselhável as autoridades angolanas adoptarem uma atitude mais transparente na gestão do “Dossier BESA”, como forma de dissipar as fundadas suspeitas que sobre elas recaem, de estarem mais preocupadas em proteger os interesses particulares da sua nomenklatura.