quinta-feira, 2 de outubro de 2014

E ASSIM PARTIU O PINTO JOÃO…


  1. Morreu um Amigo de longa data, o Paulino Pinto João, com quem convivi de perto, já lá vão muitos anos. Conhecemo-nos ainda no período colonial, como estudantes – eu no Liceu Salvador Correia, e ele já mais adiantado, no Instituto Comercial de Luanda.

 

  1. O Paulino Pinto João era bem mais velho que eu – talvez uns 4 ou 5 anos – o que na nossa juventude poderia corresponder a uma diferença de gerações. Tal só não aconteceu entre nós, pelo facto de termos mantido sempre uma boa relação de proximidade, fruto da constante partilha de ideias sobre o mundo de então. Em especial, sobre os rumos do nosso continente.

 

  1. Vivemos o efervescente período das independências africanas, um facto inédito que, ainda jovens, seguíamos com atenção e com entusiasmo. Na altura, éramos apenas alguns, não tantos como, por vezes, agora se quer fazer parecer. Mas éramos em número suficiente para marcarmos a diferença. Estávamos do mesmo lado, participando da dinâmica da vida que indicava novos caminhos para os povos colonizados.

 

  1. Na altura em que conheci o Paulino Pinto João, ele era também uma referência de jovem interessado no saber. E o facto de estudar no Instituto Comercial, sinalizava uma boa perspectiva. Víamos nele um futuro quadro técnico de referência.

 

  1. O Pinto João sempre me disse que o seu desejo era prosseguir os estudos ao nível superior, o que só veio a suceder muito mais tarde. Nessa altura, quem quisesse prosseguir os seus estudos na área das economias, ou afins, tinha que seguir para Portugal, pois ainda não existia entre nós uma Faculdade de Economia. Daí que o Paulino Pinto João tenha ficado pelo curso de Perito Contabilista, de nível médio, mas de reconhecida competência, muito requisitado e respeitado.

 

  1. A dinâmica da economia colonial e da nossa sociedade da época fizerem requerer capacidades técnicas cada vez maiores. As autoridades portuguesas perceberam, então, que era imperioso incorporar na formação dos técnicos qualificados um número cada vez maior de africanos, dando especial realce aos quadros médios que serviriam, depois, de suporte aos poucos quadros superiores.

 

  1. O Paulino Pinto João foi dos primeiros da nossa geração a tornar-se Perito Contabilista. Mas ele não era apenas isso. Ele era, como já disse, “um dos nossos”, um dos que partilhava comigo o “sonho” de ver a África independente. Esse era um tema recorrente nos nossos encontros. O que, afinal, aprofundou a nossa amizade, uma amizade nunca perturbada pelos desencontros do pós-independência.

 

  1. Jamais fomos contaminados pelo “vírus” da disputa sem regras e sem princípios que se apossou da nossa sociedade. O Paulino Pinto João sempre procurou preservar a amizade pessoal. Foi ministro, ocupou um lugar destacado no seio do MPLA, o que o colocou num degrau capaz de inspirar certo medo.

 

  1. Alguns o guardarão na memória como ”O homem da ideologia”… Daquela ideologia que separava os angolanos em “camaradas” e “inimigos”. Mas, na minha memória ele será para sempre o meu Amigo, que nunca me marginalizou, sempre solidário até ao fim.

 

  1. Vou, pois, ter muitas saudades do Paulino Pinto João!

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