quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O ACTUAL PREÇO DO PETRÓLEO E AS MULTINACIONAIS


1.  Os preços internacionais do petróleo prosseguem em trajectória descendente. Vão mesmo já acumulando cerca de 30% de subida face, por exemplo, aos preços registados em Julho deste ano. Tal percentagem constitui uma muito significativa perda de valor naquela que é ainda a mais importante fonte de energia da sociedade moderna.

 

2.  Os impactos da descida do preço estão a provocar distintos reflexos sobre os diversos países, no caso de uns serem importadores e outros serem exportadores de petróleo.

 

3.  Como é evidente, aos países importadores de petróleo interessa um preço do petróleo mais baixo, resultando daí alívio nas suas contas. Aos países exportadores, sem sombra de dúvidas que interessará preços mais elevados, melhorando as suas receitas.

 

4.  Todavia, essa é uma perspectiva de certo modo redutora, uma vez que existem outros actores em cena, as empresas, com o seu interesse particular que nem sempre é completamente coincidente com o dos estados. Vale, pois, a pena dar uma ligeira olhadela para a posição das multinacionais ligadas à extracção e comercialização do petróleo, colocadas agora no âmago destes interesses contraditórios.

 

5.  Na maior parte das vezes, as multinacionais são originárias de países importadores de petróleo. O que não implica que não haja nesse negócio empresas de grande porte sedeadas em países exportadores. Mesmo assim, a todas elas interessará, seguramente, preços mais elevados, independentemente do interesse geral dos seus países.

 

6.  Com os actuais preços do crude, as principais multinacionais ocidentais, Exxon, Chevron, Shell e BP PLC vão vendo reduzidos os seus lucros a níveis inferiores aos de dez anos antes, quando até estavam a vender o petróleo e o gás natural a preços iguais a metade dos actuais. Esta diferença de resultados deriva, sobretudo, do aumento dos custos de produção, pois as novas explorações são feitas em condições cada vez menos favoráveis. Segundo dados recentes, as margens de lucro das multinacionais do petróleo baixaram dos 35% obtidos na última década, para 26% registados nos últimos 12 meses.

 

7.   Os níveis de produção da Shell já são idênticos aos que tinha dez anos antes. Perspectiva-se que continuem a descer. O mesmo sucederá com a Chevron. A Exxon está com níveis de produção aproximados dos de há cinco anos.

 

8.  Fruto desse estado de coisas, não são poucas as multinacionais que decidiram não só adiar investimentos que tinham em carteira, como, inclusive, realizar desinvestimentos nos campos petrolíferos menos lucrativos.

 

9.  Se é verdade que o adiamento dos investimentos em carteira e os desinvestimentos terão implicações sobre a actividade económica dos respectivos países, não deixa de ser verdade que eles também se reflectirão na responsabilidade social dessas mesmas empresas, alguns dos quais serão demasiado importantes para o bem-estar das suas populações.

 

10.                    A queda dos preços do petróleo está a afectar muito negativamente países como a Venezuela, Irão, Rússia, Iraque, Nigéria, e até mesmo Angola, podendo, porém, ter impactos positivos sobre os maiores importadores de petróleo, nomeadamente, países europeus e a China.

 

11.                    A situação da Venezuela é das mais sensíveis. Está mesmo a forçar o Presidente Nicolas Maduro a alterar a política de hostilização das multinacionais, que foi o cavalo de batalha de Hugo Chavez. Caso Nicolas Maduro adopte uma política de maior cooperação para com as multinacionais, terá, então, que enfrentar a animosidade dos “bolivarianistas” mais radicais.

 

12.                    A Rússia não vive momentos muito melhores, engajada que está num conflito que pode, inclusive, descarrilar, obrigando-a a grandes encargos.

 

13.                    Temos também que ficar atentos aos maus momentos que se avizinham para nós, pois o sector não mineral da nossa economia está ainda muito dependente dos resultados obtidos no sector petrolífero. E esta dependência manter-se-á por muito tempo, até que ele se realimente, criando a sua própria dinâmica.

O DIREITO À MANIFESTAÇÃO


1.  O direito à manifestação tem sido bárbara e sistematicamente reprimido em Angola, violando, assim, um dos preceitos constitucionais que mais dá forma e substância à democracia e aos regimes democráticos.

 

2.  Temos assistido a uma muito ridícula cobertura mediática das manifestações públicas, sempre que sejam protagonizadas por sectores ligados, directa ou indirectamente, ao poder. Temos também assistido à diabolização – por vezes, antecipada - daquelas manifestações inspiradas por sectores ligados às oposições, ou então, por jovens contestatários sem partido, activistas cívicos assumidamente críticos do poder actual.

 

3.  Não poucas vezes, a mídia estatal alerta a sociedade contra supostas “intenções de agentes provocadores, movidos por uma perigosa vontade de desestabilizar o nosso país, semeando o caos”. Logo de imediato, são “accionados” os analistas e os comentaristas do costume, assim como figuras públicas de variados estratos sociais e diversas vocações profissionais que emprestam, alegremente, o seu testemunho, numa maratona de depoimentos acusatórios. Fazem questão da dar pois, a ideia de que a pátria está em perigo de colapsar, de se mergulhar o país num abismo infindável.

 

4.  A dissuasão às manifestações tem sido acompanhada de uma onda de repressão sem precedentes. A cada nova vez, ela aumenta de tom e, também, de sofisticação.

 

5.  De início, os manifestantes (ou putativos manifestantes) eram previamente molestados nas suas casas. E os que escapassem a essa moléstia prévia, sovados no espaço público escolhido (ou nos seus arredores). Agora a moda passou a ser “despejá-los” a dezenas de quilómetros de distância, em locais ermos ou mesmo perigosos. As redes sociais estão cada vez mais pejadas de imagens de jovens feridos, arrastados por indivíduos fardados ou à paisana, numa verdadeira orgia de sangue.

 

6.  A última acção repressiva abateu-se sobre 3 jovens contestatários, sendo um deles uma jovem rapariga, estudante universitária, de nome Laurinda Manuel Gouveia, cujo depoimento têm chocado a opinião pública, pela agressividade com que foi molestada.

 

7.  A jovem Laurinda Manuel Gouveia não só relatou ao pormenor o sucedido, como também identificou parte dos agressores. Quer então dizer que não se trata de gente estranha e de difícil localização. Os seus agressores são pessoas físicas perfeitamente identificáveis.

 

8.  Se as autoridades quisessem responsabilizá-los pelo acto bárbaro cometido, facilmente o fariam. E, inclusive, teriam provas bastantes do modo selvagem como eles agrediram a jovem Laurinda Manuel Gouveia. Para isso, bastava visionarem os registos que os próprios fizeram. A vítima declarou, inclusive, que alguns deles estariam munidos de câmaras de filmagem, tendo registado as cerca de 2 horas que durou a agressão.

 

9.   A inacção das autoridades policiais e políticas só pode ser assumida como um silêncio cúmplice. Logo, concordam. Não há outra forma de o ver. Num verdadeiro Estado de Direito Democrático, a Procuradoria-Geral da República entraria imediatamente em campo, apurando as responsabilidades que levariam à punição dos infractores.

 

10.                  Também não se ouviu qualquer repúdio público e inequívoco por parte do partido político que assume a governação do país. Continua a manter um silêncio ensurdecedor, o que demonstra a sua insensibilidade quando se trata de vítimas que não são seus apoiantes declarados.

 

11.                  Estamos, sim, a caminhar por um trilho perigoso, dando livre curso a agentes policiais que agem sem limites, violando os direitos mais elementares dos cidadãos.

 

12.                  O direito à manifestação tem que ser garantido e protegido, independentemente das opções políticas de cada um. E isso deve ser feito sem equívocos, sob pena de virmos a pôr também em causa outros direitos igualmente plasmados na nossa Constituição.

 

13.                  O uso do direito de expressão e de manifestação permite avaliar o sentimento das pessoas, da sociedade. Entre dois actos eleitorais, a sociedade que legitimou um determinado poder deve possuir diversas formas de expressão da sua vontade. A manifestação pública é uma delas e não pode ser negligenciada, pois é uma forma de evidenciar a dinâmica social.

 

14.                  Um regime que não aceita ouvir vozes discordantes, de modo algum é democrático. Quem tenta circunscrever o regime democrático ao sistema multipartidário, está a estimular a busca de soluções violentas para as transformações políticas. Eu, pessoalmente, penso que esse não é o caminho certo.