quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O MAR MEDITERRÂNEO É O CAMINHO E A EUROPA O DESTINO


1.  Nos últimos tempos, a migração massiva de gente ida de África e do Médio Oriente, em busca de abrigo na Europa – fazendo-o em condições dramáticas – prendeu a atenção da comunidade internacional, quando já repousam nos fundos do Mar Mediterrâneo, os restos mortais de milhares de vítimas dessas travessias horripilantes, feitas de forma precária e demasiado arriscada.

 

2.  Tudo isso tem mexido com a consciência e os sentimentos das pessoas de bem. Insensíveis ao drama dos migrantes ficam tão-somente os de “maus fígados”, os ressabiados e os traumatizados, por norma, gente com histórias pessoais mal resolvidas – que são, felizmente, uma minoria insignificante. Tenho eu a certeza de que, certamente, não é um fruto do contributo deste pequeno grupo que o mundo melhora e a humanidade se torna mais humana.

 

3.  O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estimou em cerca de 60 milhões, o número de pessoas hoje deslocadas dos seus lugares de origem, vítimas de conflitos armados e de perseguições de todo tipo. De entre eles, 19,5 milhões são considerados refugiados, classificação apenas atribuída a quem busca asilo em outro país.

 

4.  Os países de onde saem mais refugiados para a Europa são a Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, Eritreia, Líbia, Nigéria. Mas há também quem saia do Chade, Sudão e Congo, e de outros países. Fogem das guerras. Procuram escapar à pobreza. Tentam evitar outras formas de violência nos seus países de origem.

 

5.  De acordo com o ACNUR, 50% dos refugiados que tentaram, este ano, entrar irregularmente na Europa pelo Mediterrâneo, são sírios, vítimas de um conflito que eclodiu em 2011, quando o país tinha 20 milhões de habitantes. Hoje, a Síria tem já cerca de 7,6 milhões de deslocados internos, e 4 milhões de refugiados em outros países da região, nomeadamente, Turquia, Líbano e Jordânia.

 

6.  O que mais chama a atenção do mundo e o que mais choca a consciência das pessoas é o fluxo dos refugiados sírios, que buscam abrigo na Europa, de preferência na Alemanha e Suécia.

 

7.  O conflito civil sírio, que se seguiu à tentativa de desalojamento do poder do ditador Bashar Al-Assad, criou vários grupos rebeldes, entre os quais o Exército Livre da Síria, a Frente Al-Nusra (ligado à Al-Qaeda) e o mais extremista de todos, o chamado Estado Islâmico, que controla cerca de 50% do território.

 

8.  O Afeganistão é responsável por 13% dos refugiados que tentaram irregularmente chegar à Europa pela rota do Mediterrâneo. Tem 710 mil deslocados internos e mais de 2,5 milhões de refugiados em outros países, maioritariamente no Paquistão (95%) e no Irão. Um fenómeno que vem de longe, de uma sucessão de conflitos, desde a invasão soviética (1978 a 1989), a guerra civil (1992 a 1996), o período do domínio dos Taliban (1996 a 2001), a intervenção militar liderada pelos EUA, na sequência dos “Ataques de 11 de Setembro de 2001”.

 

9.  Presentemente, a Eritreia contribui com aproximadamente 8% dos imigrantes ilegais que tentaram entrar na Europa, atravessando o Mediterrâneo. Para os dados do ACNUR, são 216 mil os refugiados eritreus vivendo em países próximos, como o Sudão e Etiópia. O êxodo da Eritreia não é propriamente o produto de uma guerra mas, sim, do regime ditatorial, altamente repressivo, que se instalou no país desde a sua separação da Etiópia, em 1993. É de tal modo repressivo que a Eritreia é também tida como a “Coreia do Norte de África”.

 

10.           3% dos refugiados que procuraram este ano atravessar irregularmente o Mediterrâneo são somalis, um país que, em 1991, se começou a destroçar, com o fim do regime do ditador Mohammed Siad Barre. Foi a permanente instabilidade política vivida no país que facilitou a instalação de um ramo da Al-Qaeda, a Al-Shabaab, uma milícia radical islâmica. Dados fiáveis apontam para 1,1 milhões de deslocados internos e mais de 1 milhão de somalis refugiados em países vizinhos, como o Quénia, Etiópia e Iémen.

 

11.           O país mais populoso de África e com o maior PIB do continente, a Nigéria, contribuiu com 4% dos refugiados que, durante este ano, buscaram entrar irregularmente na Europa pela via do Mediterrâneo. Causa próxima: a actividade do grupo radical islâmico Boko Haram, gerando, até agora, 1,3 milhões de deslocados internos e 150 mil refugiados em países vizinhos, como Chade, Níger e Camarões.

 

12.           Consideremos ainda os refugiados idos para a Europa a partir do Paquistão (3%), Iraque (3%), Sudão (2%), Gâmbia (1%), Bangladesh (1%). Sem esquecer a Líbia, claro. Ao penetrarem num país da Europa, a tendência de todos os refugiados é procurarem abrigo nos países subscritores do chamado “Espaço Schengen”. Um espaço de livre-trânsito na Europa, sem controlo de fronteiras, integrando 22 países da União Europeia, mais o Liechtenstein, Suíça, Noruega e Islândia, mas ao qual não aderiram o Reino Unido e a Irlanda. A Romênia, Bulgária, Croácia e Chipre aguardam a conclusão do processo de adesão.

 

13.           O comportamento desses países face ao actual fenómeno de migração forçada é não apenas fruto da vontade política de cada Estado mas, igualmente, da sua adesão ou não ao Tratado de Asilo assinado pela maioria dos Estados da União Europeia, e não subscrito pelo Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.

 

14.           A França, Itália e Holanda, subscritores do Tratado de Asilo, e receptadores de muitos desses migrantes forçados, mantêm, ainda assim, restrições com base em Leis próprias elaboradas para prevenir eventuais fraudes nos pedidos de asilo.

 

15.           Tem sido crescente o número de países a declarar vontade de acolherem todo esse fluxo crescente de gente que tudo arrisca para encontrar abrigo e novas condições de vida em países estrangeiros. Na sua maioria são países europeus mas, igualmente, de fora da Europa.

 

16.           Alemanha, França, Áustria, Reino Unido (depois de um período de recusa), Espanha, Holanda, Suécia, Islândia, Noruega, Dinamarca, Austrália, Brasil, Venezuela, são declaradamente países de acolhimento. Mas os países do antigo Bloco do Leste, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Roménia, mostram-se renitentes em acolher refugiados, socorrendo-se dos mais diversos argumentos, alguns mesmo recorrendo à discriminação religiosa.

 

17.           Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apontam que, em 2014, mais de 700 mil pessoas pediram asilo na Europa, mais 47% que no ano anterior. Segundo a mesma fonte, nos primeiros 8 meses de 2015, já 381 mil pessoas terão cruzado o Mar Mediterrâneo para entrarem na Europa, tendo morrido ou desaparecido na travessia 2,5 mil pessoas.

 

18.           Os dados do Eurostat, Gabinete de Estatística da União Europeia, dizem-nos que, nos primeiros 4 meses de 2015, registaram-se mais de 184 mil pedidos de asilo, dos mais de 340 mil chegados à Europa por meios irregulares. A tendência é para os números ampliarem, pois ainda prevalecem as condições causadoras desse impetuoso fenómeno migratório, já tido como o mais impressionante depois da Segunda Guerra Mundial.

 

19.           O caos instalou-se nalguns países europeus mediterrânicos como a Itália (Lampedusa), destino de 121 mil refugiados desde o início de 2015, e a Grécia (ilhas de Kos e Lesbos), destino de 258 mil refugiados até inícios de Setembro de 2015. Mas, também, na região francesa de Calais, fronteiriça com o Reino Unido, assim como na Hungria, porta de entrada terrestre no espaço da União Europeia.

 

20.           Mas, como é que a Europa tem tentado debelar o problema?

 

i)                   Começou por combater os traficantes de refugiados, gente que, a troco de enormes somas em dinheiro, facilita o trânsito desses desesperados;

ii)                 A Itália tentou reduzir os resgates de refugiados perdidos no Mar Mediterrâneo, com isso, fazendo aumentar o número de mortes no mar;

iii)               Depois do pronunciamento da Chanceler Alemão Angela Merckel e do Presidente francês François Hollande, apelando ao acolhimento dos que demandam a Europa, por motivos humanitários, propondo, inclusive, um sistema de quotas -  em função do estado da economia de cada país - assistiu-se a uma mudança de atitude por parte de alguns países europeus, com excepção dos países do Leste do continente, muito renitentes em acolher os refugiados;

iv)               Inicialmente indisponível, o Reino Unido já flexibilizou a sua posição;

v)                 Porém, outros países europeus mostram-se irredutíveis ao estabelecimento do sistema de quotas proposto pela Alemanha e a França. Preferem, sim, uma modalidade mais “soft”: uma decisão voluntária de cada Estado, e não uma imposição;

vi)               O estabelecimento do sistema de quotas foi secundado pelo Presidente da Comissão Europeia, o luxemburguês Jean Claude Juncker, que englobaria 22 dos 28 Estados integrantes da União Europeia.

vii)             A proposta de Jean Claude Juncker excluiria a Grécia, Itália e Hungria, a braços com o fardo de serem a principal porta de entrada dos refugiados. Excluiria ainda o Reino Unido, Dinamarca e Irlanda, por não integrarem o acordo comum europeu sobre políticas de asilo.

viii)           Do ponto de vista financeiro, a União Europeia promete disponibilizar mil e oitocentos milhões de euros para ajuda aos países africanos para conterem o fluxo de refugiados que buscam abrigo na Europa.

 

21.           Estimativas apontam para cerca de 100 mil refugiados africanos já interceptados no Mar Mediterrâneo, a caminho da Europa. Em 2014 terão sido 400 mil os que cruzaram o mar para se refugiarem na Europa.

 

22.           E como é que África tem reagido a este grave fenómeno que mina profundamente os seus alicerces? Não faz nada? Faz pouco? Tem tido pronunciamentos ambíguos?

 

23.           É evidente que o fenómeno migratório não é puramente africano. Ele é também do Médio Oriente. Inclusive, decorre nesta altura um forte fluxo de refugiados e de emigrantes ilegais em outras partes do Continente Asiático, uns tentando escapar de áreas de conflito, outros em busca de soluções mais favoráveis ao seu desenvolvimento.

 

24.           A migração forçada nestes dois continentes é um fruto da intolerância dos regimes políticos instalados, de conflitos históricos e de outros conflitos mais recentes (sejam de natureza étnica e/ou religiosa), da pobreza profunda em que uma boa parte das suas populações estão mergulhadas.

 

25.           De uma coisa tenho a certeza: nenhum dos países que “exportam” essa gente – e nalguns casos, gente qualificada - ficará mais rico e mais seguro com a saída das populações que buscam, noutras paragens, a paz e a segurança que lhes é negada em casa.

 

26.           Previsivelmente, o presente fenómeno migratório virá a desencadear fenómenos colaterais, de racismo, de xenofobia, de inadequação e rejeição… São povos de diversas culturas e hábitos. São povos, pelo menos alguns deles, com distintas interpretações sobre o modo de se viver em comunidade, muito distintas daquelas que prevalecem na Europa – uma Europa onde se debate, a todos os níveis, as múltiplas nuances do fenómeno da globalização.

 

27.           Nota interessante: Desde que o principal fluxo de refugiados passou a ser de gente ida do Médio Oriente, especialmente da Síria, o “quadro fotográfico” mudou… E, parece que a “consciência” da Europa também mudou… Mas tudo isso pode ter uma explicação.

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