segunda-feira, 4 de maio de 2015

A HISTÓRIA SERÁ IMPLACÁVEL PARA OS CRIMINOSOS


1.  Mesmo com algum eventual desacerto no número de mortos apresentado em Conferência de Imprensa, pelo líder da bancada parlamentar da UNITA, Raúl Danda, sem sombra de dúvidas que a cruel repressão de que foram objecto os seguidores da seita religiosa “A Luz do Mundo”, de José Julino Kalupeteca, configura algo muito próximo do massacre. Quanto mais não fosse, só por tal facto, ela ficará registado para a história como um dos dramas humanos mais horríveis ocorridos no Planalto Central angolano, concretamente na província do Huambo.

 

2.  Matar indiscriminadamente civis desarmados, de modo algum é um acto militar heroico, muito menos poderá ser motivo de orgulho ou de honra para unidades policiais, cuja missão é a salvaguarda da ordem pública, prevenindo o crime ou desarticulando grupos criminosos.

 

3.  A repulsa causada pela morte de polícias, num confronto atribuído aos seguidores da seita, também não justifica a forma desproporcionada como se retaliou a seita, matando gente civil, a maioria dos quais terão cometido apenas o “crime” de seguirem um “profeta” que os atraiu com base em matéria de fé.

 

4.  É exigível às autoridades firmeza nos seus actos mas, igualmente, o máximo de ponderação e de sentido de responsabilidade, já porque tivemos na nossa história recente situações de grande descontrolo que levaram ao cometimento de verdadeiros massacres.

 

5.  Recordo, por exemplo, os acontecimentos que sucederam ao “27 de Maio de 1977”, que terão vitimado um número indiscriminado de angolanos, na sua maioria inocentes, assim como a traumática “Sexta-Feira Sangrenta” com contornos étnicos perfeitamente identificados.

 

6.  Se é verdade que o massacre que se seguiu ao “27 de Maio de 1977” entra na “contabilidade” do mandato de Agostinho Neto, a “Sexta-Feira Sangrenta” e o agora conhecido como “O Massacre da Seita Kalupeteca” vão entrar no “Livro de Contas” da governação de José Eduardo dos Santos.

 

7.  Hoje ainda se esgrimem argumentos e contra-argumentos sobre quem foram os responsáveis morais e materiais envolvidos na mortandade que se seguiu ao “27 de Maio de 1977”. Ao falecido Presidente Agostinho Neto, em especial, é atribuída a responsabilidade política por tudo quanto aconteceu. Sobretudo, pelo modo como ele reagiu – muito a frio – ao tomar conhecimento da morte de cerca de meia dúzia de responsáveis políticos a si fielmente vinculados. Terá mesmo pronunciado a seguinte frase: “Não haverá perdão. E não perderemos tempo com julgamentos…”.

 

8.  Com tal pronunciamento, Agostinho Neto terá soltado as “feras” escondidas no fígado de muitos dos que o seguiam, que se sentiram legitimados para atropelar todas as regras prudenciais aconselháveis em momentos de grande tensão.

 

9.  Caso, eventualmente, não fosse sua intenção desencadear um morticínio de grandes proporções, a Agostinho Neto competia fazer todo o esforço possível para esmagar dentro de si a dor que legitimamente podia estar a sentir pela perda dos seus correligionários. Só Agostinho Neto tinha poder capaz de travar a sanha assassina que se revelava nos matadores de serviço. Em nome da defesa da “revolução”, os matadores de serviço foram descarregando o seu ódio sobre os seus antigos companheiros, de repente, tornados inimigos… E isto durou muitos meses.

 

10.                  De dentro da cadeia onde me achava preso há já mais de um ano, fui vendo ou tomando conhecimento, com enorme amargura, do que se passava… O número dos mortos aumentava em exponencial.

 

11.                  Quem sobreviveu a essa hecatombe, lembrar-se-á, pela certa, da famosa “Noite de 23 de Março de 1978”, com carros (algumas ambulâncias) a recolherem presos que seriam levados para a morte. Percorreram a Cadeia de São Paulo e a Casa da Reclusão, num lúgubre “arrastão”… Misturaram presos de delito comum e de pequenos delitos, com simples suspeitos, massacrados juntamente com acusados de envolvimento no “27 de Maio”.

 

12.                  E a famosa “Noite das Facas Longas” também ficará para sempre gravada na memória…

 

13.                  Muitos dos responsáveis políticos desses tristes acontecimentos já morreram, outros estão agora envelhecidos ou mesmo incapacitados. Mas os que sobrevivem dormirão, seguramente, mergulhados nos seus fantasmas… Sei que alguns se tornaram, inclusive, crentes religiosos, como forma de aspirarem a um perdão no Céu pelos crimes cometidos na terra…

 

14.                  O agora conhecido como o “Massacre dos seguidores de Kalupeteca” tem que ser devidamente esclarecido, assim como o modo como morreram os polícias da Caála, sob pena de, mais uma vez, a culpa morrer solteira…

 

15.                  A directiva de José Eduardo dos Santos de ser urgente “desmantelar a seita”, pode ter sido interpretada como uma ordem indirecta para se matar indiscriminadamente, por apenas se ser fiel da seita de Kalupeteca, tal como sucedeu com o “27 de Maio de 1977”.

 

16.                  Para dissipar dúvidas, José Eduardo dos Santos deveria assumir ele próprio a responsabilidade de exigir um inquérito exaustivo e rigoroso, integrando, inclusive, individualidades idóneas, nacionais e internacionais. Assim se apuraria mais facilmente a verdade e se puniriam os culpados, com base na Lei. Caso não o faça, José Eduardo dos Santos sujeita-se a carregar sozinho sobre os ombros a responsabilidade política pelo massacre dos fiéis seguidores do “profeta” Kalupeteca. Tal com a figura de Agostinho Neto ficou manchada com os crimes que se seguiram ao “27 de Maio de 1977”.

 

17.                  Faço questão de recordar que a memória histórica não é fácil de apagar e que há crimes hediondos que não prescrevem. Basta lembrarmo-nos que, ainda há poucos dias, se sentou no tribunal, na Alemanha, Oskar Groening, conhecido como o “contabilista” do Campo de Extermínio de Auschwitz, onde pereceram cerca de 300 mil pessoas às mãos dos SS nazis.

 

18.                  Oskar Groening está agora com 93 anos de idade e está perfeitamente lúcido. Mesmo que não tenha sido acusado por ninguém por envolvimento directo nas mortes dos prisioneiros, todavia, admitiu publicamente a sua quota de responsabilidade, relatando ao pormenor o seu papel e, com isso, ajudando a desmentir aqueles que continuam a negar a existência do Holocausto.

 

19.                  Repito: os crimes hediondos não prescrevem!