quinta-feira, 26 de junho de 2014

A COMPLEXIDADE DO PROBLEMA CURDO


1.  Na parte final da minha última crónica, intencionalmente, inseri o seguinte parágrafo:Uma eventual divisão do Iraque a partir dos seus ramos religiosos criaria, naturalmente, outros problemas para o seu futuro, e para o futuro dos restantes Estados da região, sendo o maior de entre eles, o dos curdos que ainda não abdicaram da constituição do seu próprio Estado, a partir dos territórios que ocupam no Iraque, na Síria, no Irão, na Turquia, e até mesmo em algumas das ex-repúblicas soviéticas da Ásia.”

 

2.   Com essa frase, quis apenas dar início à abordagem de um outro problema de grande complexidade na geopolítica daquela região do Médio Oriente. Pretendi, pois, dizer que não basta ver a conflitualidade do Médio Oriente apenas na perspectiva religiosa, numa lógica de disputa entre judeus e muçulmanos, ou nas fracturas dentro do próprio campo muçulmano – colocando de um lado, xiitas e, do outro, sunitas – mas, também, por vezes, numa perspectiva profundamente étnica, como é o caso do Curdistão, com os seus contornos muitos específicos.

 

3.  A criação do Estado independente do Curdistão é um desígnio que jamais deixou de alimentar os sonhos da maioria dos curdos. Este é um facto com condimentos políticos capazes de baralhar ainda mais o já complicado Médio Oriente.

 

4.  O problema dos curdos consegue mesmo unir facções políticas, em diversos Estados que, de outro modo, se comportariam tão-somente como “inimigos de morte”. O pretenso Estado do Curdistão funcionará, assim, como um verdadeiro “Rubicão” na geopolítica do Médio Oriente.

 

5.  O Curdistão é uma entidade geopolítica sem características de Estado. Nunca foi possível criar um Estado a partir do território reivindicado pelos curdos, tidos como a maior etnia do mundo sem Estado.

 

6.  Supõe-se haver cerca de 30 milhões de curdos distribuídos pelos países que já citei, para além daqueles que habitam na Europa – em especial, na Alemanha – e a grande diáspora concentrada nos Estados Unidos. Porém, a maior aglomeração de curdos no Médio Oriente localiza-se na Turquia, país onde possuem uma influente organização política com um passado histórico de guerrilha – o Partido dos Trabalhadores do Kurdistão, PKK.

 

7.  Estranhamente, o PKK, a maior força política (e militar) do povo curdo, tem alguma cobertura do governo sírio, embora a Síria albergue também uma comunidade curda, a maior minoria étnica do país. Os curdos da Síria, tal como a maioria dos outros dividem-se entre duas opções: os que defendem uma ampla autonomia dentro do território sírio, tal como sucede aos curdos dentro do Iraque, e os que são apologistas da criação de um Estado independente no espaço que, historicamente, pertence ao Curdistão.

 

8.  A actual guerra civil prevalecente na Síria fez com que o Estado tenha perdido capacidade para manter um completo domínio sobre os curdos que, na realidade, já vão administrando directamente as suas vidas, mesmo que sem consagração constitucional.

 

9.  Os curdos iraquianos são os que possuem mais autonomia. Na realidade, vivem praticamente em regime de independência de facto. A queda do regime de Saddam Hussein, e as consequentes alterações políticas que se verificaram levaram à definição de uma nova Constituição que consagrou a criação de uma entidade federal no território habitado pelos curdos iraquianos, um modo de governação que tem o beneplácito que tem o beneplácito das Nações Unidas. Fruto, em grande medida, das riquezas naturais da região – rica em petróleo – o Curdistão Iraquiano exibe o mais elevado padrão de vida do país.

 

10.                O Curdistão Iraniano é um caso muito especial neste complexo problema. Por um lado, o chamado Curdistão Iraniano é somente uma parte minoritária do território habitado pelos curdos nesse país. Por outro lado, os curdos iranianos são maioritariamente sunitas e os curdos iranianos que são xiitas não manifestam qualquer interesse por uma maior autonomia. Penso que isso se deve ao facto de o governo iraniano ser esmagadoramente dominado por xiitas. Quer dizer então dizer que, nesta posição, a componente religiosa prevalece sobre a componente étnica.

 

11.                A maior repressão sobre os curdos tem hoje lugar no território da Turquia, cujo governo ainda não reconhece a identidade cultural do povo curdo.

 

12.                A Turquia é um candidato a membro da União Europeia, pela sua dupla inserção – país essencialmente asiático, mas com uma parte do seu território pertencente à Europa. Uma das reticências europeias à aceitação da Turquia no seu seio é a questão curda. É uma das mas não a única.

 

13.                A existência da região autónoma curda no Iraque constitui já uma enorme preocupação para o governo turco, uma vez que, por vezes, a guerrilha curda da Turquia encontra nesse território uma espécie de “santuário”, depois da realização das suas incursões. De momento, essa é zona de maior tensão em todo o espaço reclamado como Curdistão.

 

14.                 Cada um na sua dimensão, todos os países daquela região têm, pois, um problema curdo para resolver. Todos temem, porém, que, evoluindo primeiramente para regiões autónomas dentro dos seus territórios, os curdos possam vir, no futuro, a pretender evoluir para a reivindicação de um Estado Único.

 

15.                Há quem diga que a emergência de um Estado Curdo Único criaria um novo equilíbrio no Médio Oriente. Ele poderia transforma-se, a prazo, num dos Estados mais poderosos da região, por causa do seu enorme potencial de riqueza natural, em especial, petróleo. Não é, pois, por acaso que a Região Autónoma Curda do Iraque já é a mais rica e com maior padrão de vida do país.

 

16.                Ficaria ainda por dar solução a um problema: tal Estado resultante da junção de partes vindas de outros convívios e de outras vivências, cada uma com as suas especificidades, a determinada altura, poderia conhecer conflitos, eventualmente inconciliáveis. Nada disso me espanta.

UMA GEOPOLÍTICA MUITO COMPLICADA


  1. O avanço em território iraquiano das forças extremistas do denominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, já produziu efeitos na economia mundial, a começar pela subida do preço do petróleo.


  1. Os Estados mais dependentes da importação de petróleo como, por exemplo, a Europa, serão os mais afectados pela actual crise, o que sucederá também com a China. Os seus reflexos sentir-se-ão, igualmente, sobre as economias de alguns países exportadores de petróleo, como a nossa, que aumentarão, em consequência, a sua arrecadação de divisas, não obstante virem elas também a ser vítimas da alta dos preços de outros bens, que apanharão, por tabela, os impactos da subida do preço do petróleo. Haverá como que um “efeito dominó” sobre a economia mundial, até que tudo regresse à normalidade.


  1. Todavia, uma outra questão poderá emergir desta nova situação: maior envolvimento internacional no conflito do Iraque, dadas as conexões de carácter étnico e religioso que se articulam na área geográfica em que o Iraque se situa. Vou, muito rapidamente, passar uma vista de olhos sobre esta última característica.


  1. Do ponto de vista étnico, a população do Iraque é essencialmente árabe, mesmo que também habitado por curdos e outras etnias minoritárias, como turcomanos e assírios. Se olharmos, porém, para a sua dimensão religiosa, veremos as comunidades muçulmanas repartidas por uma maioria xiita – cerca de 2/3 do total – e por uma minoria de sunitas, com aproximadamente 1/3. Para além dos muçulmanos existem, ainda, outras comunidades religiosas, como os cristãos, e até judeus. E mesmo mais confissões religiosas, porém, menos expressivas.


  1. Os curdos iraquianos – comunidades não árabes – são maioritariamente sunitas, mesmo que haja um certo número de xiitas. Os turcomanos do Iraque são praticamente todos sunitas.


  1. Pela composição étnica e religiosa dos países vizinhos do Iraque, podemos compreender melhor o porquê de alguns dos alinhamentos políticos que actualmente se verificam. Porquê que uns governos alinham como o actual governo do Iraque, e outros com os rebeldes. Certamente, com base nas suas afinidades étnicas e, sobretudo, religiosas.


  1. Do ponto de vista religioso, o Irão é um país esmagadoramente muçulmano, mesmo não sendo um país árabe. É povoado maioritariamente por persas, mas, também, por azeris, curdos, árabes e outros povos. A facção islâmica predominante no Irão é xiita, sendo os sunitas uma minoria. Os cristãos e os judeus são insignificantes nesse país.


  1. Na Síria vemos maioritariamente povos árabes, seguidos, de longe, por gente de etnia curda, turca e arménia. Trata-se ainda de um pais muçulmano com predominância do ramo sunita. Os restantes muçulmanos são alauítas – que dominam verdadeiramente o poder – xiitas e drusos. Os cristãos representam cerca de 10% da sua população.


  1. A Jordânia é um caso muito especial, pois, etnicamente, a sua população é de origem palestiniana. Nesse país há mesmo menos árabes jordanianos do que árabes palestinianos. A Jordânia, istoricamente tem sido um ponto de acolhimento da diáspora palestiniano, que já se tornou a maioria da população.


  1. A Arábia Saudita é uma peça fundamental no actual imbróglio daquela região do Médio Oriente. Nação essencialmente árabe tem também entre os seus habitantes afro-asiáticos e beduínos. Do ponto de vista religioso, é um país maioritariamente muçulmano do ramo sunita.


  1. E, como ver a Turquia? Os turcos não são árabes, mas são muçulmanos maioritariamente sunitas. A Turquia tem ainda a particularidade de possuir uma das mais activas, expressivas e reivindicativas comunidades curdos do Médio Oriente.

 
  1. Qualquer arranjo que agora se pretenda, na perspectiva da estabilização da situação explosiva que aquela região vive, tem que ter em conta estas duas importantíssimas dimensões.


  1. Uma eventual divisão do Iraque a partir dos ramos religiosos criaria, naturalmente, outros problemas para o seu futuro, e para os futuro dos restantes Estados, sendo o maior o dos curdos que ainda não abdicaram da constituição do seu próprio Estado, a partir dos territórios que ocupam que no Iraque, na Síria, no Irão, na Turquia, e até mesmo em algumas das ex-repúblicas soviéticas da Ásia.


  1. Para mim, a geopolítica daquela parte do mundo é das mais interessantes e complicadas da actualidade. Merecendo, por isso, uma grande atenção.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A TRIBO DO FUTEBOL NUM MUNDO CADA VEZ MAIS INCERTO


  1. Durante os próximos dias – seguramente, um mês – as atenções mundiais estarão sobretudo viradas para o desenrolar da Copa do Mundo a decorrer no Brasil. Isso remeterá para segundo plano toda uma série de questões demasiado importantes para a paz internacional.

 

  1. Somente os políticos engajados com grandes responsabilidades internacionais não terão muito tempo para acompanhar esse acontecimento de grande vulto, ficando mais atentos a outras dimensões da vida, como, por exemplo, o presente evoluir da União Europeia, depois da entrada no Parlamento Europeu de forças políticas contrárias ao actual modelo de integração; seguirão também os rumos da Ucrânia, envolvida num conflito interno e com a Rússia, conflitos de consequências imprevisíveis; e, já agora, a degradação da situação política e militar no Iraque, com forças rebeldes a avançarem de modo quase imparável para a tomada do poder, ou, pelo menos, para a ocupação de vastas áreas do seu território. O povo em geral manter-se-á, quase sempre, mais colado à componente desportiva da actualidade mundial, a Copa do Brasil.

 

  1. Não me vou pronunciar sobre a Copa do Brasil. Ela só agora vai começar. Mas eu, sendo uma parte do povo em geral, também acompanharei, pela televisão, o seu desenrolar, sem, contudo, perder de vista o que acontece mundo afora, com especial relevo, para os acontecimentos a que fiz referência, que terão, seguramente, enorme influência na geopolítica dos próximos tempos.

 

  1. Adivinham-se, pois, tempos muito duros. Eles irão exigir dos principais actores internacionais uma atenção redobrada. Caso se distraiam com a Copa do Brasil, o mundo pode resvalar para uma espiral de violência ainda maior do que aquela de que temos sido testemunhas.

 

  1. Por exemplo, a ascensão política de formações de extrema-direita na Europa constitui, como é lógico, forte motivo de preocupação, pois o que o mundo necessita hoje é de ampliar o quadro das liberdades democráticas. A extrema-direita é, seguramente, um mau parceiro político nessa grandiosa batalha.

 

  1. A extrema-direita é passadista, ela vê o mundo de uma forma bastante desfocada. Por natureza, a extrema-direita é anti-democrática, xenófoba, nacionalista, racista, pugnando invariavelmente pela consolidação de um estado forte e, essencialmente, repressor. Por isso, a extrema-direita é um mal a extirpar. Mas, a democracia dá-lhe espaço, mesmo que ela queira terminar com a democracia.

 

  1. O actual projecto europeu tem precisamente outros contornos. Ele foi moldado num quadro de participação democrática; bate-se pelos princípios da inclusão; procura tendencialmente abolir todo o tipo de fronteiras dos estados, valorizando, porém, as diferentes identidades nacionais. Uma outra das suas características mais marcantes é a da transferência de determinadas prerrogativas dos estados nacionais para o centro. Afinal, esta última é uma das matérias que mais desafina os desejados alinhamentos políticos no seio da Europa e geradora das maiores reticências entre os seus cidadãos. Mesmo até entre os políticos ligados à social-democracia europeia e os da chamada direita democrática.

 

  1. A entrada da extrema-direita no Parlamento Europeu e o seu crescente peso nalguns dos países mais poderosos e emblemáticos poderá, a prazo, ter também enorme influência no relacionamento desse continente com o nosso, parceiros seculares de uma história que não foi muito boa.

 

  1. Teremos, pois, que ficar atentos a esse desenvolvimento, pois o eventual estilhaçar do actual modelo europeu, por pressão da extrema-direita, atirará contra nós muitos dos projécteis que poderão pôr em risco a nossa estabilidade, sendo nós continentes vizinhos e ligados pelo cordão umbilical da história.

 

  1. Por sua vez, a tensão política – e, agora, militar – no interior da Ucrânia e o seu mau relacionamento com o gigante vizinho, a Rússia, são outro motivo de enorme preocupação para o mundo. Daí poderá desencadear-se um conflito de dimensões incalculáveis.

 

  1. Felizmente, os dados mais recentes apontam já para um relativo desanuviamento entre os dois países, e busca-se um entendimento que possibilite a resolução de algumas das suas dissenções. Mas, um eventual desmembramento da Ucrânia teria repercussões nefastas na actual geografia política daquela parte do mundo, arrastando, pela certa, outros povos e países para a fragmentação.

 

  1. A ideia de uma Europa unida foi o grande desígnio dos pais-fundadores do projecto europeu, que visionaram um espaço sem fronteiras inexpugnáveis, com os seus povos a viverem em concórdia, salvaguardadas as suas diferenças e particularidades e, sobretudo, sem guerras destruidoras. Visionaram, também, uma potência económica capaz de enfrentar o gigante americano e os emergentes gigantes asiáticos. Contudo, a Rússia vai funcionando, afinal, como um autêntico tampão ao alargamento da Europa.

 

  1. E, por fim, de novo o Iraque. Está a ficar bem visível a fragilidade do poder instituído sobre os escombros do regime do Saddam Hussein. A primeira lição a tirar dos recentes desenvolvimentos naquele país – onde forças rebeldes, essencialmente sunitas, fazem já avanços para a capital do país. Neste país, as contradições religiosas no seio do poder islâmico, entre sunitas e xiitas, são mais fortes do que, por vezes, muitas contradições de carácter étnico ou rácico.

 

  1. Para compreendermos o conflito que dilacera o Iraque teremos, necessariamente, que estudar a sua composição religiosa mas, igualmente, a dos países limítrofes. Sem o seu entendimento, perde-se a perspectiva do conflito e pode-se embarcar em visões meramente simplistas.

 

  1. Adivinho, pois, momentos muito difíceis para aquela região do mundo que, pela certa, não encontrará a verdadeira paz, enquanto o poder político em cada um dos países tiver como substrato a afinidade religiosa, mesmo que dentro do próprio islamismo. Ser islâmico não é, pois, sinónimo de coesão, como se pode ver. Poderá até gerar alguma unidade contra terceiros – mas nunca no seu interior.

 

  1. No meio deste males, só nos resta, afinal, a tribo do futebol… Ela que consegue envolver todos num único abraço, num mundo cada vez mais incerto e perigoso.

O PAPEL DA UNIÃO AFRICANA



 
O PAPEL DA UNIÃO AFRICANA NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL,
ECONÓMICO E POLÍTICO
 
 
 
 
1.     A União Africana (UA – criada em 9 de Julho de 2002) sucedeu à Organização de Unidade Africana (OUA - criada em Addis Abeba, em 25 de Maio de 1963). O projecto de criação da OUA deveu-se muito ao Imperador etíope, Hailé Selassié, que veio posteriormente, em 1974, a ser derrubado por um golpe de estado. No acto constitutivo participaram representantes de 32 Estados africanos independentes.

 

2.     A criação da OUA visou 6 (seis) objectivos principais:

 

i)                   Promover a unidade e a solidariedade entre os Estados africanos.

 

ii)                Coordenar e intensificar a cooperação entre os Estados africanos, para um melhor bem-estar dos seus povos e populações.

 

iii)              Defender a soberania, independência e integridade territorial dos Estados Africanos.

 

iv)              Erradicar totalmente o colonialismo no nosso Continente.

 

v)                Promover a cooperação internacional, com base no respeito da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

 

vi)              Coordenar e harmonizar as políticas dos Estados africanos membros, nos domínios político, económico, educacional, cultural, saúde, bem-estar, ciência, técnica e de defesa.

 

3.     Mas, terão sido atingidos os objectivos preconizados pela OUA? É o que vamos ver:

 

i)                   Durante os quase 40 anos da sua existência, eclodiram inúmeros conflitos no nosso continente. A OUA nunca possuiu instrumentos sancionatórios para punir os responsáveis por tais conflitos.

 

ii)                A esmagadora maioria dos seus países ainda está longe de conhecer o desenvolvimento desejado. O nosso continente continua na cauda do ranking estabelecido para medir o Índice de Desenvolvimento Humano regularmente definido pelas Nações Unidas, não obstante os reconhecidos recursos naturais que nele abundam.

 

iii)              Foi possível manter inalteráveis as fronteiras herdadas do colonialismo. Não em todos, mas em grande parte dos países do nosso continente. A Eritreia, por exemplo, resultou de um desmembramento da Etiópia. A Somália deixou praticamente de ter fronteiras nacionais, estando a ser fragmentada por grupos étnicos. O Sudão é o caso mais recente de uma acção centrífuga.

 

iv)              O 4º objectivo enunciado – pôr fim ao colonialismo – foi praticamente atingido, com excepção para o caso do Sahara Ocidental, que ainda permanece sob dominação de Marrocos (que optou, em 1985, por se colocar fora da OUA).

 

v)                O drama vivido pelo Sahara Ocidental é o resultado de uma descolonização mal conseguida levada a cabo pela Espanha, que abandonou o território expondo-o aos apetites expansionistas de Marrocos e da Mauritânia, que o veio, posteriormente a abandonar. 

 

vi)              Para ajudar os povos ainda sob dominação colonial, a OUA não só se socorreu da pressão política, como ainda criou um instrumento de apoio directo, o Comité de Coordenação da Libertação de África. Por este mecanismo, a OUA passou a canalizar os seus apoios aos Movimentos de Libertação dos então territórios ainda colonizados.

 

vii)           A OUA pressionou também as Nações Unidas para a aplicação de sanções ao regime do apartheid na África do Sul e ao regime ilegal da então Rodésia do Sul (actual Zimbabwe).

 

viii)         A cooperação regional com vista ao desenvolvimento dos países africanos foi uma ideia que sempre esteve no pensamento dos líderes de então. E surgiu ainda antes da institucionalização da OUA.

 

ix)              Por exemplo, em Abril de 1958, em Acra (Ghana) e em Junho de 1960, em Addis Abeba (Etiópia), colocou-se sobre a mesa a problemática da união de esforços entre os africanos, para se evitar a fragmentação de esforços. O alargamento dos mercados só seria possível pela coordenação das políticas económicas.

 

x)                Surgiram, então, dois modelos distintos de cooperação entre os países africanos: a fórmula pan-africanista, defendida por Kwame Nkrumah, com base no modelo de integração continental, através da criação de uma organização económica única, abrangendo a totalidade do continente; mas a fórmula pan-africanista foi rejeitada pela maioria dos líderes que optou por uma fórmula menos ambiciosa de integração sub-regional entre países vizinhos, que poderia, paulatinamente, evoluir para espaços mais alargados. É esta que ainda está em curso. Foi a partir desse resultado que a Comissão Económica das Nações Unidas para África decidiu subdividir o nosso continente em grandes sub-regiões: oriental e austral, ocidental, central e norte.

 

xi)              A Partir daí os líderes africanos instaram os diversos países a aprofundarem os mecanismos de integração já existentes e a criar outros que se julgassem necessários para a coordenação das políticas económicas entre si.

 

xii)           Surgiram assim: o COMESA (Mercado Comum da África Oriental e Austral); a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral); a CEEAC (Comunidade Económica dos Estados da África Central); CEDEAO (Comunidade Económica de Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental); União Árabe do Magreb.

 

4.     Presentemente, o processo de integração mais mediático em África é o da SADC, onde nos inserimos, juntamente com países como o Botswana, África do Sul, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia, Lesotho, Malawi, Zimbabwe, Ilhas Maurícias, República Democrática do Congo, Tanzânia, Seycheles.

 

5.     A SADC foi fundada pelo “Tratado de Windhoek” de 1992, como uma evolução da antiga Conferência de Coordenação e Desenvolvimento da África Austral, SADCC, tendo definido os seguintes objectivos:

 

·        Desenvolvimento de valores políticos comuns, sistemas e instituições;

·        Promoção e defesa da paz e da segurança regional;

·        Promoção do auto-desenvolvimento, baseado no esforço colectivo e interdependência dos países-membros;

·        Alcançar a complementaridade entre as estratégias e programas nacionais e regionais;

·        Reforço e consolidação dos velhos laços históricos, sociais e culturais entre os povos da região.

 

6.     Para o alcance de tais objectivos, a SADC deverá:

 

·        Harmonizar as políticas socio-económicas e os planos dos países-membros;

·        Criar instituições e mecanismos apropriados para a mobilização de recursos para a implementação dos programas e operações da SADC e suas instituições;

·        Promover o desenvolvimento dos recursos humanos;

·        Promover o desenvolvimento, transferência e domínio da tecnologia;

·        Melhorar a gestão da economia através da cooperação regional.

 

7.     A SADC tem uma população de 240 milhões de habitantes e um PIB que ascende aos 340 biliões de dólares norte-americanos, dos quais 68% são da África do Sul.

 

8.     No seio da SADC, há um conjunto de 5 países que já constituíram uma União Aduaneira, a SACU, União Aduaneira da África Austral (Southern African Customs Union), nomeadamente: África do Sul, Namíbia, Botswana, Lesotho e Suazilândia. São, por isso, uma Zona de Livre Comércio já consolidada, formando, assim, uma espécie de Bloco Central. Contudo, ainda dentro da SADC, um grupo de 7 países integra uma futura União Aduaneira que a COMESA (Common Market for Eastern and Southern África) projectou, num total de 21 países.

 

9.     Com tudo isso, ficará inviabilizada a perspectiva de a SADC evoluir para uma União Aduaneira, uma vez que tal decisão violaria as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), que não admite que um mesmo país pertença, simultaneamente, a duas uniões aduaneiras.

 

10.                       Pode estar, pois, em causa a sobrevivência da própria SADC. Preocupação já apresentada por Tomáz Salomão, Secretário-Executivo da SADC.

 

11.                        Dos 14 Estados da SADC, apenas Moçambique pertence apenas a essa organização regional. Todos os outros estão ligados a outras organizações, como o caso de Angola, membro da SADC e da CEEAC (Comissão Económica dos Estados da África Central).

 

12.                        A SADC tem reafirmado a sua intenção de criar uma Zona de Livre Comércio e, posteriormente, passar à condição União Aduaneira. Esta ideia choca frontalmente com a situação da COMESA. A ser assim, uma das duas estará a cavar a sua própria sepultura.

 

13.                       Como já disse, a UNIÃO AFRICANA, surgida em 2002, é herdeira histórica da OUA. Teve como seu primeiro Presidente, o então Presidente Sul-Africano, Thabo Nbeki. Ela propôs-se completar os objectivos ainda incompletos traçados pela OUA, assentando, porém, os seus holofotes sobre a questão do Desenvolvimento Democrático dos nossos países, o respeito pelos Direitos Humanos, e o Desenvolvimento Económico.

 

14.                       Como o Desenvolvimento Económico dos nossos países não pode ser alcançado de um modo fechado, sem a cooperação internacional, temos, pois, que nos socorrer também de fortes investimentos estrangeiros. Daí que o Presidente Thabo Nbeki tenha inspirada a criação da NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África).

 

15.                       Actual estrutura da União Africana:

 

i)                   Assembleia – formada pelos Chefes de Estado e de Governo dos países membros, ou seus representantes devidamente credenciados

ii)                Conselho Executivo – formado por ministros ou outras entidades designadas pelos Estados membros

iii)              Comissão da UA – órgão encarregue da execução das decisões da Assembleia.

iv)              Comité de Representantes Permanentes da União Africana – constituído por Representantes Permanentes do Estados membros – encarrega-se de preparar as sessões do Conselho Executivo.

v)                Comité de Paz e Segurança.

vi)              Parlamento Pan-Africano – composto por 265 parlamentares.

vii)           Conselho Económico, Social e Cultural da UA.

viii)         Comités Técnicos Especializados.

 

 

16.                       Contexto actual da União Africana:

 

i)                   Integrada por 54 países membros – Marrocos saiu em protesto contra o reconhecimento da RASD.

 

ii)                Não obstante a UA ter afirmado a sua condenação a mudanças do poder por via dos golpes de Estado, ainda tem havido golpes de Estado no nosso Continente (casos do Egipto e da Guiné Bissau) e uma boa parte dos líderes dos países integrantes são ainda o resultado de golpes de Estado dados há dezenas de anos.

 

iii)              Nos últimos anos, aumentou a instabilidade interna em diversos países, com tentações separatistas, sobretudo, de carácter etnoregional. O exemplo mais gritante é o do Leste da República Democrática do Congo, onde se assiste a uma clara tentativa de reconfiguração das fronteiras herdadas do colonialismo, envolvendo ainda o Ruanda e o Uganda.

 

iv)              Estão em curso inúmeros conflitos com base em antagonismos étnicos e religiosos – Mali, República Centro Africana. Porém, o conflito prevalecente, por exemplo, na região do Darfur (Sudão), não tem como pano de fundo a religião, dado que ambos os antagonistas são povos islâmicos. A base do conflito é, se quisermos, étnica/rácica. Os habitantes do Darfur são negros islamizados pelos árabes do norte do país, com quem se confrontam.

 

v)                Qualquer instabilidade política mina a confiança dos potenciais investidores nacionais e estrangeiros, o que constitui um obstáculo ao pretendido desenvolvimento económico.

 

vi)              A UA tem se preocupado apenas com a aparência de democracia nos nossos países – passando, por norma, “certificados de boa prática eleitoral” às eleições fraudulentas que vão ocorrendo.

 

vii)           A UA não possui condições para ser ela própria a assumir o ónus das acções de pacificação que vão surgindo em várias partes do continente. Por exemplo, os países africanos fornecem homens, contudo, os custos económicos das acções recaem sobre os parceiros estrangeiros – geralmente, França, Reino Unido e EUA.

 

viii)         Até agora, a UA também não mostrou capacidade para travar a onda de destruição e morte que prevalece nos países da chamada “Primavera Árabe”. O exemplo mais flagrante é o da Líbia, presentemente a viver um processo de autêntica desagregação do Estado.

RÚSSIA E CHINA – A TROCA DE FAVORES


  1. A mais recente visita do presidente russo, Vladimir Putin, à China, visou dois objectivos que podem ser aqui bem especificados: aprofundar os laços de cooperação política entre os seus dois grandes Estados, e incrementar as relações económicas.

 

  1. Qualquer um dos objectivos respalda-se no facto de a Rússia estar a atravessar um mau momento nas suas relações com o Ocidente, quer ao nível político, quer a nível económico e, por isso mesmo, ter urgente necessidade de se virar mais para leste, especialmente, para a China, dado o crescente peso político e económico que, no momento, este país ostenta.

 

  1. À China também interessa um maior estreitamento dos laços com a Rússia, para contrabalançar a actual tensão nas suas relações fronteiriças com o Vietname, e igualmente na disputa com o Japão de algumas ilhas estratégicas, embora praticamente despovoadas.

 

  1. A tensão com o Vietname, sempre latente, despoletou depois de a China ter, unilateralmente, decidido instalar uma plataforma de perfuração de petróleo perto das ilhas Paracel, situadas na parte meridional do Mar da China, ilhas reivindicadas pelos vietnamitas e igualmente pela China. O Vietname alega que as ilhas fazem parte da sua plataforma continental, mas a China desvaloriza tal facto geofísico.

 

  1. A empresa chinesa envolvida a acção, a gigante China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), é das mais importantes do seu império empresarial. Da sua acção advieram distúrbios anti-chineses em território vietnamita, tidos já como dos mais graves das últimas décadas.

 

  1. Recordo que se trata de dois países vizinhos, seguindo o mesmo modelo de sociedade e de estado, que lutaram lado a lado contra os EUA. Durante a luta contra os norte-americanos, Moscovo esteve também ao lado do Vietname, sendo dos seus suportes mais firmes e garantido. Agora, passados os anos da solidariedade ideológica, temos face a face, em disputa feroz, velhos aliados.

 

  1. Se a China conseguir o apoio político de Moscovo nas suas disputas com o Vietname e o Japão, terá, pois, não apenas mais facilidades para dirimir o seu conflito com esses países e, por extensão, com o Ocidente, parceiro tradicional do Japão e, também, parceiro ocasional do Vietname, quanto mais não seja, com o objectivo de ver reduzida a expressão política da China naquela parte do mundo.

 

  1. Uma contrapartida a ser concedida pela China, poderá ser o não apoio a algumas pretensões separatistas que proliferam um pouco por todo o lado da porção asiática da Rússia – o que funcionaria, pois, como uma verdadeira troca de favores.

 

  1. Na sua relação conflituosa com a China, o Vietname vai, pela certa, buscar solidariedade no espaço da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), uma organização regional onde integra, juntamente a Indonésia, Filipinas, Malásia, Singapura, Brunei, Tailândia, Laos, Cambodja, Myanmar, e que tem procurado fortalecer os laços políticos e económicos com o mundo ocidental, assim como com o Japão. Não é, pois, de estranhar que a China procure apoiar-se politicamente da Rússia na sua presente contenda com o Vietname.

 

  1. Em relação ao Japão, e na sua frenética busca por recursos naturais, a hostilidade dos chineses não é menor, no que diz respeito à disputa pelas Ilhas Senkaku, reivindicadas por ambos os países e, também, por Taiwan. As Ilhas Senkaku (Diaoyu, em chinês) são importantes por serem local de passagem e habitat de cardumes, mas também por se suspeitar estarem num local onde abundarão enormes reservatórios de gás natural.

 

  1. Os EUA, através do seu mais alto mandatário, o Presidente Barack Obama, já declararam estar ao lado do Japão nesta contenda. Daí que seja compreensível o interesse da China em encontrar apoio por parte de Moscovo. E qual seria, então, a contrapartida oferecida pela China à Rússia? Possivelmente, o seu apoio na questão das Ilhas Kurilhas, situadas no extremo oriental da parte asiática da Rússia, defronte ao Arquipélago japonês, reivindicadas, simultaneamente, por Moscovo e por Tóquio.

 

  1. Nessa parte do mundo, a Esquadra Russa do Pacífico tem menor potencial bélico que os seus adversários mais directos, o Japão e, sobretudo, os EUA. Daí ser fundamental aproximar-se mais da China, também lá instalada com uma Esquadra de Guerra. Este xadrez político e militar ficaria ainda mais complexo pela presença nas redondezas de uma Esquadra Marítima Sul Coreana, aliada natural dos EUA.

 

  1. Julgo que Vladimir Putin terá colocado tudo isso em cima da mesa, na sua discussão política com o novo Presidente chinês, Xi Jiping. E não foi pouco, se tivermos em conta que a matéria económica foi igualmente objecto de tratamento prioritário, com especial destaque para as questões energéticas, particularmente, o gás natural, de que a China é carente, e a Rússia tem excedentes para vender, e que, como é lógico, será sempre um bom instrumento de posicionamento estratégico num processo de negociação.