terça-feira, 7 de abril de 2015

PORQUE NÃO SAÚDO A CONCENTRAÇÃO DE PODERES


1.  A eleição do novo Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, para o cargo de Presidente da Frelimo, concitou a atenção de uma boa parte da nossa opinião pública, muito em especial, da classe política. Houve mesmo quem saudasse tal acumulação de funções, como a forma adequada para evitar a dualidade do poder, pois, até então, Armando Emílio Guebuza dominava o partido no poder, a FRELIMO, e Filipe Nyusi estava na Presidência da República.

 

2.  Tenho, por princípio, respeito pelas opiniões alheias, desde que pensadas e com base na boa-fé de quem a emite. Porém, devo aqui dizer que não me parece que a concentração dos poderes – Presidência do partido governante e da República - tenha apenas vantagens, repito, apenas vantagens, dado que existem outros modelos, em outros países, que se têm mostrado, eles também, muito eficazes, quer sejam Repúblicas, quer sejam Monarquias Constitucionais. De modo algum, me refiro a ditaduras, que as há quer em Repúblicas, quer em Monarquias (regra geral, não Constitucionais).

 

3.  Nas Repúblicas democráticas, a Chefia do Estado é acometida a um Presidente que tanto pode ser eleito directamente pelos cidadãos eleitores, como por um Colégio Eleitoral, assuma este a forma que assumir.

 

4.  Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o Colégio Eleitoral não se confunde com o Parlamento. Ele é constituído por um grupo de cidadãos chamados de “grandes eleitores” de cada Estado, eleitos, por sua vez, pelos “pequenos eleitores”, que são os cidadãos comuns. O número de “grandes eleitores” por cada Estado varia em função do número de representantes que possui no Congresso. O total geral de “grandes eleitores” é de 538, tantos quantos os congressistas – a soma dos membros da Câmara dos Representantes com os senadores.

 

5.  Nas Repúblicas democráticas, todos os cidadãos - inclusive, o Presidente - se subordinam às leis fundamentais que regem a vida do país. Ninguém, por si só, é a Lei, como nas ditaduras, onde a Lei funciona quase que como um mero expediente.

 

6.  Nas Monarquias Constitucionais (Parlamentares), a Chefia do Estado cabe ao Monarca. O povo elege o Parlamento que exerce o Poder Legislativo, competindo ao Monarca, o Chefe de Estado, garantir o normal funcionamento das instituições. As acções do Governo, geralmente chefiado por um Primeiro-Ministro, são fiscalizadas pelo Parlamento. O Monarca tem funções específicas, geralmente de representação e de arbitragem, quando tal se afigura conveniente. Os equilíbrios governativos estabelecem-se ao nível do Parlamento, respeitando a vontade popular expressa no voto.

 

7.  Os Estados Africanos são, esmagadoramente, Repúblicas. Muitos deles consagram regimes políticos presidencialistas. Os Presidentes da República acumulam tais funções com a de líderes dos partidos políticos que os guindaram ao poder máximo. Os Primeiros-ministros, quando os há, são como que meros auxiliares do Presidente da República, e escolhidos entre figuras de proa do seu partido político.

 

8.  Entre nós, aqui em Angola, deixou, inclusive, de haver a figura do Primeiro-ministro. E o Vice-Presidente da República tem funções que lhe são delegadas discricionariamente pelo Presidente da República, sem qualquer inserção constitucional. O Presidente da República, a quem também se passou a chamar de Titular do Poder Executivo, tem os Ministérios como seus meros Departamentos. Simbolicamente, quer o Vice-Presidente, quer os Ministros, na sala de reuniões, são dispostos num patamar inferior, como se de uma aula magistral se tratasse. O plano em que se senta o Vice-Presidente é o mesmo dos Ministros.

 

9.  Em África, as Monarquias têm carácter residual: Marrocos, Lesotho, Suazilândia. Na Suazilândia, prevalece mesmo uma Monarquia Absoluta, onde, desde 1973, são proibidos os partidos políticos. Há, porém, no nosso continente, as chamadas Monarquias Subnacionais que, pela sua natureza, não são soberanas.

 

10.                Na Europa, coexistem Monarquias Constitucionais e Repúblicas, integrando, muitas delas, a actual União Europeia. Por exemplo, são Monarquias Constitucionais, a Suécia, Dinamarca, Espanha, Reino Unido, Luxemburgo, Bélgica, Holanda. A Noruega, país escandinavo como a Suécia e a Dinamarca, não integra a União Europeia. Ela é também uma Monarquia Constitucional. Na totalidade destes casos, o Poder Executivo é da inteira responsabilidade de governos dirigidos por um Primeiro-Ministro ou pelo Presidente do Governo, como no caso do Reino de Espanha.

 

11.                As Repúblicas da Europa Comunitária têm, por sua vez, um Presidente que é o Chefe do Estado, nuns casos eleito directamente pelos cidadãos eleitores, tais como nos sistemas semi-presidencialistas de Portugal, França, Lituánia e Roménia, em que o Presidente e o Primeiro-ministro partilham determinadas competências, ou sistema presidencialista do Chipre. Em outros casos, são eleitos por um Colégio Eleitoral, por norma, o Parlamento (Itália, Alemanha, por exemplo). O Primeiro-ministro, que Chefia o Governo tem, pois, legitimidade directa, pois concorre com essa finalidade no âmbito das eleições legislativas, geralmente, enquanto líder do seu partido político. No caso da Alemanha versa a figura de Chanceler.

 

12.                O continente asiático é o que mais pejado está de Monarquias Absolutas, sendo as mais mediáticas a Arábia Saudita, Bahrain, Kuwait, etc. A espaços, lá se encontram Monarquias Constitucionais, como o Japão. As Repúblicas asiáticas tendem a ser ditaduras, salvo muito raras excepções, como a Coreia do Sul.

 

13.                 É, porém, notório, que hoje na Europa democrática o Chefe de Estado não lidera o partido que governa o país. Casos há em que até coexistem Chefes de Estado com Chefes de Governo de cores políticas diferentes, num exercício democrático perfeitamente salutar - mesmo que, em algumas ocasiões, tenso, como foi o caso do ex-Primeiro-ministro Sócrates, socialista, com Cavaco Silva, de centro-direita. A Itália, por exemplo, conviveu com o Presidente da República de matriz comunista e um governo de direita. O actual Primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, fez, por sua vez, eleger para Presidente da República alguém que vem do centro.

 

14.                O actual Presidente da República Francesa não lidera o partido socialista, de onde provém. Quem lidera o Partido Socialista francês é Jean-Christophe Cambadélis, que substituiu Harlem Dèsir em Abril de 2014. Em França, nem sempre o governo e a Presidência da República são da mesma cor política. Inclusive, o líder do partido governante não é o Primeiro-ministro da República francesa, sendo embora ambos do mesmo partido.

 

15.                A Chanceler Angela Merkel lidera a União-Cristã Democrata da Alemanha, mas o Presidente da República é Joachim Gauck, um resistente ao regime ditatorial na antiga República Alemanha do Leste, onde se afirmou como pastor luterano e como professor.

 

16.                O Presidente norte-americano, Barack Obama, também não é o Presidente do Partido Democrata do seu país.

 

17.                Quer dizer que o modelo geralmente adoptado em África, da acumulação extrema (ou quase extrema), ainda não provou ser o ideal, pois tem proporcionado a consolidação de regimes totalitários, ou para aí tendendo, ou mesmo até ditatoriais. De modo algum, o nosso modelo desenvolveu verdadeiras democracias ou tem garantido a estabilidade, quer queiramos admitir, quer não. Por essa razão, eu não saúdo as acumulações de poderes!