sexta-feira, 13 de junho de 2014

A TRIBO DO FUTEBOL NUM MUNDO CADA VEZ MAIS INCERTO


  1. Durante os próximos dias – seguramente, um mês – as atenções mundiais estarão sobretudo viradas para o desenrolar da Copa do Mundo a decorrer no Brasil. Isso remeterá para segundo plano toda uma série de questões demasiado importantes para a paz internacional.

 

  1. Somente os políticos engajados com grandes responsabilidades internacionais não terão muito tempo para acompanhar esse acontecimento de grande vulto, ficando mais atentos a outras dimensões da vida, como, por exemplo, o presente evoluir da União Europeia, depois da entrada no Parlamento Europeu de forças políticas contrárias ao actual modelo de integração; seguirão também os rumos da Ucrânia, envolvida num conflito interno e com a Rússia, conflitos de consequências imprevisíveis; e, já agora, a degradação da situação política e militar no Iraque, com forças rebeldes a avançarem de modo quase imparável para a tomada do poder, ou, pelo menos, para a ocupação de vastas áreas do seu território. O povo em geral manter-se-á, quase sempre, mais colado à componente desportiva da actualidade mundial, a Copa do Brasil.

 

  1. Não me vou pronunciar sobre a Copa do Brasil. Ela só agora vai começar. Mas eu, sendo uma parte do povo em geral, também acompanharei, pela televisão, o seu desenrolar, sem, contudo, perder de vista o que acontece mundo afora, com especial relevo, para os acontecimentos a que fiz referência, que terão, seguramente, enorme influência na geopolítica dos próximos tempos.

 

  1. Adivinham-se, pois, tempos muito duros. Eles irão exigir dos principais actores internacionais uma atenção redobrada. Caso se distraiam com a Copa do Brasil, o mundo pode resvalar para uma espiral de violência ainda maior do que aquela de que temos sido testemunhas.

 

  1. Por exemplo, a ascensão política de formações de extrema-direita na Europa constitui, como é lógico, forte motivo de preocupação, pois o que o mundo necessita hoje é de ampliar o quadro das liberdades democráticas. A extrema-direita é, seguramente, um mau parceiro político nessa grandiosa batalha.

 

  1. A extrema-direita é passadista, ela vê o mundo de uma forma bastante desfocada. Por natureza, a extrema-direita é anti-democrática, xenófoba, nacionalista, racista, pugnando invariavelmente pela consolidação de um estado forte e, essencialmente, repressor. Por isso, a extrema-direita é um mal a extirpar. Mas, a democracia dá-lhe espaço, mesmo que ela queira terminar com a democracia.

 

  1. O actual projecto europeu tem precisamente outros contornos. Ele foi moldado num quadro de participação democrática; bate-se pelos princípios da inclusão; procura tendencialmente abolir todo o tipo de fronteiras dos estados, valorizando, porém, as diferentes identidades nacionais. Uma outra das suas características mais marcantes é a da transferência de determinadas prerrogativas dos estados nacionais para o centro. Afinal, esta última é uma das matérias que mais desafina os desejados alinhamentos políticos no seio da Europa e geradora das maiores reticências entre os seus cidadãos. Mesmo até entre os políticos ligados à social-democracia europeia e os da chamada direita democrática.

 

  1. A entrada da extrema-direita no Parlamento Europeu e o seu crescente peso nalguns dos países mais poderosos e emblemáticos poderá, a prazo, ter também enorme influência no relacionamento desse continente com o nosso, parceiros seculares de uma história que não foi muito boa.

 

  1. Teremos, pois, que ficar atentos a esse desenvolvimento, pois o eventual estilhaçar do actual modelo europeu, por pressão da extrema-direita, atirará contra nós muitos dos projécteis que poderão pôr em risco a nossa estabilidade, sendo nós continentes vizinhos e ligados pelo cordão umbilical da história.

 

  1. Por sua vez, a tensão política – e, agora, militar – no interior da Ucrânia e o seu mau relacionamento com o gigante vizinho, a Rússia, são outro motivo de enorme preocupação para o mundo. Daí poderá desencadear-se um conflito de dimensões incalculáveis.

 

  1. Felizmente, os dados mais recentes apontam já para um relativo desanuviamento entre os dois países, e busca-se um entendimento que possibilite a resolução de algumas das suas dissenções. Mas, um eventual desmembramento da Ucrânia teria repercussões nefastas na actual geografia política daquela parte do mundo, arrastando, pela certa, outros povos e países para a fragmentação.

 

  1. A ideia de uma Europa unida foi o grande desígnio dos pais-fundadores do projecto europeu, que visionaram um espaço sem fronteiras inexpugnáveis, com os seus povos a viverem em concórdia, salvaguardadas as suas diferenças e particularidades e, sobretudo, sem guerras destruidoras. Visionaram, também, uma potência económica capaz de enfrentar o gigante americano e os emergentes gigantes asiáticos. Contudo, a Rússia vai funcionando, afinal, como um autêntico tampão ao alargamento da Europa.

 

  1. E, por fim, de novo o Iraque. Está a ficar bem visível a fragilidade do poder instituído sobre os escombros do regime do Saddam Hussein. A primeira lição a tirar dos recentes desenvolvimentos naquele país – onde forças rebeldes, essencialmente sunitas, fazem já avanços para a capital do país. Neste país, as contradições religiosas no seio do poder islâmico, entre sunitas e xiitas, são mais fortes do que, por vezes, muitas contradições de carácter étnico ou rácico.

 

  1. Para compreendermos o conflito que dilacera o Iraque teremos, necessariamente, que estudar a sua composição religiosa mas, igualmente, a dos países limítrofes. Sem o seu entendimento, perde-se a perspectiva do conflito e pode-se embarcar em visões meramente simplistas.

 

  1. Adivinho, pois, momentos muito difíceis para aquela região do mundo que, pela certa, não encontrará a verdadeira paz, enquanto o poder político em cada um dos países tiver como substrato a afinidade religiosa, mesmo que dentro do próprio islamismo. Ser islâmico não é, pois, sinónimo de coesão, como se pode ver. Poderá até gerar alguma unidade contra terceiros – mas nunca no seu interior.

 

  1. No meio deste males, só nos resta, afinal, a tribo do futebol… Ela que consegue envolver todos num único abraço, num mundo cada vez mais incerto e perigoso.

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