quarta-feira, 24 de junho de 2015

UM BREVE OLHAR SOBRE O IÉMEN


1.  A aparente acalmia decorrente do pré-acordo estabelecido entre o Irão e as potências designadas por “Grupo 5+1” (EUA, França, Inglaterra, China, Rússia e Alemanha) relegou, pelo menos por algum tempo, para plano secundário a complexidade do conflito que está a afligir o Iémen. Trata-se de um conflito onde há que destacar, primeiro que tudo, os seus actores internos, hoje perfeitamente identificados, nomeadamente: os apoiantes do Presidente da República, Abd-Rabbo Mansour Hadi e do seu governo; o grupo rebelde Houthi, temporariamente aliado às forças fiéis ao ex-Presidente da República, Alli Abdullah Saleh; e o grupo terrorista conhecido como a Al-Qaeda da Península Arábica.

 

2.  As actuais divergências prevalecentes no Iémen podem ter raízes no remoto passado histórico do país, pois ele resultou da unificação de dois territórios vizinhos com gêneses distintas.

 

3.  A parte noroeste do país, com capital em Sana’a, correspondia ao Reino do Iémen, que se desvinculou do Império Otomano em 1918, tendo, em 1962, passado a designar-se República Árabe do Iémen, e permanecido como Estado independente até 1990, com fortes vínculos ao Ocidente

 

4.   A parte sul, com capital em Aden, constituiu-se, em 1967, na República Democrática e Popular do Iémen, filiada aos chamados estados socialistas, de onde sobressaíam a União Soviética e a China. Até à sua independência, foi um domínio do Reino Unido. A reunificação das duas Repúblicas dá-se, pois, em 1990. O domínio otomano sobre a parte norte e o domínio britânico sobre a parte sul terão, pela certa, deixado as suas marcas, mesmo que disfarçadas.

 

5.  Os Houthis, zaiditas de raiz religiosa xiita, habitam predominantemente no norte do país, mais precisamente na parte fronteiriça com o Irão.

 

6.  Há pouco tempo, os rebeldes Houthis desencadearam uma ofensiva contra o governo do Presidente Abd-Rabbo Mansour Hadi, obrigando-o a refugiar-se no sul do país e fixar-se em Aden, principal porto de mar e porta obrigatória para os navios que entram no Mar Vermelho, caminhando do Golfo Pérsico e do Golfo de Omã, ou vindos de outras regiões costeiras asiáticas e africanas, demandando o Mar Mediterrânico.

 

7.  Os actuais aliados internos dos Houthis são os partidários do ex-Presidente Alli Abdullah Saleh, originário da parte norte do país, que esteve no poder durante 32 anos, de onde foi afastado aquando da chamada Primavera Árabe.

 

8.  A Al-Qaeda da Península Arábica, ramo da Al-Qaeda que resultou da junção de grupos radicais sunitas da Arábia Saudita e do Iémen, é um dos alvos dos Houthis. A al-Qaeda da Península Arábica é tida pelos EUA como um dos grupos jihadistas mais perigosos. Reivindicaram, por exemplo, o recente massacre de jornalistas da revista satírica francesa, Charlie Hebdo, e levaram a cabo acções militares de grande envergadura dentro do Iémen.

 

9.  Estes são os actores internos de um conflito que rapidamente estimulou forte intromissão externa. Presentemente, cerca de dez países árabes participam no combate aos rebeldes Houthis. Como sabemos, de feição xiita, tal como o Irão.

 

10.                  O conflito no Iémen não pode ser visto tão-somente na perspectiva histórica, como sendo um resultado apenas das diversas gêneses das suas partes internas. Ele reflecte ainda a presente correlação de forças entre os dois principais ramos do islamismo no Médio Oriente e em todo o mundo – o sunismo e o xiismo.

 

11.                  Com o beneplácito da Liga Árabe, dominada pelo ramo sunita do Islão, a Arábia Saudita capitaneia a coligação que se opõe aos Houthis (xiitas) que, por sua vez, são apoiados pelo Irão, um país islâmico, porém, não árabe. Este particular pode ajudar a entender o porquê de, em tão pouco tempo, ter sido possível estabelecer-se a presente coligação.

 

12.                  O Golfo de Aden joga um papel crucial no comércio mundial, à semelhança do Estreito de Ormuz - situado na separação entre o Golfo Pérsico do Golfo de Omã - por onde passa uma parte significativa do petróleo que se dirige a países como o Japão, China, Índia e Coreia do Sul, das mais importantes economias dessa parte oriental do mundo. Pelo Golfo de Aden passa o petróleo que provém do Golfo Pérsico e que vai para o Ocidente, sendo a via mais curta e, por isso mesmo, a menos dispendiosa. A sua passagem pelo sul de África, por ser mais demorada, seria enormemente custosa.

 

13.                  O conflito no Iémen não pode durar muito mais tempo, sob pena de pôr em causa o comércio mundial, num espaço geográfico propenso aos extremismos e muito marcado pela pirataria marítima. Recordemos, por exemplo, o estado em que ficou a Somália, depois do desaparecimento de Muhammad Siad Barre, e como tal impactou naquela parte do mundo.

 
Não obstante a importância estratégica daquela região do mundo, será muito difícil um posicionamento acertado, uma vez que, naquele verdadeiro tabuleiro de xadrez, se movimenta uma peça, tão ou mais inquietante ainda: o radical Estado Islâmico, de feição sunita, tal como a maioria dos países da região.

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