quarta-feira, 24 de junho de 2015

O DRAMA DOS EMIGRANTES


1.  O drama dos emigrantes africanos - e também asiáticos - que procuram refúgio na Europa, já tomou contornos demasiado assustadores, tal é o número dos que vão morrendo nas águas do Mar Mediterrâneo, tal é também o estado deplorável dos que chegam a bom porto, os poucos que ainda conseguem sobreviver.

 

2.  Trata-se de uma emigração dos tempos modernos que, forçosamente, nos faz remeter para um outro período negro da história quando, sobretudo, no Oceano Atlântico, repousavam os corpos de alguns dos nossos ancestrais, forçados a caminhar para terras desconhecidas e para destinos incertos.

 

3.  Muitos dos que ficaram para sempre nos fundos do Oceano, foram atirados ao mar pelos próprios traficantes negreiros que, assim, se descartavam de uma “carga” tornada, entretanto, ilícita, à luz das novas regras impostas pelas nações mais poderosas, que iniciaram mais cedo o processo de desenvolvimento capitalista, em especial, a Inglaterra e a França.

 

4.   O tráfico negreiro português permaneceu, por sua vez, por muito mais tempo, alimentando um modo de produção que se tornara obsoleto e contrário a uma nova consciência cívica e política, então emergente. Para alguns historiadores, nesse relativamente curto período de tempo, terão perecido no mar, talvez mais homens e mulheres do que os desaparecidos anteriormente.

 

5.  Parte do desenvolvimento económico que se verificou nas novas nações, entretanto, surgidas do outro lado do Atlântico, se deveu precisamente ao labor desses homens e mulheres que conseguiram chegar com vida aos novos destinos.

 

6.  De algum modo, não poucas nações europeias beneficiaram desse trabalho escravo, de que resultou um processo de acumulação de capital que as ajudou a progredir.

 

7.  Os nossos países tornados independentes geraram uma esperança de dias melhores. Geraram espectativas, entretanto, goradas, que fizeram do nosso continente um espaço pouco acolhedor para boa parte dos seus filhos. Sobreveio a intolerância e a fome. E muitos dos que ainda podem aspirar a uma vida melhor buscam, pois, outro porto de abrigo onde possam começar tudo de novo.

 

8.  Os actuais emigrantes que demandam desesperadamente a Europa provêm de zonas de conflito, em especial do norte de África – e também um pouco da Ásia – ou de países onde prevalece a fome e a intolerância política e religiosa. 

 

9.  O facto de muitos emigrantes saírem de zonas de risco – tais como a Líbia, Egipto ou mesmo a Síria - tem servido de argumento para quem defende a ideia de que as lutas para a instauração de regimes democráticos são, pois, lutas desnecessárias e perversas. Desse modo, os regimes ditatoriais seriam, afinal, o garante da paz e da estabilidade - uma tese que não faz sentido.

 

10.                  Tais regimes consolidaram-se quase sempre muito a custa de uma cega repressão dos opositores e sobre algumas comunidades. Foram mesmo eles que criaram todos os condimentos para que os actuais processos políticos conheçam enormes dificuldades.

 

11.                   Dificilmente se assiste a verdadeiras transições democráticas, porque emergiram novas contradições, ou reacenderam contradições adormecidas mas nunca resolvidas. O resultado tem sido a violência que empurra milhares de pessoas para uma emigração massiva e em desespero.

 

12.                  Emigrantes desesperados provêm ainda de países vizinhos ou até mesmo distantes daqueles onde se verificaram revoluções para pôr fim às ditaduras. De países pobres ou empobrecidos pela má governação, pela avidez do poder e pelo carácter depredador das suas elites dirigentes.

 
Não faz, pois, muito sentido irmos buscar justificações no passado colonial. Temos, sim, que ter coragem de olhar para dentro de nós e assumir as nossas próprias responsabilidades históricas.

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