quinta-feira, 2 de outubro de 2014

DOIS CASOS PARADIGMÁTICOS DE MÁ GESTÃO


1.  O público leitor de jornais e, também, todos quantos seguem atentamente os noticiários depararam-se com informações alarmantes a respeito de uma das instituições bancárias tidas como das mais robustas e melhor cotadas no nosso mercado financeiro – o BESA. Já antes, e não há muito tempo, tínhamos sido surpreendidos com o desmoronamento da seguradora nacional “AAA”, o que, pela certa, terá causado dano em muitos dos que nela confiaram. Que eu saiba, as verdadeiras razões do desmoronamento da “AAA” ficaram como que no chamado “segredo dos deuses”. Por isso, no grande público permanecem ainda imensas dúvidas, face ao comportamento sigiloso de quem tem a obrigação de gerir a sociedade com grande transparência.

 

2.  Veio ao de cima agora o chamado “Caso BESA”, cujo desenvolvimento terá ajudado a despoletar o ainda mais complexo “Caso BES”, que envolve um dos grupos familiares mais mediáticos no panorama financeiro português, com fortes ramificações no nosso país.

 

3.  Há muito que se espalhavam pequenos sinais de que o Grupo Espírito Santo estava envolvido em actos pouco claros e nada transparentes. Alguns  dos seus tentáculos internacionais passaram por vistorias policiais e periciais que indiciavam que algo não corria bem no seu seio. Porém, o alerta mais estridente soou com a informação do iminente colapso do BESA – veiculada pela comunicação social portuguesa – resultante do desconhecimento do paradeiro de cerca de 5,7 mil milhões de dólares norte-americanos atribuídos por aquele banco a clientes “supostamente” desconhecidos. Quase em simultâneo, foi também veiculada a notícia de que o Presidente da República decidira conceder uma garantia soberana ao BESA, para cobrir os eventuais danos causados pelo crédito malparado causado pela atribuição de dinheiros a figuras principalmente ligadas à nomenklatura que orbita em torno do partido no poder.

 

4.  Esse “suposto” desconhecimento da identidade dos beneficiários dos aludidos fundos é um facto demasiado grave, pois, qualquer instituição bancária que se preze – e, com maioria de razão, uma entidade com o histórico bancário herdado do BES – não pode ter facultado tão elevados recursos a “desconhecidos”. Muito menos deveria prestar tal benefício a quem não provou possuir garantias reais capazes de servir de respaldo ao crédito, em caso de incumprimento das respectivas obrigações.

 

5.  Corre ainda a notícia de que um dos que mais proveito retirou dessa forma perdulária de aceder ao crédito bancário, terá sido o próprio Presidente da Comissão Executiva do BESA, na altura, Álvaro Sobrinho, o que configura uma clara prática de improbidade e de enorme promiscuidade: ser juiz em causa própria.

 

6.  A alegada conexão do anterior PCE do BESA com altas figuras do regime beneficiárias dos créditos – hoje tidos como “activos tóxicos” – que provocaram o desmoronamento do BESA, terá sido facilitada por entidades de proa da ESCOM (Espírito Santo Commerce), uma das mais complexas alavancas dos interesses do Grupo Espírito Santo no nosso país.

 

7.  O BES, com mais de 50% do capital é ainda, até agora, o principal accionista do BESA, tendo como parceiros a Portmill (24%), o Grupo Geni (18,99%), e uma pequena percentagem do seu capital está distribuída por accionistas individuais.

 

8.  À Portmill estarão ligados altas figuras da política nacional, como o actual Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, “Kopelipa” e o General Dino. À Geni estará ligada à filha mais velha do Presidente da República, Isabel dos Santos.

 

9.  Em Portugal, o BES foi desmantelado, por determinação do Banco de Portugal, atirando os chamados “activos tóxicos” para o agora chamado “Banco Mau”, entre os quais o BESA. O Banco de Portugal constituiu também um “Banco Bom”, com o nome provisório de “Novo Banco”. Ao tomarem conhecimento dessa decisão, as autoridades angolanas retiraram a garantia soberana anteriormente concedida pelo Presidente da República, sem a qual o BESA ficou exposto às contingências do mercado.

 

10.      Sabe-se que o governo de Angola pretende dar um novo rumo ao BESA, remodelando a sua estrutura accionista. Para isso, colocam-se alternativas, uma das quais seria a sua distribuição por entidades bancárias estatais, o BPC e o BCI. Talvez não seja essa a melhor, dado que se trata de entidades bancárias cuja “saúde” suscita muitas dúvidas. E onde mais facilmente se poderiam repetir os erros de avaliação do risco de crédito cometidos pelo BESA…

 

11.      O tratamento a dar ao “Caso BESA” tem que ser devidamente ponderado, pois terá implicações em diversas áreas de actividade. Por exemplo, o BESA detém 62% do capital social do BESAACTIF, uma sociedade gestora de fundos de investimentos. Dos restantes, 35% pertencem à ESAF – Espírito Santo Participações Internacionais – uma das maiores sociedades gestoras de fundos de investimento portuguesas. E os 3% residuais são detidos por pequenos investidores.

 

12.      A ESCOM, maioritariamente participada pelo Grupo Espírito Santo, desenvolve múltiplas funções no nosso país, nomeadamente, mineração, imobiliário, energia, obras públicas, cimentos, oil & gás, etc. Uma eventual falência que se venha a verificar na ESCOM porá em causa um número bastante grande de interesses, gerando, inclusive, um significativo aumento no nível do desemprego.

 

13.      Tudo isso me leva a pensar que seria aconselhável as autoridades angolanas adoptarem uma atitude mais transparente na gestão do “Dossier BESA”, como forma de dissipar as fundadas suspeitas que sobre elas recaem, de estarem mais preocupadas em proteger os interesses particulares da sua nomenklatura.

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